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Por que a PEC de Transição mexeu tanto com a Bolsa e o dólar?

Karin Salomão e Lílian Cunha

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

17/11/2022 13h10

Pelo segundo dia consecutivo esta semana, a Bolsa de Valores de São Paulo operou em baixa, e o dólar em alta. O principal motivo, segundo analistas, seria a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que sugere gastos fora do teto.

O dólar chegou a subir mais de 2%, mas fechou o dia em R$ 5,40, alta de 0,37%. Já o Ibovespa estava em queda de 1,2% às 18h. Às 12h50, o Ibovespa marcava queda de 1,37% e o dólar tinha alta de 1,57%, para R$ 5,46. Além disso, mundialmente as bolsas estão no negativo por conta de problemas na Ásia e da inflação europeia.

Acompanhe a cotação do dólar e da Bolsa em tempo real aqui.

Veja abaixo o que movimenta o dólar e a Bolsa hoje.

Aqui, os analistas estão mais preocupados depois do discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27 no Egito, ontem, reiterando a disposição de furar o teto de gastos do governo federal. No Egito, Lula defendeu novamente o furo do teto de gastos como uma medida de "responsabilidade social" para o financiamento de programas assistenciais. "Se eu falar isso vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência", afirmou o presidente eleito.

"O governo apresentou a proposta de manter permanentemente quase R$ 200 bilhões em gastos extras fora do teto e a preocupação aumentou", diz Felipe Leão, especialista da Valor Investimentos.

Mas, depois de abrir com bastante queda, a Bolsa virou, e o dólar deixou de cair com tanta força. "O mercado acalmou no decorrer do dia, mas sem muita justificativa", diz Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital. Segundo ele, quem segurou a Bolsa de cair mais foi a Vale. A mineradora subiu com o fim de medidas restritivas na China, o que pode aquecer a economia chinesa e acelerar as vendas de empresas exportadoras.

O que diz a PEC de Transição? A equipe de transição de Lula, representada vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), entregou ontem a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que propõe deixar o Bolsa Família de fora do teto de gastos para viabilizar a manutenção de programas sociais e o cumprimento de promessas de campanha do petista.

O texto também prevê, por exemplo, o aumento do salário mínimo acima da inflação, a partir de janeiro de 2023. Outro ponto visto com desconfiança pelo mercado é a mudança do destino de arrecadações extraordinárias. Hoje, a arrecadação acima do previsto é usada para quitar a dívida pública. Com a PEC, esse valor poderia ser usado como investimento.

Estimativas apontam que o plano de Lula deve custar R$ 200 bilhões por ano - R$ 175 bilhões apenas com o Bolsa Família.

Por que o mercado azedou com a PEC? O problema, segundo Leão, é que o governo está prevendo gastos sem ter de onde tirar os recursos. Isso quer dizer que a dívida pública aumentaria.

"A abertura dos mercados está bem estressada, refletindo o projeto da PEC de Transição entregue ontem pelo Alckmin", diz Victor Miranda, operador de renda variável da One Investimentos. "Um gasto de R$ 200 bilhões é bastante alto para o mercado digerir."

"A discussão em torno da "PEC da Transição" não tem caminhado no sentido de uma redução de suas ambições, ou seja, no sentido de freiar os planos de aumento de gastos da próxima administração", diz Homero Guizzo, economista da Terra Investimentos. Com esse aumento de gastos, piora o risco Brasil, o que derruba o preço de praticamente todos ativos locais e a depreciação do real, diz o economista.

"Mas a nossa leitura é que, durante a negociação com o Congresso e o Senado, esses temas serão melhor amarrados", diz Miranda.

"É uma decepção por parte do mercado. No pós-eleição, o mercado comprou a ideia de Lula mais ao centro, e que ele poderia respeitar o teto de gastos e anunciar um ministro mais alinhado com o mercado. Mas até agora não anunciou um ministro, e entregou uma PEC com despesas permanentes", diz Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos.

E qual a consequência de gastar acima do teto? O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na terça-feira (15) em Nova York que é cedo para comemorar queda da inflação e que o país precisa persistir no combate à alta de preços.

"É cedo para comemorar, nós precisamos persistir no combate à inflação, precisamos persistir em atingir as nossas metas porque essa é a melhor forma de contribuir com o crescimento sustentável", disse Campos Neto.

No mercado, isso foi lido como uma possibilidade de o BC manter os juros em 13,75% por mais tempo ou até de subir a taxa básica nas próximas semanas. "As projeções para o meio de 2023 são de uma taxa de 14,25%. Pode ser só especulação? Pode. Mas isso causa muita instabilidade na Bolsa", diz Marcio Loréga, analista-chefe do PagBank. Além disso, a possibilidade de juros mais altos por um tempo mais longo afeta principalmente as empresas mais endividadas, diz Miranda.

"Com esse gasto fora do teto, a relação dívida pública e PIB vira um problema muito grande, com dificuldade do governo de pagar suas dívidas. O mercado reflete isso e pede juros maiores para financiar essa dívida", diz Helder Wakabayashi, economista da Toro Investimentos.

Ou seja, se a taxa básica de juros subir no futuro, hoje em 13,75%, financiamentos e compras parceladas ficam mais caras. Isso afeta construtoras, varejistas, companhias aéreas, entre outras.

O cenário internacional também afeta o mercado hoje? Sim, dizem os analistas. A alta das taxas de juros nos EUA, deflagrada pela sinalização por diretores do Federal Reserve de que o aperto monetário lá ainda tem muito a acontecer, fez o dólar se valorizar no mercado internacional, derrubando a maior parte das moedas emergentes, diz Guizzo.

Na China, protestos da população em Guangzhou, cidade industrial no sul do país, foram feitos contra a politica do governo para combater a atual onda de covid-19 por lá.

O governo chinês, que usa apenas vacinas nacionais, que não protegem contra a variante ômicron, aplica uma dura política de isolamento e restrição de movimento de pessoas. Por isso, protestos, proibidos pelo governo chinês, se espalham pela cidade.

Outro grande problema são os Estados Unidos, diz Loréga, do PagBank. "Cada hora sai um dado da economia americana diferente: uns puxando para o positivo e outros para o negativo. Então o mercado, que já contava que os juros por lá poderiam dar uma trégua, agora tem dúvidas", diz ele.

Ontem (16), os números do Departamento do Comércio americano sobre as vendas do segmento vieram positivos. Hoje, foram divulgados os números de norte-americanos que entraram com novos pedidos de auxílio-desemprego: o total caiu na semana passada, mostrando que as demissões generalizadas continuam baixas e mantendo o mercado de trabalho apertado, apesar do aumento agressivo dos juros pelo Federal Reserve para esfriar a demanda na economia.

Como fica o Brasil nesse cenário internacional? A possibilidade de alta das taxas de juros nos EUA ajuda o dólar a subir, segundo Guzzo. "Isso deprecia a maior parte das moedas emergentes. A queda dos preços das commodities (produtos básicos, como minérios e grãos) também é reforçada pela piora das condições financeiras globais", explica.

Além disso, lembra Loréga, o dólar em alta pode fazer a inflação brasileira disparar novamente.

E o que fazer com as ações? É hora de esperar, diz o analista do PagBank. Ou seja, é melhor não comprar nada agora e nem vender. Esperar por um momento mais positivo é a melhor alternativa.

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