Pacote de gastos tende a sair desidratado do Congresso se governo não agir
Será necessário mais do que um apelo do presidente Lula para que o Congresso não desidrate o pacote de contenção do crescimento dos gastos enviado pelo governo.
Para que as medidas não sejam reduzidas (o que vai causar também a diminuição do impacto fiscal do pacote, previsto inicialmente em R$ 70 bilhões em 2025 e 2026), o governo precisa entrar em campo na articulação política, orientar as suas bancadas e defender as medidas que propôs. Segundo o ministro Fernando Haddad, o presidente Lula, que se recupera de uma cirurgia, se prontificou a fazer ligações para as bancadas, caso seja necessário.
Os parlamentares de centro, campo majoritário no parlamento brasileiro, esperavam que o governo arcasse com o ônus político dos cortes, o que até o momento não ocorreu, especialmente porque as medidas foram anunciadas junto com a isenção de IR para quem ganha até R$ 5.000, uma medida popular.
Como consequência, a tendência atual é de mudanças para regras mais brandas no que havia sido proposto em relação ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), e até de rejeição de propostas, como a limitação de compensações tributárias em caso de déficit primário do governo, e a mudança na correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal.
Em relação ao calendário apertado, a probabilidade é alta de que sejam aprovados os dois projetos de lei: PL do Salário Mínimo (PL 4614/2024) e PLP dos Gatilhos (PLP 210/2024). Já o cenário para a aprovação da PEC do Abono Salarial (PEC 45/2024), segue incerto.
O motivo da viabilidade da aprovação em tão pouco tempo é que o governo começou a pagar as emendas que estavam represadas desde agosto após decisão do STF, totalizando R$ 7,66 bilhões.
Por que cortar gastos agora?
Os cortes são considerados necessários tanto pela equipe econômica do governo Lula, quanto pela ala majoritária do Congresso e pelos agentes do mercado, que são os compradores dos títulos da dívida do governo, para conter o crescimento da dívida pública e evitar que fique impagável.
Por que o Congresso não vai deixar o pacote mais duro, mais fiscalista?
- Pacote tímido: Os parlamentares esperavam medidas mais duras e estruturais do governo Lula, e como eu já disse aqui na coluna estavam dispostos a deixar as medidas ainda fiscalistas
- Para isso, deputados e senadores esperavam uma sinalização pública de que o governo está disposto ao ônus político de cortar gastos
- Mas o pacote veio tímido e ainda acompanhado do anúncio da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000
- Deputados e senadores desistiram de apertar as regras porque não querem carregar sozinhos o ônus político de cortar benefícios
- Além disso, na Câmara, o partido do governo (PT), resiste a aprovar mudanças especialmente do BPC (Benefício de Prestação Continuada), mas também no abono salarial
- Parlamentares sofrem ainda a pressão dos lobbies do Congresso e de grupos que muitas vezes fazem parte de suas bases eleitorais: dos servidores do Judiciário, contrários ao projeto que limita os supersalários, das empresas, contrárias à limitação de créditos tributários, e da bancada do Distrito Federal, contrária à mudança na correção do FCDF (Fundo Constitucional do DF)
- Tempo apertado: Além disso, o governo demorou não só para enviar as medidas, como para resolver a questão das emendas, deixando o tempo muito curto para avanços, melhorias no texto
O que deve mudar e quais os impactos?
- PL do Salário Mínimo (PL 4614/2024) : Relatado por Isnaldo Bulhões (MDB/AL), que deve manter a proposta original da Fazenda sobre o Salário Mínimo, mas atenuar as mudanças propostas nas regras de concessão do BPC (até o momento em acordo com a Fazenda sobre BPC). Todas as mudanças propostas em relação ao BPC somam economia estimada em R$ 14 bilhões entre 2025 e 2026. A equipe econômica defende que a alteração proposta no Fundo Constitucional do DF seja mantida, mas há resistências no Congresso (impacto estimado em R$ 2 bi). O governo não descarta a edição de uma medida provisória sobre o salário mínimo, o que permitirá que o debate do Orçamento avance mesmo antes do projeto de lei estar aprovado nas duas Casas legislativas
- PLP dos Gatilhos (PLP 210/2024): Relatado por Átila Lira (PP/PI), deve ser o primeiro a ser votado por ter o entendimento mais consolidado nas bancadas, apesar de precisar de mais votos para a aprovação (mínimo de 257, para o PL é maioria simples dos presentes). Há uma tendência de que seja retirado do texto a limitação de compensações tributárias em caso de déficit, ponto que gerou reações negativas do setor empresarial por afetar o fluxo de caixa das empresas (impacto no pacote de R$ 2 bi).Os demais gatilhos, que são acionados em caso de déficit ou de crescimento menor das despesas discricionárias (nominal), e que devem ser mantidos no texto, são: (1) Vedada alteração em benefícios, (2) Despesa de pessoal só pode crescer no limite inferior da banda. O texto também autoriza o Poder Executivo a fazer o bloqueio e o contingenciamento de emendas parlamentares na mesma proporção aplicada às demais despesas discricionárias, até o limite de 15% do valor. O relator tenta acordo sobre esse ponto. Os deputados querem tirar a possibilidade de bloqueio.
- PEC do Abono (Pec 45/2024): Relatada por Moses Rodrigues (UB-CE), o texto prevê restrição gradual do acesso ao abono salarial do Programa PIS/Pasep de um salário mínimo, pago aos trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos. Hoje o programa é limitado a quem ganha até 2 salários mínimos, mas será limitado de forma gradual até chegar a 1,5 salário mínimo (impacto estimado de R$ 1 bi). Este ponto não deve ser alterado pelos parlamentares, mas há disposição de desidratação nos seguintes pontos: (1) destinação de verbas do Fundeb, impacto estimado de R$ 10 bi; (2) a proibição de deduções não previstas em lei no BPC; (3) o corte nos supersalários do Judiciário.
- PL dos militares: O governo federal e a equipe econômica fecharam acordo com os militares para o envio do projeto de lei com medidas de ajuste fiscal que atingem as Forças Armadas. Um dos pontos que estava em debate era a transição para que haja uma idade mínima de 55 anos para que os militares possam ir para a reserva remunerada. Hoje, não há idade mínima, apenas o tempo mínimo de serviço, 35 anos. A transição será feita até 2032. O texto pode ser enviado ao Congresso no início desta semana, e neste cenário poderia ser apreciado com os demais do pacote nesta última semana de trabalhos.
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