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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dizer que Biden segue Bolsonaro na economia é mais uma bravata de Guedes

28/06/2022 16h17

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Sabe-se que papel aceita tudo, inclusive desaforo. Microfone, então, nem se fala. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem fama, merecida, de se empolgar diante de microfones. Com um deles na mão, já produziu uma coleção inigualável de bravatas.

A última de Guedes, com um microfone, deu-se nesta segunda-feira (27), durante cerimônia de lançamento da nova carteira de identidade e do novo passaporte brasileiros, no Palácio do Planalto, em Brasília. O ministro comparou o presidente Jair Bolsonaro com o americano Joe Biden, que "estaria seguindo a trilha do nosso presidente".

Segundo Guedes, o Brasil está à frente dos Estados Unidos na política monetária e na política fiscal. Comparou a inflação americana, "que ainda está subindo", com a brasileira, "já caindo". Também anunciou que "o Brasil está no início de um longo ciclo de crescimento, enquanto eles (os Estados Unidos e a Europa) estão terminando um longo ciclo de crescimento.

Guedes lembrou mais uma vez que as previsões segundo as quais a economia brasileira iria retroceder em 2022 deram lugar a projeções de crescimento de 1,7%. Para ele, a expansão pode ser ainda maior, "com a medidas articuladas pelo presidente, redução de IPI e ICMS e a PEC de combate à crise", referindo-se aqui à proposta de emenda à Constituição que, em pleno período eleitoral, dribla a regra do teto de gastos e abre espaços para gastos público com benefícios sociais temporários, apenas até o fim do ano.

No fim do discurso, pela milésima vez, Guedes voltou a sugerir que a economia brasileira está decolando. "Brasil tem dinâmica própria de crescimento, estamos no início de um longo ciclo de crescimento", disse Guedes, concluindo: "Vamos atravessar essa turbulência e sair do lado de lá antes deles".

Já se perdeu a conta do número de vezes que Guedes anunciou a decolagem da economia brasileira, enquanto o crescimento resfolega, e a pobreza bate recordes. Nenhum diagnóstico do ministro, entre tantos que não se confirmaram, porém, compete com aquela afirmação de que "com R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus."

Guedes proferiu este evidente absurdo em 13 de março de 2020, a exata véspera do dia em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou que o surto de covid-19 era uma pandemia. De lá para cá, o Brasil gastou pelo menos 60 vezes mais para registrar até agora 670 mil mortos pelo vírus. Estudos recentes, a propósito, apontam que a desastrosa gestão de combate ao coronavírus pelo governo Bolsonaro, teria sido responsável direta por pelo menos 50 mil desses óbitos.

A comparações de Guedes entre os governos de Bolsonaro e Biden, da mesma forma do novo anúncio da decolagem da economia brasileira, são artefatos retóricos baseados em afirmações que recortam porções favoráveis dos fatos, mas escondem um conjunto negativo. Ao encher o peito para dizer que o Brasil vai crescer 1,7% ou mais em 2022, Guedes "esquece" que esta projeção só não é mais baixa, na América Latina, do que as da evolução do PIB (Produto Interno Bruto) de Haiti e Paraguai.

Isso sem falar nas projeções para o crescimento econômico em 2023. Recentes previsões do Banco Mundial apontam expansão econômica brasileira de 0,8% em 2023, em desaceleração na comparação com 2022, e inferior a da expansão global prevista, de 3%, e de 1,9% para a América Latina.

Nas comparações com das ações de Bolsonaro com as de Biden, Guedes deixa de lado a situação geral das duas economias. Há baixíssimo desemprego — fala-se em pleno emprego —, com alta dos salários, na economia americana, o que dificulta manter a economia aquecida. No Brasil, embora a taxa de desemprego venha recuando lentamente, ainda se encontra acima dos dois dígitos, com grandes massas trabalhando menos horas do que desejariam, e os salários médios estão em queda. Ou seja, a economia poderia crescer mais, mas com alta inflação e a política de juros altos do Banco Central, perde fôlego.

Com relação às medidas de redução de tributos nos preços dos combustíveis, a comparação entre Brasil e Estados Unidos também é indevida ou, no mínimo, descuidada. As propostas de Biden para corte de impostos nos preços dos combustíveis não promoverão as pressões sobre as contas públicas que o cortes pretendidos por Bolsonaro ocasionariam. Tentando corrigir de um lado, o governo brasileiro cria problemas de outro, no caso, problemas fiscais.

Isso sem falar que, os cortes de impostos nos combustíveis defendidos por Biden (e por dirigentes de outras economias maduras) não misturam medidas conjunturais com estruturais, diferentemente do que ocorre no Brasil. Lá fora são medidas pontuais e temporárias, para mitigar pressões inflacionárias. Aqui, com a profusão de PECs, como a que limita a alíquota de ICMS sobre combustíveis, são medidas estruturais, ainda que adotadas no improviso.

Curioso é que, comparando Biden com Bolsonaro, para dizer que o governo brasileiro está à frente nas medidas de arrumação da economia, Guedes se esquece de que, em dezembro de 2021, em participação no programa "Canal Livre", da Rede Bandeirantes de TV, decretou que o governo Biden "acabaria de maneira desastrosa". Se o governo Biden está seguindo a trilha do governo Bolsonaro, é de se perguntar se, para Guedes, o Brasil está adiantado no caminho do desastre.

A primeira conclusão é a de que, no caso específico, as diferenças entre os governos Biden e Bolsonaro são muitas, inviabilizando comparações superficiais. A segunda é que o ministro não tem qualquer compromisso com a coerência e suas falas, como já é bem conhecido, acabam não passando de exibições teatrais para animação das plateias.