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Do presidente de empresa ao ambulante: cinco visões sobre a economia de Temer

Ingrid Fagundez - Da BBC Brasil em São Paulo

06/07/2016 08h38

Nos discursos do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quase sempre há uma referência à ideia de que é preciso recuperar a confiança dos brasileiros. Dar segurança a investidores e consumidores é ponto essencial para uma retomada econômica.

Com Dilma, os dados de confiança registraram baixas recordes. O índice da FGV (Fundação Getulio Vargas) que diz respeito ao consumidor, por exemplo, fechou abril em 64,4 pontos, o menor nível da série histórica, iniciada em 2005.

Perto de completar dois meses de governo, o peemedebista está conseguindo melhorar esses números. O mesmo índice da FGV atingiu 71,3 pontos em junho. No entanto, o que as variações significam na prática? Os empresários já estão investindo mais e os consumidores abrindo a carteira? Quando eles acreditam que tudo vai melhorar?

Para tentar responder a essas perguntas, a BBC Brasil conversou com nomes das áreas mais atingidas pela crise para ver como estão avaliando o governo Temer e que ponderações fazem sobre ele.

Luiz Barsi, um dos maiores investidores da Bolsa

Luiz Barsi - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Em seu escritório no centro de São Paulo, Luiz Barsi, um dos maiores investidores da Bolsa brasileira, explica seus sentimentos dúbios em relação ao governo Temer. Assim como o índice Ibovespa, que subiu e desceu várias vezes quando foram anunciadas as primeiras medidas econômicas, Barsi oscila ao falar do interino. As expectativas são boas, diz, mas há críticas e desconfiança.

Barsi, que tem 45 anos de experiência na movimentação de centenas de milhões de reais no mercado, descarta um oba-oba por parte dos investidores, apesar dos preços das ações terem voltado a se recuperar. No dia do afastamento de Dilma Rousseff, a Bovespa subiu 0,9%, além de acumular alta naquela semana.

"Enquanto Dilma se manteve no poder, o mercado agiu de maneira desconfiada, descrente. A saída dela criou um outro clima, mesmo porque o presidente em exercício está prometendo algumas coisas. Agora, é preciso que o governo modifique sua postura, que tem sido diferente no falar e no fazer. Ele está querendo suprimir gastos, mas cria aumento de despesas."

Barsi se refere à aprovação na Câmara de um pacote de reajustes para o funcionalismo federal com impacto de ao menos R$ 58 bilhões nos cofres públicos. A medida, que destoa do discurso de austeridade de Henrique Meirelles, teria "pegado mal".

Além disso, diz, há falta de confiança de que o governo interino consiga controlar os gastos públicos por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional ou fazer reformas necessárias para o sucesso da economia, como a política ou a tributária.

"Os gastos crescem automaticamente. Temer está tentando situar o aumento do gasto público pelo Congresso...não sei se ele tem como impedir, como fiscalizar."

Para Barsi, a situação econômica e suas perspectivas negativas têm um limite e não há mais o que piorar. "Chega uma hora que, mesmo com tudo negativo, as coisas começam a crescer."

O nome de Henrique Meirelles, bem recebido por empresários, também ajuda. "Pelo menos, melhor do que o (Guido) Mantega e os outros, ele é." O ex-presidente do Banco Central é considerado "mais consciente" para encontrar soluções adequadas aos problemas econômicos.

Apesar de se dizer um otimista, as recuperações não são o negócio de Barsi. Ele torce pelas quedas das ações, quando ganha mais. Quando tudo vai mal, é o momento em que "seu recurso sorri".

Com Temer ou sem Temer, ele continua fazendo o que tem feito há 40 anos: "espero a crise."

Nilma Paixão, ambulante da 25 de Março

Nilma Paixão, ambulante da 25 de março, em São Paulo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Os 25ºC de uma tarde de junho em São Paulo não estavam ajudando as vendas da ambulante Nilma Paixão, que expunha meias de lã em seu carrinho. A sexta-feira foi apenas mais um de dia de faturamento ruim em um de seus piores anos na 25 de Março, rua de comércio popular em São Paulo. Desde 2008 no local, ela diz que sofreu bastante com a crise. Agora, com o governo Temer, tem a esperança de que as coisas melhorem.

