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Governo Biden e um pedido brasileiro ao Papai Noel

Carlos Eduardo Furlanetti

25/12/2020 04h00

Joe Biden é o novo presidente eleito dos Estados Unidos. Sabemos. Mas que tal refletirmos um pouco sobre o significado dos resultados eleitorais de novembro naquele país? Como fica a economia mundial com o novo governo? E a nossa economia, aqui no Brasil? Afinal, o que podemos esperar? Para começarmos a especular sobre o futuro, precisamos entender o atual contexto em suas várias dimensões.

Entre as economias mais desenvolvidas, os Estados Unidos são o país que apresenta o maior grau de desigualdade. Dez por cento das famílias mais ricas detêm 85% das riquezas e da renda. Se observarmos apenas as famílias que representam 1% dos mais ricos, veremos que a concentração de renda é ainda maior: essas famílias detêm mais de 50% das riquezas da nação.

Do ponto de vista político-institucional, veremos um Congresso dividido. A Câmara dos Representantes, equivalente à nossa Câmara dos Deputados, apresentará ligeira maioria do Partido Democrata (partido de Biden) sobre o Partido Republicano (Trump). Já no Senado, por margem extremamente estreita, o controle seguirá com o Partido Republicano.

Ideologicamente, a corrente de apoiadores do presidente Donald Trump é bastante relevante (praticamente a metade do país) e fiel a uma pauta conservadora e pouco conectada ao multilateralismo nas relações entre os países. Por fim, parte dos apoiadores de Trump acredita que houve fraude no processo eleitoral, apesar de não existir qualquer evidência, sendo esse mais um fator a amplificar as tensões e produzir ainda mais divisão no país.

Outro fator conjuntural que afetou os resultados das eleições e fragilizou a economia norte-americana foi a eclosão da pandemia do novo coronavírus. A má gestão do atual governo federal dos EUA na área de saúde para enfrentar a pandemia produziu, até a data em que escrevo este artigo, mais de 320 mil mortes (equivalente a 5,5 guerras do Vietnã), sobrecarregando hospitais, que são eminentemente privados naquele país.

A economia, como consequência, sofreu um duro impacto, com queda do PIB real, no 2º trimestre, da ordem de 9% e nova redução de 2,9% no PIB real, no 3º trimestre, na comparação aos mesmos períodos do ano anterior.

Em paralelo, a taxa de desemprego saltou de 3,5%, em fevereiro deste ano, para 6,9%, em outubro, passando pelo pico de 14,7%, em abril, com impacto persistente sobre a vida de milhões de pessoas que vivem nos Estados Unidos. Infelizmente, no quarto trimestre, temos observado um novo repique no número de casos e mortes por covid-19, cujos efeitos foram atenuados pela expectativa de melhora no cenário econômico em função do início do processo vacinação.

No campo geopolítico, observamos uma verdadeira disputa pela hegemonia global entre duas grandes potências. O impacto da pandemia sobre o PIB chinês foi severo no 1º trimestre deste ano, com queda de 6,8% no PIB real, e seguidos crescimentos nos trimestres subsequentes, de 3,2% e 4,9%, respectivamente.

Nos últimos anos, a China avançou no comércio internacional, aumentando a sua relevância na relação com países da Europa, África e América Latina, regiões historicamente sob maior influência norte-americana. Apenas para ficarmos em um exemplo dessa nova disputa entre gigantes, nas telecomunicações, observamos uma dura batalha diplomática ligada à infraestrutura de 5G que será (e está sendo) adotada por vários países.

Lembremos apenas que o mundo da internet das coisas (IOT) e das cidades inteligentes é suportado pela tecnologia 5G. Trata-se de uma plataforma sobre a qual se conectam vários negócios e serviços, estando ligada, é claro, aos direcionadores de produtividade (e, portanto, competitividade) de várias economias ao redor do mundo.

Apesar da complexidade de nosso mundo e do momento em que vivemos, fiquemos, então, com um resumo do contexto que envolve o início do governo de Joe Biden, que toma posse no dia 20 de janeiro próximo: 1) Estados Unidos, uma nação dividida; 2) Estados Unidos, uma economia fragilizada pela pandemia e, 3) Estados Unidos, um país envolto em uma acirrada disputa pela hegemonia geopolítica, que perdeu influência diplomática durante o governo de Donald Trump.

