PF apura se Mauro Cid escondeu informações em acordo de delação
A Polícia Federal deverá chamar o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, para esclarecer o que seriam omissões de fatos importantes nos depoimentos do militar em seu acordo de colaboração premiada. O acordo de delação tem cláusula de cancelamento, caso fique comprovado que o beneficiário escondeu informações dos investigadores.
A delação dele, a primeira de um oficial superior das Forças Armadas, foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal em setembro do ano passado, resultando na saída de Cid da prisão, após quatro meses, para permanecer em domicílio sob monitoramento de uma tornozeleira eletrônica. Ele havia sido preso em maio de 2023 no curso de uma operação para apurar fraudes em cartões de vacinação da família Bolsonaro.
Em setembro, o UOL revelou que Cid contou aos investigadores que Bolsonaro recebeu uma minuta de golpe de Estado, em novembro de 2022, em uma reunião com o então assessor internacional da Presidência, Filipe Martins.
Segundo o delator, o então presidente, àquela altura já derrotado na eleição presidencial de outubro, submeteu os planos de intervenção aos comandantes das três Forças. Ele só teve apoio do chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, enquanto os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, e do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, rejeitaram a ideia de pôr tropas na rua para apoiar a trama. O UOL teve acesso a parte do teor da delação, mas não à sua totalidade.
Mensagens trocadas por integrantes da cúpula do governo ou da campanha derrotada de Jair Bolsonaro, como o candidato a vice, general Walter Braga Neto, reveladas nos autos da operação Tempus Veritatis, deflagrada ontem, corroboram que Bolsonaro recebeu e pediu alterações na minuta golpista. Numa delas, Braga Neto chama de "cagão" o general Freire Gomes, do Exército, por ter se recusado a embarcar na ação de golpe de Estado. O ex-assessor internacional Filipe Martins foi um dos presos na quinta (8).
Investigadores disseram ao UOL que "praticamente tudo" que Cid contou já era do conhecimento da PF por causa da análise do conteúdo encontrado no celular do ex-ajudante de ordens, que havia sido apreendido em maio de 2023, na operação sobre fraudes nos cartões de vacinação.
Segundo essas fontes da PF, Cid vai precisar entregar mais para salvar o acordo, mas elas não deixaram claro se as supostas omissões se referem a fatos já tornados públicos pela operação de ontem ou a fatos ainda sob investigação que não vieram a público ainda.
Em entrevista ao UOL News na tarde desta sexta, o advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, disse que, se faltou ele contar algo na delação, foi por que os investigadores da Polícia Federal não perguntaram.
"Você sabe como funciona um interrogatório? Pergunta e responde, pergunta e responde. Se não perguntar, não tem como responder. O Mauro Cid não deixou nenhuma pergunta sem resposta. Agora eu, como interrogado, não tenho que chegar lá e fazer uma conferência", disse Cezar Bitencourt ao UOL News.
E, em seguida, admitiu que o cliente pode voltar a ser ouvido pela PF.
"Se não perguntaram, eu não tenho por que responder. Pode ter necessidade de ser ouvido de novo? Pode, sem problema nenhum. Não somos nós, defensores, que ditamos o andamento da carruagem", disse o advogado. Veja vídeo ao final do texto.
OS KIDS PRETOS
Um dos fatos novos trazidos à tona na operação de ontem é o papel de integrantes das Forças Especiais (FE), conhecidos como "kids pretos" por conta da cor de suas boinas, na trama. Trata-se de um grupo de elite do Exército para missões arriscadas ou clandestinas do qual o próprio Cid é egresso. Não está claro, até agora, o quanto Cid comprometeu ou deixou de comprometer militares ligados às FE em seus depoimentos da delação.
Antes do fim do governo Bolsonaro, Cid foi designado para o comando do 1º Batalhão de Ações de Comandos, a que pertencem os kids pretos - a nomeação foi cancelada depois pelo governo Lula.
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Quero receberSegundo trechos da investigação da PF tornados públicos ontem, um dos alvos da operação de ontem, o coronel Bernardo Romão Correia Neto, participou da organização de uma reunião em 28 de novembro de 2022, em Brasília, com "oficiais, com formação em forças especiais, assistentes dos generais supostamente aliados na execução do golpe."
Segundo a PF, diálogos encontrados no celular de Cid indicam que Correia Neto "intermediou o convite para reunião e selecionou apenas os militares formados no curso de Forças Especiais (Kids Pretos), o que demonstra planejamento minucioso para utilizar, contra o próprio Estado brasileiro, as técnicas militares para consumação do Golpe de Estado."
A PF afirma que Cid é suspeito de ter arranjado recursos financeiros para promover o encontro.
Na mesma noite de 28 de novembro de 2022, Correia Neto enviou a Cid uma minuta intitulada "CARTA AO COMANDANTE DO EXÉRCITO DE OFICIAIS SUPERIORES DA ATIVA DO EXÉRCITO BRASILEIRO" (em caixa alta, conforme a transcrição), documento que a PF acredita ter sido discutido na referida reunião utilizado como instrumento de pressão ao então comandante do Exército, general Freire Gomes.
O coronel, contra quem foi emitido um mandado de prisão ontem, está em missão oficial nos Estados Unidos.
O GENERAL AFASTADO
Outro ponto ainda a ser esclarecido envolve o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, comandante de Operações Terrestres já sob o governo Lula. Segundo mensagens no celular de Cid citadas pela PF na Tempus Veritatis, o general Theophilo esteve com Bolsonaro em 9 de dezembro de 2022, quando teria dito que aderiria ao golpe de Estado, se o presidente assinasse a medida.
"Nesse sentido, além de ser o responsável operacional pelo emprego da tropa caso a medida de intervenção se concretizasse, os elementos indiciários já reunidos apontam que caberiam as Forças Especiais do Exército (os chamados Kids Pretos) a missão de efetuar a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assim que o decreto fosse assinado", escreveu a Polícia Federal para justificar o pedido de afastamento do general Theophilo do exercício de funções públicas.
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