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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reta final de Bolsonaro tem pedalada e 'fim de feira' nas contas públicas

27/07/2022 11h16

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As manobras mais recentes do governo na área das contas públicas reforçam um ar de fim de feira nos últimos meses do primeiro mandato presidencial de Jair Bolsonaro (PL). Para prevenir o estouro de despesas na compra de parlamentares, com o orçamento secreto no Congresso, e os gastos públicos na tentativa de comprar votos para a eleição de outubro, o Ministério da Economia tem procurado antecipar receitas de anos futuros.

Mas, ao maquiar as contas públicas para dar uma impressão de equilíbrio orçamentário, o governo abre rombos para o futuro e retira transparência da trajetória fiscal. O "método" usado para deixar o caixa "no azul" em 2022, como quer o ministro Paulo Guedes, transforma as contas dos exercícios seguintes numa barafunda, com potencial para pressionar as cotações do dólar e os índices de inflação.

Dividendos de empresas públicas, como Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES, estão agora na mira de Guedes. O Ministério da Economia encaminhou pedido de antecipação de dividendos às quatro empresas, como forma de compensar parte dos gastos extraordinários com benefícios sociais da PEC dos Auxílios (também chamada de PEC Kamikase). Não é novidade, e, no ano passado, quando entrou em discussão no Congresso uma reforma tributária que taxava dividendos, algumas empresas, a Petrobras, por exemplo, anteciparam dividendos. Mas agora o objetivo é outro.

Não compensados por receitas extraordinárias, os gastos do orçamento secreto e dos benefícios sociais eleitoreiros corroeriam o pequeno superávit das contas públicas previsto pelo governo para 2022, depois de oito anos de déficits. Com Bolsonaro já eleito, ainda em 2018, Guedes prometeu zerar o déficit público já no primeiro ano do novo governo, o que não conseguiu nos seguintes três anos do mandato.

Vislumbrando a chance de fechar este ano com superávit, em razão de um forte crescimento de receitas públicas, impulsionadas, principalmente, pela inflação e os ganhos com as altas nas cotações internacional de commodities, Guedes não quer correr riscos. Antecipar dividendos, por sinal, não é a única manobra que está sendo tentada para chegar no "azul".

Um projeto de lei, enviado ao Congresso em junho, prevê antecipar receitas com a venda de todo o óleo que cabe à União, na exploração do pré-sal, nos contratos sob regime de partilha. Projeções indicam que, em dez anos, o valor poderia chegar a R$ 400 bilhões. Além de antecipar a venda, o projeto desvincula o uso obrigatório desses recursos em educação (75% do total) e saúde (25% do total). A vinculação da aplicação do fundo formado pela produção de propriedade do governo estava prevista em lei de 2013.

Qual é a intenção, além de maquiar resultados, melhorando indicadores? A mais relevante é tentar evitar que despesas não planejadas e de cunho eleitoreiro fiquem sem provisão de receitas, o que configuraria crime de responsabilidade fiscal. As manobras, de acordo com especialistas em contas públicas, no mínimo ferem os princípios de transparência, encobrindo a real situação das contas públicas.

Não há dúvida de que as antecipações configuram "pedaladas". São recursos previstos de outros exercícios antecipados para o presente, o que resulta em postergação de seu impacto na dívida pública, e alteração nos resultados fiscais. É pedalada o nome que ficou consagrado para esse tipo de camuflagem nas contas públicas.

Mas é preciso caracterizar como as manobras ferem as leis de controle fiscal. Nas pedaladas fiscais do governo Dilma Rousseff, que contribuíram para o impeachment da presidente, o governo atrasou o pagamento de empréstimos tomados em bancos públicos, tentando, com a manobra, postergar e evitar a contabilização dos recursos na dívida pública.

A simples antecipação de dividendos não é ilegal, mas a operação só escapará do carimbo de "pedalada" se as fontes de financiamento dos gastos sociais em 2023 estiverem garantidas. É no sentido de apurar essa vinculação que o TCU (Tribunal de Contas da União) já enviou ao Ministério da Economia pedido de esclarecimentos.

O órgão externo de controle das contas públicas do governo federal, que auxilia o Congresso no acompanhamento da execução do Orçamento, quer saber a estimativa do montante de recursos para custear o Auxílio Brasil em 2023 e as fontes de financiamento para os outros benefícios, como o auxílio a caminhoneiros, e aos estados depois dos cortes no ICMS. Pede esclarecimentos, principalmente, sobre os impactos previstos na dívida pública em 2022 e 2023.

Diferentemente do governo Dilma, que enfrentou intensa oposição no Congresso, para legalizar pedaladas, Bolsonaro tem se valido do apoio do parlamentares, sob o comando de líderes do chamado Centrão, que manejam um "orçamento secreto" próprio, sem qualquer transparência, numa compra mal disfarçada de votos. A PEC dos Precatórios, que, em 2021, abriu espaço de mais de R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022, ao postergar pagamentos de dívidas da União já definitivas, foi, segundo especialistas, uma grande pedalada legalizada.

Mesmo com antecipações de receitas e a licença do Congresso para gastar fora da regra de controle fiscal do teto de gastos, o governo Bolsonaro precisa se conter no limites estreitos da regra fiscal, nas despesas que não foram excluídas do teto de gastos. Para isso, até o fim do ano, terá de cortar mais R$ 6,7 bilhões, totalizando R$ 12,7 bilhões em 2022.

Os cortes devem atingir as chamadas despesas discricionárias e os investimentos públicos. Como os investimentos já estão no osso, nem repondo a depreciação dos equipamentos e obras, restam as aplicações em áreas como educação e saúde para contingenciar despesas e cumprir as restrições legais. O resumo da história é que o enganoso equilíbrio que o governo Bolsonaro quer exibir hoje levará, com as bombas fiscais que estão sendo produzidas, a desarranjos nas contas públicas amanhã.