Para agentes do mercado, Haddad perdeu batalha para ala política em anúncio
A leitura predominante entre investidores e operadores da indústria financeira é que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, perdeu a batalha para a chamada ala política do Palácio do Planalto, liderada por Rui Costa (Casa Civil), no anúncio do pacote de corte de gastos do governo federal.
Depois de cinco semanas de discussões, a expectativa era que o anúncio produzisse queda na curva de juros futuros e o fim da escalada do dólar.
A realidade entregou o contrário: a moeda americana ultrapassou a barreira dos R$ 6, maior valor nominal da história, houve uma venda generalizada de ações na B3 (cujas cotações que atingiram o pior nível desde 2023) e os títulos públicos pré-fixados agora são vendidos com uma taxa de juros superior a 7%, além da correção pela inflação.
Detalhado por Haddad na quinta (28), o plano prevê corte de R$ 70 bilhões em gastos públicos até 2026. A surpresa, atribuída à ala política do governo, foi a inclusão da promessa de isentar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 a partir de 2026.
Segundo o site Metrópoles, Lula consultou Sidônio Palmeira, marqueteiro de sua campanha em 2022, sobre o anúncio da isenção. Sidônio também foi responsável pela propaganda eleitoral na campanha de Rui Costa ao governo da Bahia, em 2014.
Fora de Brasília, a interpretação dos agentes econômicos foi a de falta de apoio do presidente a medidas para estabilizar o déficit orçamentário crescente e reduzir o endividamento do país.
"O pacote em si não é nenhuma maravilha, mas tem coisas que vão na direção certa, como enquadrar a regra de reajuste do salário mínimo no arcabouço fiscal, porque antes não conversavam, mas criou confusão ao misturar a isenção do IR, que não precisava ser anunciada agora", disse Luís Otávio Leal, economista-chefe da gestora G5 Partners.
Promessa de campanha de Lula em 2022, a isenção do IR deverá ser objeto de projeto de lei a ser enviado ao Congresso em 2025 e, se passar, começará a valer no ano seguinte.
Segundo o anúncio, para contrabalançar os R$ 35 bilhões que vão deixar de entrar no caixa, o governo vai propor tributar dividendos hoje isentos de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Uma das dúvidas é se essa tributação sobre o andar de cima será o suficiente para cobrir a perda de arrecadação com a isenção do IR.
"Tinham duas boas notícias, reafirmar compromisso com o fiscal e a isenção do IR, mas, ao misturar, transformaram em uma ruim. É como transformar ouro em lata", compara Leal.
"Haddad até que tirou leite de pedra porque o Lula claramente não queria anunciar [cortes de gastos]."
Juros em alta
O cerne da divergência entre os agentes econômicos e a chamada ala política do governo é o endividamento público. Na sexta (29), o Banco Central informou que a dívida bruta do governo (que inclui governo federal, INSS e governos estaduais e municipais) atingiu 78,6% do PIB (R$ 9 trilhões) em outubro de 2024, aumento de 0,4 ponto percentual do PIB em relação ao mês anterior.
Quanto mais alta a dívida, maior o prêmio cobrado por investidores que compram os títulos que o governo emite para financiar. Nesta segunda (2), ainda refletindo às tensões que se seguiram ao anúncio do pacote, títulos pós-fixados do governo estão sendo negociados a IPCA (inflação) mais 7% e prefixados acima de 14% de juros ao ano.
Na prática, isso significa que o governo terá que transferir mais dinheiro do contribuinte no futuro para pagar uma dívida crescente.
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Quero receberO ceticismo da indústria financeira sobre o compromisso fiscal do governo afetou as expectativas de inflação, levando o Banco Central a aumentar as taxas de juros no momento em que o Federal Reserve, a autoridade monetária dos EUA, reduz a política monetária.
Nesta segunda (2), economistas ouvidos pelo Banco Central, no relatório Focus, aumentaram suas projeções para juros e inflação no próximo ano. A taxa básica Selic deve atingir 12,63% em dezembro de 2025, ante estimativa anterior de 12,25%. Os analistas também elevaram as previsões para o aumento dos preços ao consumidor no final do próximo ano para 4,4%. É a sétima alta consecutiva medida pela pesquisa.
"Não dá para dizer que o corte previsto no pacote estava longe do que desenharam os técnicos porque o comportamento das despesas do governo não conversava com o arcabouço. Mas basicamente acentuou-se um problema de credibilidade, expondo a sensibilidade muito grande do do governo ao ambiente eleitoral", avalia Roberto Padovani, do Banco BV.
"A inclusão da isenção do IR refletiu a divisão interna do governo. No fundo, a falta de convicção com o equilíbrio fiscal acabou sendo a principal mensagem", interpreta.
Em meio às turbulências, o próximo presidente do BC, Gabriel Galípolo, disse que o Brasil pode precisar de taxas mais altas de juro por mais tempo para ancorar as expectativas de inflação. Ele repetiu a mensagem na sexta, frisando que o BC pode elevar a taxa Selic.
Se Lula e a ala política não queriam passar um recibo público de adesão aos apelos da Faria Lima por corte de gastos com o anúncio na quarta-feira, o presidente acenou ao capital na sexta.
Lula nomeou três novos membros para o conselho do Banco Central. O novo diretor de política monetária, cargo-chave na estrutura do BC, será Nilton David, chefe de tesouraria do Banco Bradesco. A indicação precisa ser aprovada pelo Senado.
Cenário externo e inflação
Para Padovani, do Banco BV, além dos ruídos políticos, há outros dois fatores preocupantes no próximo ano: o cenário externo e a nova estrutura de custo das empresas brasileiras com um dólar mais caro.
Há um cenário de incerteza para mercados emergentes como o Brasil, após a eleição de Donald Trump nos EUA, com expectativa de uma onda de protecionismo na maior economia do mundo e valorização do dólar. Tensões geopolíticas e dúvidas sobre o crescimento da China, principal destino das exportações brasileiras, também são razões de cautela, segundo ele.
"Nenhum empresário mexe na estrutura de custos de sua empresa porque o dólar oscilou aqui ou ali, mas se o dólar vai mesmo para este patamar de R$ 6, muitas empresas que dependem de alguma maneira do custo do dólar vão repassar o aumento de custos para os preços. Isso significa mais inflação, não apenas no setor de serviços", afirma o economista.
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