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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com combustível 20% mais barato, Petrobras continuaria dando bom lucro

25/05/2022 10h22

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É difícil escapar da conclusão de que, ao promover mais uma troca no comando da Petrobras, apenas 40 dias depois da posse do anterior, o presidente Jair Bolsonaro busca dar uma satisfação aos eleitores. Embora não consiga conter os reajustes, quer fazer crer que faz o possível para evitar altas nos preços dos combustíveis.

Sem querer enfrentar resistências a uma intervenção na atual política de preços da estatal, mas pressionado a frear os repasses para refinarias e bombas, Bolsonaro recorre a cortinas de fumaça, na tentativa de tirar o corpo fora de suas responsabilidades, como é de seu feitio. A moral da história é a de que a culpa dos preços altos não é dele.

Além de fugir às responsabilidades na determinação de preços módicos em bens cruciais para as cadeias de produção e comercialização da economia, impulsionando a inflação e castigando os consumidores, Bolsonaro está permitindo que a Petrobras mantenha uma política estratégica de destruição do real valor da companhia, camuflado por ganhos financeiros extraordinários de curto prazo. Sob o comando direto do ministro Paulo Guedes, por meio do subordinado Adolfo Sachsida, que agora comanda o ministério das Minas e Energia, o projeto de desmonte da estatal ganhou velocidade.

Enquanto a ações da companhia vivem momentos gloriosos nos mercados, apesar da produção e da distribuição de superlucros, a Petrobras vem encolhendo em ativos, restringindo atividades à extração de óleo e gás, e limitando investimentos em outras formas renováveis e sustentáveis de energia, que logo estarão substituindo o combustível fóssil nas matrizes energéticas ao redor do mundo. Além de não investir, a empresa vem se desfazendo de ativos, não só em refinarias, mas também em energias novas — é o caso do parque eólico vendido no ano passado.

Os lucros extraordinários que a Petrobras vem apurando estão indo quase integralmente para o pagamento de dividendos. Em 2021, a rentabilidade da empresa foi três vezes superior à da média das demais petroleiras globais. Do lucro gigante obtido, 91% foi distribuído aos acionistas. Reinvestimentos ou inversões em novos negócios de energia renovável e limpa foram desprezados. A ideia por trás dessa política só pode ser a de vender a empresa mais à frente, e a preço baixo.

Para moderar os reajustes e evitar que sejam tão frequentes é inevitável que seja feita alguma revisão na atual política de preços de combustíveis da Petrobras. Da mesma forma, sem que a Petrobras retome políticas estratégias capazes de reinclui-la no grupo das empresas de energia competitivas na transição energética pelo qual o mundo já está passando, seu futuro será incerto e problemático.

São muitos os interesses que dificultam essas intervenções. A começar daqueles do mercado financeiro, onde investidores têm sido fortemente beneficiados pelos superlucros distribuídos pela estatal, nos últimos anos. A eles se somam os de acelerar movimentos que facilitem a privatização da Petrobras.

Este é o pano de fundo da terceira troca na presidência da Petrobras desde que Bolsonaro se tornou presidente. Com o novo titular, Caio Mario Paes de Andrade, que substituiu José Mauro Ferreira Coelho, há apenas 40 dias no cargo, a expectativa é a de que alguma medida para alongar o intervalo entre um reajuste de preços e outro seja proposto — expressão elegante para a imposição de tabelamentos temporários de preços. Espera-se também que continue executando a política de venda de ativos e de encolhimento das atividades da estatal.

Ao mesmo tempo em que esbraveja contra as altas frequentes nos preços dos combustíveis, Bolsonaro se diz impotente para contê-los. Alega que as regras de governança da Petrobras o impedem de mexer na política de preços da estatal, determinada pelo PPI (Preço de Paridade de Importação), uma fórmula que leva à cobrança de preços acima do necessário para manter a empresa saudável, transformando, na prática, a produtora de petróleo em importadora de derivados.

Mas a União, da qual Bolsonaro é o representante, continua com o controle acionário da Petrobras e, se pode mexer quando bem quiser nos órgãos de direção da empresa, é evidente que também pode propor — e fazer o Conselho de Administração, no qual tem maioria de votos, aprovar — uma nova política de preços.

A política adotada, em outubro de 2016, logo nos primeiros atos do governo de Michel Temer, com o PPI não é nem natural nem única ou caiu do céu. Nas mesmas condições institucionais em que foi adotada, substituindo a anterior, pode ser substituída por outra.

Há, nos próprios estatutos da Petrobras e nas normas que regem o funcionamento de empresas de economia mista, espaço para intervenções do controlador, atendendo à função social da companhia. Essa intervenção, diferentemente do que muitos apregoam, não necessariamente colocaria em risco a saúde da Petrobras.

O economista Eduardo Costa Pinto, professor do IE-UFRJ (Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro), conhecedor aplicado dos números da Petrobras e do setor de petróleo e gás, num estudo publicado em abril, simulou um corte linear de 20% nos preços de todos os combustíveis vendidas às refinarias em 2021 e não encontrou nenhum risco de descapitalização ou acúmulo de dívidas pela Petrobras. Ao contrário, verificou que a empresa continuaria mais rentável do que suas congêneres internacionais.

Resumo dos resultados mostra que o lucro líquido em 2021 cairia de R$ 107,3 bilhões para R$ 46,8 bilhões, com a margem líquida (lucro líquido em relação à receita de vendas) recuando de 23,7% para 11,8%. Esses 11,8%, ainda assim, seriam maiores do que a margem líquida média das maiores petroleiras do mundo, exceto a estatal Saudi Aramco, que, em 2021, foi de 8,2%.

Duas premissas fazem parte da simulação. A primeira é a de que as refinarias trabalhariam com elevação da ocupação da capacidade de refino para uma média de 93%. A outra é a de que a Petrobras se encarregaria de toda a importação de derivados, evitando gargalos de abastecimento, caso importadoras privadas se desinteressassem pelo negócio. Todos os aumentos de custos na operação simulada, particularmente os que incorreriam nas vendas internas dos derivados importados, foram considerados nos resultados.

De acordo com Costa Pinto, o fluxo de caixa resultante da simulação permitiria aumentar investimentos em 25%, pagar despesas financeiras e ainda distribuir 25% do lucro aos acionistas. Haveria redução no volume de dividendos distribuídos, mas eles permaneceriam dentro dos limites legais estabelecidos.

"Os números mostram que é possível, a partir de escolhas gerenciais adequadas, reduzir preços, criar valor econômico e aumentar investimentos", diz o economista. "Ou seja, há alternativa para mudar a política de preços, permitindo criar relação mais equânime entre acionistas, majoritário e minoritários, e consumidores, o que seria esperado de uma empresa de economia mista", conclui.