José Paulo Kupfer

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Opinião

Recordes da Bolsa mostram que, para o mercado, comunicação é quase tudo

Principal índice da Bolsa de Valores brasileira, o Ibovespa está batendo recordes de alta. Nesta segunda-feira (19), superou 135 mil pontos, maior valor nominal de sua história. No dia seguinte, aumentou a aposta, fechando em novo nível recorde, com 136 mil pontos. Há um mês, porém, o quadro era diferente, com o índice não passando de 120 mil pontos.

A virada positiva de tendência surpreende e pede respostas a algumas perguntas. A primeira remete às causas dessa alta rápida e forte. Uma outra é se a elevação seria sustentável.

O que explica os recordes

Sobre as causas das altas, a primeira constatação, quase unânime entre os analistas, é a de que as ações na Bolsa estavam — e ainda estão — baratas. Uma prova, destacada por muitos, é a de que o recorde do Ibovespa, em dólares, está longe dos números atual. Nessa nova escalada, o índice em dólares chegou a 25 mil pontos, pouco mais da metade do que bateu em 2009.

Isso coloca em foco uma velha e anedótica máxima do mercado — mas nem por isso menos verdadeira—, segundo a qual as cotações sobem porque já caíram muito e caem porque subiram demais. No primeiro caso, investidores veem oportunidades de ganhar com a possível alta, e os índices sobem, enquanto no segundo promovem "realização de lucros", moderando ou estancando as altas.

Pode-se também dizer que há fundamentos econômicos, tanto domésticos como principalmente externos, capazes de sustentar o atual momento de otimismo do mercado. Mas é possível que as principais causas para um movimento tão forte sejam mais ligadas a expectativas.

Governo ajusta mensagens

Um dos fatores mais importantes na formação de expectativas é a comunicação do governo com a praça financeira. Chamam a atenção as mudanças ocorridas, recentemente, nesse sentido. Mais uma vez, constata-se que, para o mercado, se a comunicação não é tudo, é quase tudo.

Depois de uma longa e agressiva briga com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e de afirmações de que gastos em programas sociais e obras públicas não ficariam amarrados a metas fiscais, o presidente Lula mudou os rumos de seus discursos, tanto em relação à política fiscal, quanto na política monetária. Ele passou a repetir ser defensor da responsabilidade fiscal e parou de atacar Campos Neto, indo ao ponto de dizer que a taxa de juros subiria se tivesse de subir.

O recado dirigido ao público em geral tem todo o jeito de ter sido transmitido para dentro do governo e até mesmo para as lideranças do PT (Partido dos Trabalhadores). O fato é que cessaram as críticas públicas da presidente do PT, Gleise Hofmann, e mesmo do grupo de ministros, à frente o chefe da Casa Civil, Rui Costa, que se opunham às propostas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na linha de cortes, bloqueios e contingenciamento de gastos públicos. Subordinados de Haddad, respondendo aos sinais de Lula, vieram a público para garantir que as metas fiscais serão cumpridas "custe o que custar".

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No lado da política de juros, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, presumido candidato preferido de Lula para substituir Campos Neto, na virada para 2025, tomou à frente do presidente do BC nas declarações mais duras sobre a política de juros, repisando que a hipótese de alta na taxa básica "está na mesa".

Comunicação e otimismo

Com o alinhamento do discurso oficial, retomando alguma sintonia há tempos perdida entre as políticas fiscal e monetária, produziu-se o quase milagre de recuperar do otimismo numa evolução favorável da economia. Embora, na média, as projeções do Boletim Focus apontem, no momento, expansão de 2,2% para 2024, as tendências são de crescimento mais forte. Já não é difícil encontrar, entre analistas de mercado, quem aposte em alta de 3% para o PIB (Produto Interno Bruto), em 2024, em cima de avanço já forte de 2,9% em 2023.

O milagre produzido pelo ajuste da comunicação do governo só não foi o único responsável pela virada no comportamento do mercado porque fatores concretos compareceram para reforçar as altas na Bolsa e os ajustes para baixo nas cotações do dólar. A mudança do humor em relação à economia americana é, no conjunto desses fatores, o que puxa a fila.

Temores de que uma recessão estivesse a caminho, nos Estados Unidos — embalados pelo micro-crash no mercado japonês, há duas semanas —, deram lugar a uma perspectiva de pouso suave na atividade econômica. Essa nova perspectiva deu alento aos mercados. Quando a ainda maior economia se acomoda sem movimentos bruscos, todos os países, principalmente os emergentes, são beneficiados.

Sinais positivos vindos dos EUA

Além disso, e talvez mais importante, disseminou-se, mais recentemente, a convicção de que o Fed (Federal Reserve, banco central americano), iniciará finalmente em setembro um ciclo de cortes nos juros básicos de referência. Uma abertura entre as taxas de juros brasileiras e nos EUA acaba atraindo recursos externos para o mercado doméstico, auxiliando na contenção do dólar.

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Se, em setembro, o Fed cortar juros e o Copom elevar a taxa básica, os vetores para atrair investidores internacionais ganham ainda mais potencial. É típico do comportamento dos aplicadores internacionais sair do mercado americano, em busca de ganhos maiores e aceitando mais riscos, em outros mercados, nos momentos em que os juros americanos entram num ciclo de cortes.

Para entender as altas recordes do momento não se pode esquecer que investidores estrangeiros respondem por mais da metade do movimento diário da Bolsa brasileira. Também é bom lembrar que a saída de recursos externos dos pregões no começo do ano passa agora por uma reversão positiva. No primeiro semestre de 2024, a fuga de recursos externos acumulou volume de quase R$ 40 bilhões. Já entre julho e meados de agosto, o aporte de dinheiro externo na Bolsa somou R$ 11 bilhões. Sinais são de que a direção do fluxo de capitais externo mudou de direção, em favor de ativos brasileiros.

Bons ventos são sustentáveis?

Em relação à sustentação das altas, o fato de que parte da explicação para o movimento de subida do Ibovespa possa vir de expectativas, alimentadas por um ajuste na comunicação do governo, faz com que se fique com um pé atrás sobre a durabilidade da escalada. Bastou, por exemplo, uma menção de Campos Neto, numa entrevista nesta terça-feira, à possibilidade de não ser decidida uma alta dos juros básicos na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em setembro, para interromper, temporariamente, a trajetória de queda da cotação do dólar.

Há, porém, elementos mais estruturais dentro do processo, o que permite admitir que os ativos podem passar por ajustes, mas sem retornar aos vales dos primeiros meses do ano.

Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco, que ressalva não ser especialista em Bolsa, mas é um experiente observador da dinâmica da atividade econômica, vê a economia brasileira num momento favorável.

"Se não fossem as turbulências produzidas na comunicação do governo com o mercado, que alimentaram o temor de que a política econômica estivesse em desequilíbrio, o dólar estaria mais baixo, e a situação melhor da economia ficaria evidente mais cedo". Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco.

É o que pode estar ocorrendo nos primeiros meses deste segundo semestre de 2024.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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