Suas vendas, conta, aumentaram em junho. De fevereiro até maio só somava prejuízo.

"Os outros anos não foram tão difíceis. As pessoas estão segurando mais o dinheiro, chorando muito para baixar o preço. O governo Dilma não estava reagindo."

Paixão não faz muitos elogios a Temer, mas críticas à petista. Favorável ao impeachment, considerava que a presidente afastada tinha que sair, independentemente de quem assumisse.

"Se ela continuasse lá, nada ia mudar. Dilma estava diretamente envolvida na corrupção."

Sobre o interino, a comerciante diz que ele pode ser um bom presidente, mas ainda precisa de tempo. O que tem percebido até agora é que a insegurança dos compradores diminuiu, o otimismo aumentou e o objetivo da equipe econômica parece coerente.

"Eles querem cortar os gastos. É o que a gente faz dentro de casa quando está no vermelho. Acho que é uma boa coisa, colocar a casa em ordem."

Perguntada se Temer e seus ministros deveriam comunicar melhorar as medidas econômicas para que todos entendessem, ela compara as falas do peemedebista com as de Lula.

"De que adianta falar a língua do povo e manipular? Talvez ele esteja falando melhor do que o Lula, mas o pessoal não entende."

Paixão diz que, mesmo sem compreender tudo, o "povo está com a ideia que as coisas vão melhorar". E ela também. Há um mês contratou uma segunda ajudante e planeja pagar com mais tranquilidade as prestações de seu apartamento.

"Estou confiante...a gente tem que estar, né?"

Régis Campos, proprietário de construtora

Até outubro, a construtora Emccamp vai entregar dez mil unidades habitacionais do Rio de Janeiro. Depois disso, boa parte dos que trabalham nas obras serão dispensados.

"Estou entregando e não vou começar nada novo. Você imagina. Quantas pessoas vão ficar desempregadas? Milhares", diz o dono da construtora, Régis Campos. A Emccamp é a 14ª maior do Brasil, segundo levantamento da consultoria especializada ITC. O setor foi o segundo que mais demitiu no ano passado, cortando 416 mil vagas.

Campos também liga o desemprego às razões de a empresa não estar iniciando novos projetos. Com o agravamento da crise, explica Campos, os brasileiros ficam com medo de perder o emprego e adiam ou cancelam os planos de comprar um apartamento.

No entanto, para o empresário, o cenário desfavorável tem data para acabar: algo entre o segundo semestre de 2017 e o começo de 2018.

Otimista com a chegada do governo de Michel Temer, ele diz que o setor aposta numa retomada da economia até lá. E que já está preparando projetos voltados à classe média, faixa até então desaquecida do mercado, para lançar nos próximos anos.

"Com a melhora econômica, esse segmento melhora. No momento não estamos vendendo nem palito para eles. A gente acha que em 2017 as coisas já mudam. Vai ter um outro horizonte."

O empresário elogia a PEC que estipula um teto para o crescimento dos gastos públicos e afirma que Temer está cumprindo o papel de arrumar a casa.

Para Campos, a queda de três ministros não prejudica sua visão positiva do governo.

"Não assustou nada, isso tudo já está normal. Botaram os ministros lá e eles já tinham os processos. Aí na hora que começa a aparecer as delações, os caras têm que sair. Interessa para gente é o lucro financeiro do governo. Primeiro teremos que recuperar a economia."

Nadia Yunes, lojista do Brás

Nádia Yunes, lojista do Brás - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Nas falas dos clientes, no número de vendas, no faturamento. A transição do governo Dilma Rousseff para o interino Michel Temer foi sentida de um mês para o outro na loja de Nadia Yunes no Brás, região de comércio popular de São Paulo.

No bairro desde 1967, a família descendente de libaneses diz nunca ter visto uma crise como a atual. Lojas vizinhas fecharam e as contas ficaram no vermelho o ano inteiro. Junho, primeiro mês completo do governo inteiro, foi também o primeiro em que o faturamento da Dinho's Jeans cresceu.

