Renda Brasil sem quebrar o teto de gastos põe Guedes numa sinuca de bico
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O Renda Brasil bateu no teto de gastos. O programa de transferência de renda para pobres e muito pobres que o presidente Jair Bolsonaro decidiu bancar se viabiliza fora do teto ou se outras despesas do governo forem cortadas. A saída não é trivial e, por isso, não será surpresa se o anúncio do substituto turbinado do Bolsa Família, já adiado da terça-feira (25) para sexta-feira (28), for novamente postergado.
É uma sinuca de bico para o ministro da Economia, Paulo Guedes - não é à toa que começam a circular boatos da saída do ministro. Ainda mais depois que Bolsonaro, com razão, vedou o caminho que vinha sendo insinuado pela equipe econômica. A ideia era compor os recursos adicionais necessários ao Renda Brasil cortando despesas com o encerramento de programas sociais como o abono salarial, o seguro defeso (para pescadores artesanais) e o "Farmácia Popular". "Não podemos tirar do pobre para dar para paupérrimos", decretou o presidente, nesta quarta-feira (26).
Uma solução terá de ser encontrada até o fim do mês, quando o governo é obrigado a enviar ao Congresso seu projeto de Orçamento para 2021. Mas será difícil produzir uma composição que se encaixe em todos os requisitos exigidos em curto prazo.
Um Renda Brasil que alcance 21 milhões de famílias, sete milhões a mais do que o Bolsa Família, e transfira R$ 300 por mês, exigirá um aumento de despesas da ordem de R$ 42 bilhões por ano, o equivalente a 0,6% do PIB. Já é bem menos do que os gastos com o auxílio emergencial de R$ 600, que absorve o mesmo montante de gastos, mas por mês. Em tempo: abono salarial, seguro-defeso, salário família e "Farmácia Popular" juntos consomem R$ 26 bilhões anuais, pouco mais de 60% do necessário.
A verdade é que apenas duas despesas - Previdência e pessoal - respondem por cerca de 65% do total dos gastos primários. Isso significa que cada R$ 3 gastos pelo governo, R$ 2 para essas duas rubricas. Sobra, portanto, muito pouco para acomodar adicionais relativamente altos de despesas. Ainda mais quanto as já existentes estão perto do limite imposto pela regra do teto de gastos.
Para entender o "imbroglio", é preciso lembrar como funciona o teto de gastos. De acordo com a regra, o total de despesas do governo federal só pode aumentar, a partir de 2017, na medida da variação da inflação no ano anterior. Isso significa que nenhum aumento de receita, por maior que seja, influenciará a marcha - e os limites - do teto.
O que está por trás da regra do teto de gastos é a ideia de reduzir o tamanho do Estado, abrindo espaço para o setor privado, tido, em teoria, como mais eficiente, ocupar tarefas - e gastos - hoje de responsabilidade do setor público. Embora de caráter técnico, a conotação da regra é claramente política e mesmo ideológica. São esses aspectos mais camuflados que explicam tanto a feroz defesa do teto quanto a virulência dos ataques a ele.
De acordo com a regra, tanto mais a economia cresça mais do que a inflação, mais os gastos públicos representarão, proporcionalmente parcela menor do PIB (Produto Interno Bruto). Por isso, não faz sentido imaginar, por exemplo, que uma nova CPMF ou qualquer outra elevação da carga tributária ajude a equacionar o problema do teto e permita acomodar o Renda Brasil. Mais receitas, por aumento de tributos ou expansão da economia, colaboram para melhorar o resultado primário, reduzindo déficits públicos e dívida pública, ou ampliando superávits, se for o caso. Mas nada influenciam no teto de gastos.
Vem daí a nova onda de inquietude de Guedes. Sabedor de que esbarraria no teto de gastos para atender às pretensões de Bolsonaro de turbinar gastos sociais e obras de infraestrutura, o ministro volta a jogar no ar velhas obsessões, que compõem uma espécie de "constituinte" pessoal. Ressurgem ideias de recriar a economia, pendurando jabutis fiscais, tributárias e trabalhistas, em galhos de PECs Propostas de Emenda Constitucional), principalmente a PEC do Pacto Federativo. O pacotaço antecipado por Guedes, por ele mesmo apelidado de "Big Bang", referindo-se à explosão que deu origem ao universo, reflete essas inquietudes e expõe suas fragilidades de momento.
Não é por coincidência que sua ideia dos "3Ds" (desvincular, desobrigar e desindexar) retornou no meio do pacotão de medidas que o próprio Guedes, bem ao seu estilo excessivo, passou a apregoar. O Orçamento é, de fato, muito engessado, não só por fixar gastos obrigatórios por item específicos, alguns com pisos mínimos, como é o caso de educação e saúde.
A rigidez é ainda maior porque diversos gastos são indexados ou vinculados a algum fator de correção de valores. Um dos principais desses fatores é o salário mínimo que, por sua vez, também é indexado. Tudo considerado, cerca de 95% do Orçamento são obrigatórios e vinculados a pisos ou indexadores.
Na dureza da vida prática, atender Bolsonaro e manter as restrições do teto de gastos exigiria potencializar o conflito distributivo, abrindo uma infinidade de frentes de batalha. Seria preciso, por exemplo desvincular os reajustes previdenciários do salário mínimo, reduzir jornadas e salários de servidores públicos, desobrigar o cumprimento de pisos na educação, deixar de lado o reajuste do próprio salário mínimo, e por aí afora.
Se qualquer dessas iniciativas já encontraria forte resistência para ser aprovada no Congresso, com a pandemia, o ambiente para cortes em despesas sociais e assemelhados, como na Previdência e no serviço público, ficou tóxico. Engessadas pela Constituição, como, aliás, também é o teto de gastos, alterá-las exigiria tempo e esforços redobrados.
Bem medidos custos e benefícios, a saída tecnicamente mais indolor seria deixar o Renda Brasil de fora do teto de gastos, quebrando a norma constitucional. Mas, politicamente, essa seria uma decisão altamente explosiva. São gigantes os riscos de deflagração de uma onda de instabilidade nos pregões dos ativos financeiros, com consequências difíceis de prever, caso o governo decida por uma quebra da regra do teto.
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