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José Paulo Kupfer

Bolsonaro ganhou no Congresso, mas pode não levar nas pautas econômicas

02/02/2021 17h04

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A vitória dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro para a presidência do Senado Federal e da Câmara dos Deputados está sendo apontada por muitos analistas como uma "vitória de Pirro". Em português da esquina, significaria que Bolsonaro ganhou, mas pode não ter levado.

Pirro, general e rei grego do fim do terceiro século antes da era cristã, guerreou incessantemente contra os romanos, na tentativa de ampliar e, com correr do tempo, manter seus territórios. Consta que, finda a Batalha de Ásculo, em 279 a.C., em que suas forças foram vitoriosas à custa de enorme perda de soldados, Pirro teria afirmado: "mais uma vitória dessas e estaremos acabados".

Nos dicionários, a expressão "vitória de Pirro", originalmente restrita a contextos militares, ganhou o significado amplo de "uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis". É utilizada, nessa acepção, em praticamente todas as áreas, inclusive na economia.

A pauta econômica, de fato, estava travada desde meados de 2020. A trava veio, antes de tudo, do tumulto e das emergências causadas pela pandemia de covid-19. Mas, quanto mais se aproximava o fim do ano, pela movimentação parlamentar em torno da troca no comando das duas casas do Congresso Nacional, a paralisia se alastrava. Se nem mesmo o Orçamento de 2021 conseguiu ser discutido e votado, o que dizer das reformas de maior fôlego, como a administrativa e a tributária?

Na Câmara, a goleada aplicada pelo Centrão, aquele conjunto de bancadas de interesse, movido ao combustível da liberação de recursos e ocupação de cargos comissionados na administração público, atenderá às necessidades políticas de Bolsonaro no atacado, a começar pelo enterro de processos de impeachment, mas a negociação das questões econômicas será sempre no varejo.

Não só pelo histórico do Centrão e de Bolsonaro, mas também pela forma como se deu a união entre eles, será ilusão acreditar que o governo terá caminho livre para passar o rodo nos temas de interesse do ministério da Economia. Bolsonaro, é verdade, tem a caneta para adoçar a boca e os votos dos parlamentares do Centrão. Estes, porém, sabem que Bolsonaro, para garantir o principal, qual seja evitar o impeachment, ficou refém no restante.

Não se deve esperar que a pauta mais radicalmente fiscalista de Guedes prospere em mar de almirante ou céu de brigadeiro, na nova legislatura. Os novos dirigentes das duas casas não são exatamente paladinos da austeridade fiscal, e muito menos os integrantes dos grupos que lhes dão sustentação são guerreiros da contenção de despesas públicas.

Com o recrudescimento da pandemia de covid-19, a ampliação dos períodos de fechamento da economia serão inevitáveis, ainda mais que a vacinação terá atrasos e falhas. Isso significa que desemprego, quebra de empresas e ampliação da miséria poderão chegar a níveis críticos, sem a renovação de um programa de sustentação de empregos e crédito para empresas, na linha do aprovado na primeira onda da covid, e de um auxilio emergencial a vulneráveis e informais, mesmo menos generoso e mais focado.

Como o Congresso vai encaminhar essas questões terá seu primeiro teste com a discussão do Orçamento para 2021. A divisão de despesas e de receitas para o ano terá de ser aprovada até março, sob o risco de emperrar a máquina pública em tarefas básicas. Com Centrão aliado a Bolsonaro e tudo, as melhores apostas apontam na direção de alguma manobra que permita flexibilizar temporariamente a regra do teto de gastos e recorrer a créditos extraordinários, para abrir espaços para os auxílios.

Pouco provável também que reformas de longo fôlego e complexa tramitação, como a administrativa e a tributária, caminhem pelo fio mais austero indicado por Paulo Guedes. É conhecida a incompatibilidade da maneira de atuar do Centrão com propostas de enxugamento da máquina pública.

O mesmo se pode dizer da "PEC Emergencial", conjunto de ações que retiram vedações constitucionais para cortes de gastos com funcionalismo público e benefícios sociais, concebida por Guedes e que hiberna no Congresso. A expectativa é a de que, se andarem, os temas da agenda de austeridade do ministro vão acabar desidratados.