Arcabouço permite compensar despesas com receitas e sepulta teto de gastos
Mais de quatro meses depois de sua apresentação pelo governo Lula, o novo regime de controle das contas públicas foi aprovado no Congresso. O arcabouço fiscal, como ficou conhecido o conjunto de metas e regras para evitar trajetória explosiva da dívida pública, sepulta o já falecido Teto de Gastos, adotado no governo Temer e avacalhado no governo Bolsonaro.
O governo conseguiu manter fora da nova regra de controle os gastos com o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e um outro fundo específico para o Distrito Federal. Mas perdeu na pretensão de também excluir despesas com ciência e tecnologia dos limites do novo regime fiscal, e na tentativa de manter inserção feita no Senado que permitiria condicionar despesas à marcha da inflação.
Noves fora ganhos e perdas políticas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dispõe agora de um instrumento mais equilibrado para administrar os gastos públicos. Com o arcabouço, há a possibilidade de abrir mais espaços para despesas, caso se consiga incrementar as receitas públicas.
Arcabouço versus teto de gastos
Este espaço para compensar gastos com receitas é a grande diferença da nova regra para o teto de gastos. O teto de gastos impedia que aumentos de receita pública fossem usados para suportar aumentos de despesas. Aumentos de arrecadação deveriam ser integralmente aplicados na redução da dívida pública, enquanto as despesas deveriam permanecer fixas em termos reais, variando apenas no ritmo da inflação.
Com origem na "Ponte para o Futuro", projeto com a qual o então vice-presidente Michel Temer, eleito numa chapa em que os eleitores não escolheram a plataforma liberal que Temer buscou implementar quando substituiu a presidente deposta Dilma Rousseff, o teto de gastos visava, sem que isso fosse explicitado, a reduzir o tamanho do Estado.
A presunção era a de que, abrindo espaço para o setor privado, os investimentos empresariais afluiriam, com a consequente expansão da economia e do emprego. A teoria na prática não funcionou, e o país, ao longos dos governos Temer e Bolsonaro, viveu o período de recuperação mais lenta de que se tem notícia, depois da forte recessão, também a mais profunda conhecida, nos dois anos do segundo mandato de Dilma.
Mecanismo mais flexível
Em meio ao debate sobre a viabilidade ou não do cumprimento das metas de equilíbrio e superávit nas contas públicas a partir de 2024, o arcabouço, mesmo um pouco enrijecido pelo Congresso, mantém-se como mecanismo mais flexível e adequado a um país com graus elevados de pobreza, em que o Estado cumpre importante papel social. Em combinação com metas de ajuste fiscal, moderadas por bandas de tolerância, o arcabouço prevê limites para a expansão dos gastos e punição, com redução do espaço para despesas, se as metas não forem cumpridas.
Não seria muito difícil desenhar um sistema de controle de contas públicas melhor do que o teto de gastos, mas o arcabouço tem outras vantagens em relação ao regime anterior. Uma dessas vantagens é que suas regras não estão inscritas na Constituição e podem, portanto, serem alteradas com menos esforço — e menos barganha — legislativa.
Instituído com grande rigidez, sem válvulas de escape para situações excepcionais, caso concreto da pandemia, e sem preservar espaços para investimentos públicos, o teto de gastos sofreu oito alterações constitucionais, na meia dúzia de anos em que vigorou. Perdeu a validade ainda quando estava formalmente em vigor.
Espaço para investimentos públicos
O arcabouço, ao contrário, prevê um piso para investimentos públicos, preservando um mínimo da capacidade de o Estado ampliar e modernizar os equipamentos públicos, ajudando a impulsionar a economia. Mesmo assim, com a perspectiva da ampliação de gastos, as projeções de especialistas apontam, com o arcabouço, redução no ritmo de expansão da dívida pública. Em dez anos, sem a nova regra de controle, a dívida bruta passaria de 100% do PIB; com ela, se conterá nas alturas de 90% do PIB.
Vencida a batalha da regra de controle, outras estão previstas pela frente. Se, no teto de gastos, as receitas pouco importavam, no arcabouço elas são a chave de uma das principais promessas do governo Lula, a de "incluir o pobre no Orçamento". A revisão da base de arrecadação, deslocando para mais ricos parte do peso dos tributos que hoje recaem sobre mais pobres — e, assim, obtendo mais receitas sem grandes aumentos na carga tributária geral — já enfrenta e, certamente, enfrentará resistências de grupos de pressão no Congresso.
Tudo considerado, é na redução de isenções, abatimentos e reduções tributárias, e no combate à sonegação, à elisão e a fraudes fiscais, que o jogo do arcabouço será, enfim, ganho ou perdido.
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