Governo divulga contas pressionado pelo TCU e com mercado desconfiado
Episódios recentes acenderam um alerta no mercado sobre a gestão fiscal do governo federal. A dúvida é se a administração Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mesmo capacidade de fechar as contas e manter a dívida sob controle. Se os investidores, que financiam a dívida federal, enxergarem uma piora fiscal, quem vai sair perdendo serão os ativos brasileiros.
Uma reversão dessa pressão depende agora de eventuais recuos e também dos próximos acontecimentos. O mercado quer saber, por exemplo, como serão os números do próximo relatório bimestral de receitas e despesas do governo, que será apresentado nesta sexta-feira (20).
Há uma grande expectativa em relação ao tamanho da revisão que será feita na projeção de receitas de julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), pois esse foi um dos pontos questionados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) no alerta aprovado nesta semana sobre um eventual descumprimento da meta fiscal deste ano, que prevê déficit zero.
Os números da expectativa de receitas com Carf já foram revistos no último relatório para R$ 37 bilhões e devem ser novamente revisados para baixo. Mas não há expectativa de que essa revisão seja próxima da real entrada de recursos até agora, de menos de R$ 100 milhões. Isso porque há na Fazenda a expectativa de aceleração da entrada de recursos para o final do ano, já que o trâmite de cálculos para os pagamentos tem demorado mais do que o previsto.
As receita do Carf, assim como todas as demais receitas e despesas que estarão no relatório, impactam na necessidade de bloqueio e contingenciamento das despesas de todo o governo neste ano, números que também são analisados pelo mercado. O bloqueio ocorre quando há crescimento da despesa obrigatória acima das regras do arcabouço e o contingenciamento quando há uma receita menor do que a esperada.
Em relação às despesas, estão no foco as revisões que serão feitas em relação aos gastos com a Previdência Social após as primeiras medidas de pente-fino, o que impacta no bloqueio. O mercado espera um bloqueio de até R$ 7 bilhões neste relatório.
A tendência é que não haja contingenciamento adicional ao que foi realizado no relatório de julho (de R$ 3,8 bilhões + bloqueio de R$ 11,2 bilhões) em função da surpresa positiva da arrecadação de agosto.
Quais foram os episódios recentes que acenderam alerta sobre as contas, além do alerta do TCU?
Decisão do STF de liberar verba para o combate às queimadas fora do arcabouço fiscal.
Por que? O valor, de R$ 514 milhões, não é o problema, mas dois pontos preocupam: que sirva de precedente para abrir portas para outros gastos, além da atuação do STF na questão fiscal, há quem entenda como uma dobradinha do Executivo com o STF que pode se repetir, fragilizando a independência e separação dos Poderes e colocando em risco o equilíbrio de forças entre os Poderes.
Divergência entre o Banco Central e a Fazenda sobre os depósitos esquecidos no projeto de desoneração. O texto aprovado, defendido pela Fazenda, permite que o Tesouro Nacional contabilize como os valores (estimados em R$ 8,6 bi) como receita primária, ou seja, computados para a meta fiscal. Pelas regras do arcabouço fiscal, no entanto, a verificação da meta é atribuição do Banco Central, que se manifestou contrário ao uso dos recursos para a meta.
Por que? Mais um exemplo da divergência do Banco Central e o Tesouro, que têm metodologias distintas para aferir esse resultado. A questão é que essa divergência tem se acentuado em 2024 e já está próxima de R$ 40 bi (acumulado de 12 meses em julho). A divergência tira a credibilidade dos dados. Qual resultado deve ser considerado, afinal?.
Vale-gás fora do Orçamento. O sinal mais contundente de alerta da deterioração fiscal veio na proposta do governo para aumentar e reformular o repasse do auxílio-gás para a população de baixa renda, com um mecanismo para driblar as regras fiscais. Conforme o projeto, assinado pelos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira e Fernando Haddad, da Fazenda, o Tesouro Nacional iria abrir mão de receitas do pré-sal, e o recurso seria repassado diretamente à Caixa,sem passar pelo Orçamento. Após a repercussão negativa, em 4 de setembro o ministro Haddad disse que os gastos do programa auxílio-gás não seriam excepcionalizados no Orçamento de 2025, e isso seria discutido com a Casa Civil. Ainda não há, no entanto, formalização dessa revisão.
Por que? Há o temor de que novos gastos sejam deixados fora do orçamento. O que, na prática, derruba o arcabouço fiscal.
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