Todos a Bordo

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Reportagem

Azul vai comprar a Gol? Como ficam a concorrência e os preços de passagens?

A possível compra da Gol pela Azul pode ter efeitos tanto negativos quanto positivos para os consumidores e para as empresas. A companhia passa por um processo de reestruturação nos Estados Unidos chamado Chapter 11, similar à recuperação judicial no Brasil.

As duas aéreas estão endividadas, mas a Gol passa por uma situação muito delicada, sofrendo abordagens, além de Azul, da Latam também. A empresa chilena é acusada de tentar se apropriar de aviões da Gol, mesmo sem operar o modelo, o Boeing 737.

Já a Azul ganhou um prêmio do setor financeiro em 2023 pela renegociação de suas dívidas, que lhe deu fôlego para continuar seu plano de expansão. Procurada, a Gol disse que não irá comentar. A Azul enviou uma nota com seu posicionamento, que pode ser conferido ao final da reportagem.

Como ficam os passageiros?

A hipotética compra da Gol pela Azul pode não ter os melhores efeitos para os passageiros. Para Diego Faust, operador de renda variável da Manchester Investimentos, a diminuição na quantidade de empresas no setor pode ter impacto no preço final da passagem.

Se a possível nova empresa encontrar uma eficiência maior, ela consegue manter suas margens e diminuir o preço final das passagens. Entretanto, como essas empresas têm margens apertadas, há um risco de, devido à pouca quantidade de empresas ofertando o serviço, haver uma participação de mercado muito grande dessa nova companhia e ela passar a ditar os preços das passagens. Mas ainda é muito cedo para enxergar isso
Diego Faust, da Manchester Investimentos

Para Adalberto Febeliano, professor de economia do Transporte Aéreo, a quantidade de voos poderia ser afetada com a compra. "O mais provável é que a consolidação das duas empresas levasse a uma redução na oferta de voos, o que por sua vez acarretaria aumento de preços médios, embora os preços de algumas rotas individuais pudessem não ser afetados", diz Febeliano.

Haveria também uma redução das opções de nível de serviço, de três propostas para duas propostas (lembre-se que nem só de preço vivem os passageiros). Consumidores atrelados aos Smiles provavelmente sairiam perdendo, pela diminuição paulatina de opções
Adalberto Febeliano

Raony Rossetti, CEO da Melver, empresa de formação de profissionais para o mercado financeiro, vê uma possível melhora no atendimento aos clientes, com base em dados do site Reclame Aqui. A empresa é a que possui as maiores taxas de reclamações resolvidas (80%) e de percentual de consumidores que voltariam a fazer negócio com ela (77,1%).

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"Com base nestes critérios, é evidente que o padrão de atendimento da Azul é significativamente superior ao da Gol e da Latam. Portanto, se a Azul conseguir implementar na Gol as boas práticas que tem adotado, os consumidores seriam beneficiados", diz Rossetti.

É vantajoso?

Especialistas ouvidos pelo UOL mostram diversas possibilidades quanto à possível compra da Gol pela Azul e a concentração no mercado, ou seja, a redução da quantidade de empresas oferecendo voos.

Rossetti, da Melver, diz que o momento de baixa histórica no valor das ações da Gol pode ajudar a tentativa de compra pela Azul. Ao mesmo tempo, será preciso analisar os nichos de atuação das duas empresas para saber qual o resultado da possível compra.

"O grande diferencial da Azul sempre foi sua malha aérea eficiente, concentrada em aeroportos menores e distantes do tradicional triângulo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, onde as tarifas eram mais elevadas. No entanto, se a aquisição da Gol se concretizar, a Azul passará a operar em cidades das quais antes optava por se distanciar, o que vai de encontro à sua estratégia de crescimento. Embora isso não seja necessariamente uma desvantagem, é algo a ser observado", diz Rossetti.

Entre os possíveis problemas para as empresas, Faust, da Manchester Investimentos, aponta que pode haver custos redundantes com a fusão das empresas. Isso significa que as duas poderiam manter estruturas duplicadas, aumentando seus custos, embora não pareça ser o caso.

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Febeliano aponta que podem existir dificuldades na conversão da frota, já que a Gol opera exclusivamente Boeings 737, enquanto a Azul opera, principalmente, aeronaves da família Airbus A320 e Embraer.

A Azul ganharia em participação de mercado e em escala. A possível desvantagem seria a conveniência de conversão da frota de Boeing para Airbus, que levaria muito tempo -- são 140 aviões, e o processo seria demorado. Significaria manter equipes de pilotos diferentes, e estruturas de manutenção e suporte duplicadas. A joia da coroa, para a Azul, seriam os slots de Congonhas, muito importantes para aumentar a visibilidade da empresa entre os passageiros de negócios. Para a Gol, significaria provavelmente o fim da marca. A Abra [holding que controla a Gol e a Avianca, da Colômbia], nesse panorama, também sairia prejudicada, porque perderia uma presença hoje muito importante no mercado brasileiro
Adalberto Febeliano

Ainda sobre a concentração do mercado, Febeliano aponta que poderia haver uma pequena redução no tráfego em função da eventual diminuição da oferta de voos e aumento de preços. "[Ainda,]Algumas empresas estrangeiras, notadamente Air France e American, poderiam perder suas redes de captação e de distribuição de passageiros no mercado doméstico, favorecendo suas concorrentes (no caso dos EUA, Delta e United)", afirma o especialista.

Maior empresa do setor

Seguindo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) de 2023, Gol e Azul tiveram, juntas, cerca de 60% de participação do mercado, a maior do setor. A compra seria uma maneira de a Azul expandir sua fatia na aviação brasileira de uma forma rápida, mas pode não chegar aos dois terços do setor.

A compra precisaria ser analisada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão ligado ao governo federal. Seriam analisadas as sobreposições de rotas, por exemplo, o risco de monopólio em algum segmento, entre outras atividades que poderiam causar algum impedimento concorrencial.

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Veja a nota da Azul

"A Azul, ciente de sua responsabilidade fiduciária, está sempre atenta às dinâmicas estratégicas do setor aéreo e a possíveis oportunidades de parcerias, podendo como prática regular contratar consultores para apoiar a empresa nesses esforços.

Até o momento, a Azul não negociou nem aprovou nenhuma transação específica.

A Azul compromete-se a manter acionistas e o mercado em geral informados sobre quaisquer desenvolvimentos significativos relacionados a este assunto"

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