Agora as minhas apostas para o governo Biden.

No campo interno, de imediato, o foco de Biden deverá ser na busca por uma solução para a pandemia (ou seja, acelerar o processo de vacinação e organizar o sistema de saúde, minimamente). Quanto mais rápida for a sinalização de que o governo tem um plano consistente, mais rápida será a recuperação econômica. Penso que seu governo será bem-sucedido nesse quesito.

Ainda no campo interno, no médio e no longo prazos, Biden sabe que os EUA precisam liderar um novo ciclo econômico, buscando:

1) diminuir as desigualdades econômicas;

2) desenvolver um plano de modernização da infraestrutura para gerar empregos e aumentar a produtividade econômica;

3) estimular o crescimento de negócios sustentáveis ligados a um baixo consumo de carbono, por exemplo. Nessas três estratégias de médio e longo prazos, por não contar com maioria tranquila no Congresso e por encontrar um país dividido, como já exposto, penso (e torço para estar errado) que Biden terá grandes dificuldades para executar as suas políticas. Esse é um fator que pode gerar certa instabilidade e que deve obrigá-lo a ser menos ambicioso na direção do seu programa de governo, o que pode gerar frustrações.

No campo internacional, deveremos ver um rápido retorno dos EUA aos acordos multilaterais, em especial ligados ao comércio e ao meio ambiente, com os EUA assumindo novamente o seu protagonismo. Deverá seguir usando sua força diplomática para se opor à adoção de tecnologia chinesa no 5G e pressionar a China para adote padrões ocidentais tanto no âmbito político (defesa das liberdades individuais) como no campo econômico (defesa de maior abertura econômica da China e que essa se enquadre às políticas ocidentais de livre comércio).

Minha opinião é que a execução dessas estratégias será prejudicada pela perda de influência diplomática ocorrida durante os anos de governo Trump. No entanto, exceto pelas dificuldades internas já apontadas e pela pressão de grandes corporações, penso que as duas potências devem construir acordos de cooperação que sejam benéficos aos dois países. EUA e China têm economias extremamente conectadas, o que significa que o fracasso de um é o fracasso do outro, ao menos no curto e médio prazos.

Por fim, chegamos aos reflexos disso tudo sobre o nosso país, sobre a nossa economia e sobre a vida de nós brasileiros. Se seguirmos nos afastando do tradicional pragmatismo diplomático que sempre buscou defender os nossos interesses concretos, relativizando questões ideológicas conjunturais, podemos sofrer muitas consequências negativas.

Por exemplo, no campo interno, a demora no equacionamento do problema da pandemia pode nos gerar sérias consequências econômicas, inclusive com restrição sobre o fluxo de cidadãos e produtos brasileiros pelo mundo. Precisamos ter um cuidado extra quanto à imagem do país em relação às medidas que adotamos para proteger o meio ambiente. Um acordo entre EUA e China deverá restringir, potencialmente, o acesso do Brasil a mercados globais ligados ao agronegócio e outras commodities (mineração e petróleo, por exemplo).

Também temos de ser muito pragmáticos quanto à adoção da infraestrutura do 5G. Atrasos nessa área afetam a atração de investimentos e a produtividade futura de nossa economia. Por fim, precisamos seguir aprimorando nossas instituições, combatendo as desigualdades e realizando reformas que modernizem o nosso ambiente de negócios para atrair investimentos, de forma sustentada.

Portanto, precisaremos, mais do que nunca, nos esforçar para que criemos um ambiente de respeito às diferenças e de estímulo ao diálogo, buscando concentrar esforços em aspectos que serão relevantes para o nosso futuro. Aliás, gostaria de aproveitar o clima de Natal para fazer um pedido público: Querido Papai Noel, por favor, gostaríamos de ganhar um país mais unido em torno de temas relevantes para o nosso futuro. Seria um Natal dos meus sonhos. Quem sabe Papai Noel não lê essa cartinha?!

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