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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Taxação de lucros e dividendos é prioridade para o PT, mas há resistências

Governo eleito quer reduzir distância entre tributação da renda do trabalho e do capital - Amanda Perobelli/Reuters
Governo eleito quer reduzir distância entre tributação da renda do trabalho e do capital Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

30/11/2022 04h00Atualizada em 30/11/2022 06h10

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Defendida durante a campanha eleitoral tanto por Lula quanto por Bolsonaro, a tributação de lucros e dividendos voltará ao debate no Congresso em 2023, mas o apoio do Executivo não garante aprovação fácil de uma matéria parada desde setembro de 2021. Ouvi de parlamentares de diversos partidos que a própria composição do parlamento, com a maior parte dos eleitos representando os detentores do capital, tende a dificultar o debate.

A proposta do PT, defendida por Lula e pela área econômica durante a campanha, é aproximar a tributação sobre a renda do trabalho à da renda obtida pelo capital. A justificativa é promover justiça social, e criar receitas para políticas públicas que atendam à maioria da população.

O governo Bolsonaro defendia a taxação para bancar o Auxílio Brasil de R$ 600, que acabou sem recursos no Orçamento. Em função do tempo curto, o governo eleito de Lula optou por não associar o debate do Auxílio/Bolsa Família ao da taxação dos lucros, mas isso não significa que o assunto esteja fora da pauta. Ao contrário, disseram interlocutores.

A ideia tanto do governo eleito quanto do atual não é aumentar a carga tributária, mas cobrar mais impostos de quem ganha dinheiro com o capital e menos dos trabalhadores, especialmente os com salários menores.

Para se ter uma ideia do volume da renda sobre o capital que não é tributado no Brasil, no relatório Grandes Números das Declarações de 2021 do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física, sobre 2020), o total dos rendimentos tributáveis declarados foi de R$ 1,97 trilhão, enquanto o total de rendimentos não tributáveis foi de R$ 1 trilhão.

Dentro dos não tributáveis, há vários tipos de rendimento (nem todos sobre o capital, como a restituição do Imposto de Renda), e praticamente a metade corresponde aos lucros e dividendos, que chegaram a R$ 513 bilhões (sendo R$ 384 bilhões das grandes empresas e R$ 129 bilhões distribuídos pelas empresas do Simples).

Trabalhador paga imposto, mas investidor não

Hoje um trabalhador com carteira assinada que ganha acima de R$ 4.664,68 cai na faixa mais alta de Imposto de Renda retido na fonte: 27,5%.

Um empresário cuja renda é concentrada na distribuição de lucros e um investidor com ações de uma empresa que paga dividendos pagam zero, já que desde 1996 a distribuição de lucros não é tributada no Brasil.

PT quer tributação progressiva

A equipe econômica do PT defende que a tributação sobre o capital seja progressiva (assim como no Imposto de Renda, quem ganha menos em valores absolutos teria alíquotas menores), abrindo a possibilidade de isenção para o pequeno investidor.

A tributação também levaria em conta os impostos pagos pelas empresas que distribuíram os lucros ou dividendos, para evitar que a alíquota efetiva total sobre o capital não seja maior do que a praticada na maioria dos países, para o Brasil não perder investimentos.

Reduzir imposto de empresas e trabalhadores para compensar

Para reduzir as resistências, o governo eleito deve propor a taxação dos lucros e dividendos dentro de um projeto que reduza os impostos sobre as empresas e sobre o trabalho.

Uma saída legislativa é trabalhar pela aprovação da reforma do IR (PL 2337/2021), já aprovada na Câmara em 2021, mas parada no Senado.

Apesar de o projeto ser de autoria do governo Bolsonaro, o deputado petista Afonso Florence (PT-BA) me disse que ele pode ser uma alternativa por já ter sido aprovado na Câmara.

O texto estabelece que os lucros e dividendos sejam taxados com alíquota única, e não progressiva, em 15%. O projeto de lei também estabelece que a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) seja reduzida de 15% para 8%.

O adicional de 10% previsto na legislação para lucros mensais acima de R$ 20 mil continua valendo. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) foi reduzida 0,5 ponto percentual em duas etapas, condicionadas à redução de incentivos tributários que aumentarão a arrecadação, passando de 9% para 8% (exceções: bancos, de 20% para 19%; e demais instituições financeiras, de 15% para 14%).

No texto, o imposto sobre o trabalho também foi reduzido, com o aumento da faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, com reajustes também para as demais faixas.

Outras opções legislativas são apresentar um novo projeto de lei mais alinhado com a proposta progressiva do PT, ou discutir a tributação de forma paralela à reforma tributária (PEC 45), proposta que o PT apoia.

Durante a campanha, Lula prometeu elevar a faixa de isenção do IR para R$ 5.000. Na tramitação do PL na Câmara, o deputado Afonso Florence e a oposição trabalharam para derrubar a ideia inicial de acabar com o desconto simplificado na declaração de ajuste anual, que teria impacto sobre a classe média.

Se a tramitação do PL 2337/2021 continuar em 2023, o texto deve sofrer alterações no Senado e voltar à análise na Câmara.

País precisa de reforma e sistema mais igualitário, diz pesquisador

Para o economista Rodrigo Orair, pesquisador da USP e coautor do livro "Progressividade tributária e crescimento econômico", o Brasil precisa de uma reforma para ter um sistema mais igualitário e ser mais competitivo na atração de investimentos estrangeiros.

"Na experiência internacional, há uma competição forte em reduzir as alíquotas sobre o lucro das empresas. Hoje o Brasil tem uma das mais altas, 34% (IRPJ e CSLL). Todos estão reduzindo para perto de 25%, e o Brasil ficou parado, com alíquotas disfuncionais. Isso afeta a competitividade do Brasil", afirma.

A receita para reduzir o imposto sobre as empresas está clara para o pesquisador e inclui a tributação da renda sobre o capital da pessoa física.

Soluções de outros países

Segundo ele, para equilibrar essa redução, os países têm feito compensações e reformas baseadas em alguns pilares:

1) Eles reduzem a alíquota sobre o lucro das empresas, revendo benefícios fiscais e ampliando a base. Assim mais contribuintes pagam menos.

2) Ampliam a tributação na renda do capital na pessoa física. Esse modelo estimula a retenção de capital nas empresas e é mais justo porque, quando você tributa demais a empresa, ela pode repassar para terceiros (no preço do produto, na contratação). Então se você tributa a pessoa física, você não tem esse repasse.

3) Você aproxima a tributação sobre o trabalho e a tributação sobre o capital, que é uma relação que está desigual no Brasil. Essa é uma tendência de reforma muito clara para o Brasil.