"Ficou 5% maior do que o de junho de 2015. Antes as pessoas estavam muito receosas para comprar e, com a mudança, sentiram um alívio", diz Yunes.

De acordo com o IBGE, o consumo das famílias, importante componente do PIB, caiu 1,7% no primeiro trimestre de 2016.

A empresária defendia o impeachment de Dilma e hoje vê o presidente interino com simpatia: "me parece uma pessoa centrada".

Das medidas anunciadas pela equipe econômica, ficou a mensagem de que o objetivo é cortar gastos e deixar o Brasil no verde de novo.

"Estou confiante. Vejo o país como uma empresa e o Temer como um CEO. Não sei se vai ser feito, mas a impressão é que ele vai reduzir ministérios, custos, arrumar a bagunça que foi feita."

O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é, para Nádia, "um nome que dá segurança". "Quando penso nele, não consigo pensar em nenhum escândalo."

Já o escândalo envolvendo o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá, que deixou o cargo após divulgação de conversa na qual sugere um "pacto" para barrar a Lava Jato, preocupa a lojista.

"Ao mesmo tempo que fico esperançosa, não ponho a mão no fogo. É típico de político brasileiro. As coisas melhoraram, mas elas vão continuar melhorando? Não dá para ter certeza."

César Prata, dono de fábrica

César Prata, empresário - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A empresa de César Prata, a Asvac, foi duplamente golpeada pela crise que vem assolando o país nos três últimos anos.

Dois terços de sua produção de bombas industriais eram destinados ao setor do petróleo, mercado que já não andava bem das pernas antes da operação Lava Jato. Resultado: um baque de mais de 50%.

Além disso, o reflexo da crise econômica na indústria fez o terço restante das vendas sofrer uma retração de 20% a 30%.

Dos 50 funcionários, agora restam 14. O faturamento caiu quase pela metade.

A simples chegada de Temer ao poder, porém, teve o poder de devolver esperança ao setor, conta. Sua expectativa é que neste ano a queda seja estancada, e que no próximo o crescimento já seja retomado.

"A troca de governo trouxe uma coisa positiva, que é levantar o astral. O governo Dilma realmente estava passando uma imensa insegurança e travou literalmente todos os investimentos", afirma.

A entrada do presidente interino, continua, fez com que projetos fossem desengavetados.

"No governo Dilma, o telefone não tocava. Não entrava consulta por e-mail, nada", diz . "Com o Temer, voltaram a acontecer. Isso é um grande indicador."

Segundo dados da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), da qual Prata é um dos vice-presidentes, a receita líquida do setor avançou 4,1% em maio, mês em que o peemedebista assumiu temporariamente o Planalto.

Mas uma comparação com o mesmo mês do ano anterior revela que isso é pouco perto do tamanho do tombo: um faturamento 30,7% a menor --com consequente queda de 12% no número de empregos.

Mesmo com o início de recuperação e com a volta nas consultas, nem tudo é otimismo na fala do empresário: é preciso ver o que Temer irá fazer com essa onda positiva.

Ele destaca um ponto negativo da gestão: a queda do dólar, comemorada principalmente pelos turistas que planejam viajar ao exterior.

"O câmbio está despencando, voltando a patamares de mais de um ano atrás. Isso está gerando uma decepção imensa e preocupação no meio produtivo", afirma, citando as chances de essa retomada da economia se refletir em um aumento nas importações em vez de movimentar a indústria nacional.

As consultas feitas à sua empresa podem não se concretizar, explica --com o real se valorizando, as compras podem, ao fim, ser feitas no exterior.

Ele defende, agora, uma intervenção do governo neste sentido - mesmo sabendo que a gestão de Dilma era bastante criticada pelo empresariado justamente por suas intervenções na economia.

"Não é intervencionismo preservar emprego. É política industrial e econômica."

"Depois da crise de 2008, todos os países passaram a manipular suas moedas para desvalorizá-las em relação ao dólar", diz, citando grandes economias como Canadá e Japão. O ideal, acrescenta, é que a moeda americana fique acima de R$ 3,80 para que se chegue ao chamado "câmbio industrializante".

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