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Guedes boicota retomada ao querer trocar auxílio por "PEC do fim do mundo"
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Não houve Carnaval, mas nem por isso o Congresso deixou de fazer o tradicional pequeno recesso do período. Se as coisas funcionassem normalmente, os parlamentares teriam agora de empurrar para o lado pautas obviamente secundárias, como a das mudanças no mercado cambial.
Deveriam se concentrar nas prioridades evidentes: os programas de sustentação de renda e emprego corroídos pela pandemia, e o Orçamento de 2021, que ainda não foi nem discutido, quando mais aprovado. Mas, como tudo que já não está bom sempre pode piorar, a pauta do julgamento do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que, na terça-feira (16), atropelou a pauta, causando uma crise política e institucional. Em vídeo, Silveira ameaçou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), e exaltou o AI-5, ato do regime militar, de 1968, que fechou o Congresso e escancarou a ditadura, atropelou a pauta.
Antes da ordem de prisão do deputado pelo ministro Alexandre de Moraes, os novos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) prometiam concentração de esforços nesses temas prioritátios. Mas, e o governo? Bem, o governo, sob o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes, parece disposto a dificultar a tramitação dos auxílios para enfrentamento dos danos causados à economia pela covid-19.
Guedes quer trocar a concessão de um novo auxílio ainda emergencial, de no máximo R$ 250 mensais, por três ou quatro meses, pela aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Pacto Federativo. Na negociação, Guedes ainda quer incluir uma "cláusula de calamidade" na PEC.
O auxílio proposto beneficiaria cerca de 30 milhões de pessoas, menos da metade dos que foram amparados pelo auxílio emergencial de 2020, aquele que concedeu R$ 600 mensais, depois reduzido para R$ 300. Além de ter contribuído para a redução temporária da pobreza e para a quase eliminação, também temporária, da extrema pobreza, o auxílio salvou a economia de um mergulho ainda mais profundo.
Esse novo auxílio, mais restrito, demandaria despesas totais da ordem de R$ 30 bilhões. É o mesmo que o auxílio consumiu dos cofres públicos por mês, em 2020. No final, o auxílio encerrado em dezembro, custou perto de R$ 300 bilhões no ano, beneficiando 65 milhões de pessoas.
A troca proposta por Guedes é tão desproporcional, que poderia fazer entender de que se trata de um boicote, análogo ao que o governo, sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, fez com relação às vacinas contra covid-19. Boicote na prática, a proposta de Guedes é apenas reflexo de sua obsessão pela redução do Estado, consubstanciado no corte de gastos.
Para topar um gasto temporário, limitado a quatro meses, equivalente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), Guedes quer a aprovação da PEC do Pacto Federativo. Esta PEC é uma espécie de PEC do fim do mundo, tal a abrangência das alterações constitucionais que pretende introduzir.
A PEC do Pacto Federativo, ou do fim do mundo, engloba uma quase infindável lista de restrições a gastos públicos, que atende pela sigla DDD. A alteração constitucional proposta por Guedes pretende, em resumo, desindexar, desobrigar e desvincular despesas públicas.
Um exemplo: os gastos com Saúde e Educação, hoje vinculados a um percentual mínimo do Orçamento, seriam reunidos num só e desvinculados. Outro exemplo: receitas que hoje têm destinação certa para sustentar determinados gastos, ficariam desobrigadas de amparar despesas específicas. Além disso, todo os "excessos" de arrecadação teriam de ser, obrigatoriamente, destinadas a reduzir a dívida pública.
A PEC também prevê a extinção de municípios, a proibição de empréstimos da União aos demais entes federativos, inclusão dos gastos com pensionistas no orçamento local, nos estados e municípios em que aposentadorias não sofrem restrições orçamentárias. Tem ainda gatilhos, com cortes e vedações no serviço público, quando as despesas alcançarem 95% das receitas. Nessa situação, não haverá reajustes de salário e contratação de servidores públicos. Também será permitido reduzir a jornada de trabalho em 25%, com o respectivo corte salarial.
É uma coleção de jabutis, que seria enriquecida, se o que tem divulgado nos últimos dias se confirmar, com mais um: a inclusão de um dispositivo que torne permanente a cláusula que prevê "estado de calamidade". Essa situação, assegurada em 2020, mas com vigência até 31 de dezembro passado, permitiu ao governo dispor de créditos extraordinários, fora do teto de gastos, para fazer frente às despesas com a pandemia.
Tudo considerado, trata-se da troca de um novo auxílio, restrito e temporário, por uma contração profunda e permanente nos gastos públicos. É quase intuitivo que se trata muita concessão para pouco benefício. Na prática, a discussão do novo auxílio tende a enrolar e atrasar.
Já estamos nas portas de março, a economia faz água, já contratou uma retração no primeiro trimestre e a pobreza voltou a dar as caras. Como no caso das vacinas, cujo atraso resulta em mais infecções, sequelas e mortes, a demora na aprovação dos gastos para sustentar cidadãos, empresas e, no fim da linha, a própria economia, só promove perdas de renda e de produtividade, algumas irreparáveis.
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