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Vacina lenta e risco de nova onda desafiam previsões de retomada econômica
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Há consenso bem estabelecido sobre a existência de correlação forte entre o ritmo de aplicação de vacinas, combinado com a amplitude da cobertura vacinal, e o comportamento da economia. Quanto mais a vacinação avança, reduzindo o contágio, e, principalmente, a necessidade de internações, tanto mais a atividade econômica pode ser liberada para a produção, ensejando recuperação dos negócios mais rápida e consistente.
Sabe-se que números podem ser torturados até que obtenha o que se deseja, ao mesmo tempo em que é bem conhecida a máxima segundo a qual estatísticas, como os biquinis, mostram tudo menos o essencial. Nem por isso os economistas, sobretudo os que analisam a conjuntura econômica em bancos e consultorias financeiras, sentiram-se embaraçados em embarcar numa grande onda de construção de modelos de previsão capazes de projetar a evolução da vacinação e, em consequência, da expansão da economia.
Uma avalancha de previsões veio a público, nem sempre na perspectiva conservadora que as incertezas em relação as informações oficiais de compra e recebimento de insumos para a produção de vacinas recomendaria. Até o ministério da Economia e o Banco Central entraram na onda. Não foram poucos os exercícios que concluíram ser possível vacinar todos os brasileiros maiores de 60 anos até maio e o total da população adulta até setembro. Nenhuma das duas projeções deve se confirmar.
Também com base nessas previsões, economistas passaram a projetar crescimento mais vigoroso em 2021. As primeiras estimativas de um avanço de 3,5%, apenas refletindo o "carregamento estatístico" dos meses finais de 2020, sem nem mesmo compensar o recuo de 4,1% do ano anterior, já estão sendo substituídas por projeções de alta de 4%, 4,5% e até 5% para o PIB (Produto Interno Bruto) deste ano - com o ministro Paulo Guedes, obviamente, no grupo mais otimista.
A julgar pelas informações do Painel Vacinação Covid-19, uma plataforma interativa de informações sobre a vacinação no Brasil, produzida por um consórcio de universidades brasileiras, porém, as projeções dos economistas de mercado estão longe de indicar a realidade do ritmo de vacinação e, por extensão, do grau de retomada da economia. De acordo com informações atualizadas até esta segunda-feira (24), a vacinação de 80% da população adulta (a partir de 20 anos) só terminaria em outubro de 2022.
No site da plataforma, é possível obter informações a respeito do estágio atualizado da vacinação para o país como um todo, mas também por estado e por município. Pode-se, por exemplo, obter dados sobre atrasos na segunda dose, as necessidades atualizadas de vacinação, volume de doses aplicadas, por idade e sexo, e ritmo de vacinação, inclusive nos casos específicos da primeira e da segunda dose, por tipo de vacina aplicada (AstraZeneca/Oxford, Coronavac e Pfizer).
Ao clicar nas legendas para selecionar opções, é possível acessar parte dos gráficos, baixar informações e fazer comparações. Fica-se sabendo, entre outros dados, que até a data de atualização foram aplicadas 56,38 milhões de doses, das quais 38,26 milhões de primeira dose e 18,12 milhões, como segunda dose. O ritmo de vacinação era de 332,6 mil por dia, de primeira dose, e de 199,6 mil, de segunda dose.
Na própria montagem do painel, ficou clara a dificuldade em reunir e organizar dados confiáveis para alimentar os modelos de projeção. Ao analisar e filtrar os dados, a equipe de pesquisadores que elaborou o modelo matemático do painel encontrou inconsistência de diversos tipos. Apareceram registros de pessoas vacinadas nascidas no século 19, que receberam a segunda dose antes da primeira, ou que tomaram vacinas diferentes.
Pelo menos em teoria, a realidade da vacinação registrada no Painel aponta para limites e restrições mais estreitos nas políticas públicas de ampliação da mobilidade das pessoas e da abertura da atividade econômica. Na prática, porém, as determinações de lockdown têm sido frágeis ou mesmo desrespeitadas, o que faz imaginar o prolongamento das interrupções intermitentes.
Aliados à escassez de vacinas, cuja oferta depende da China e da Índia, os lockdowns parciais brasileiros, apontam um quadro sanitário preocupante, com consequências econômicas negativas. Em São Paulo, por exemplo, ao mesmo tempo em que se verifica uma queda no ritmo de vacinação, constata-se alta nas curvas de contaminação. Essa combinação é indicativa de possível agravamento da pandemia.
Com a liderança ativa e negacionista do próprio presidente Jair Bolsonaro, o governo federal despreza, na prática, a adoção de medidas efetivas de segurança sanitária. Enquanto isso, entidades empresariais fazem pressão pela abertura de uma economia que nunca fechou de fato.
Não são vistas pressões de igual intensidade pela adoção mais estrita de protocolos de segurança - uso correto de máscaras eficazes, distanciamento, lavagem das mãos e, principalmente, testagem em massa, com monitoramento ativo de casos suspeitos. Providências se resumem, de um modo geral, em simular a verificação da temperatura das pessoas, na entrada de prédios de escritórios e lojas, muitas vezes com termômetros descalibrados ou mesmo quebrados, somente "para inglês ver".
É nesse quadro que parece fora da realidade imaginar uma retomada consistente da economia. A curto e mesmo médio prazos, o mais provável, com a extensão do prazo de imunização da população e a baixa adesão aos protocolos de segurança sanitária, é a proliferação de variantes mais agressivas de covid-19 e o consequente agravamento da pandemia, não a recuperação da atividade econômica.
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