Como a crise envolvendo o ministro Gustavo Bebianno pode afetar a reforma da Previdência
Na noite desta sexta-feira (16), o presidente Jair Bolsonaro informou ministros e políticos aliados sobre sua decisão na polêmica envolvendo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, o advogado Gustavo Bebianno: a exoneração do ministro deve ser publicada no Diário Oficial da União na segunda-feira (18).
A decisão presidencial da noite de sexta parece ser o capítulo final de uma novela que se tornou grave na quarta-feira (13), quando o ex-ministro foi desmentido publicamente pelo presidente da República e por seu filho, o vereador carioca Carlos Bolsonaro.
Analistas de mercado e até aliados de Bolsonaro temem que a crise iniciada com Bebianno possa contaminar a tramitação da reforma da Previdência --a mudança nas regras das aposentadorias é considerada fundamental para alavancar a economia, e o projeto deve ser enviado ao Congresso na quarta-feira (20).
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Bebianno autorizou o repasse de R$ 250 mil do fundo eleitoral para a candidatura de uma ex-assessora-- esta, por sua vez, justificou o uso de parte deste dinheiro com notas fiscais de uma gráfica que seria de fachada.
Bebianno também teria autorizado os repasses de R$ 400 mil para uma suposta candidata laranja apoiada pelo atual presidente nacional do PSL e deputado federal por Pernambuco, Luciano Bivar.
Na terça-feira, quando rumores sobre uma suposta demissão já circulavam no governo, Bebianno disse que tinha falado com Bolsonaro por meio do aplicativo WhatsApp. "Não existe crise nenhuma. Só hoje falei três vezes com o presidente", disse ele ao jornal O Globo.
Mas, ao longo da quarta-feira, Bebianno foi desmentido em público duas vezes: primeiro, pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente; e depois pelo próprio Jair Bolsonaro. No Twitter, Carlos publicou uma gravação de áudio em que o pai rechaça um pedido de Bebianno para conversar; a mensagem foi mais tarde reproduzida no perfil oficial do presidente na rede social.
"Gustavo, está complicado eu conversar ainda. Então, não vou falar com ninguém a não ser estritamente o essencial. E estou em fase final de exames para possível baixa (do hospital) hoje, tá ok? Boa sorte aí", diz Bolsonaro no áudio.
Mais tarde na quarta-feira, durante a entrevista à Record, Bolsonaro tratou novamente do assunto. "Se estiver envolvido, logicamente, e responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens [demissão]", disse Bolsonaro.
Ao longo de quinta e sexta-feira (15), políticos e militares do Palácio do Planalto fizeram pressão para tentar segurar Gustavo Bebianno no posto. Na sexta, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), chegou a dizer a Bebianno que ele continuaria no cargo. No começo da noite, porém, Bolsonaro se reuniu com Bebianno no Palácio - e avisou a ele sobre sua demissão.
Mais tarde, Bebianno postou um texto em sua conta no Instagram falando sobre a importância da lealdade. "Saímos de qualquer lugar com a cabeça erguida ao carregar no coração a lealdade. É ela quem conduz os passos das pessoas que jamais irão se perder do caminho. Que jamais irão se entregar as (sic) circunstâncias. Uma pessoa leal, sempre será leal. Já o desleal, coitado, viverá sempre esperando o mundo desabar na sua cabeça", dizia o trecho final da mensagem --na verdade um texto do escritor brasileiro Edgard Abbehusen.
Desarticulação no Congresso
Na tarde de quinta-feira (14), o secretário de Previdência Social, Rogério Marinho, disse que o projeto do governo para a reforma estabelecerá a idade mínima de aposentadoria aos 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres. Na saída de uma reunião com a equipe econômica para discutir o tema, Marinho disse ainda que assinará na próxima quarta-feira (20) o projeto a ser encaminhado ao Congresso.
A expectativa do governo é economizar R$ 1 trilhão com a reforma, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Para o analista político Paulo Gama, da corretora XP Investimentos, a fala de Marinho indica que o projeto a ser enviado ao Congresso ficou mais próximo do que desejava a equipe econômica capitaneada por Guedes do que do pedido pelo núcleo político do governo - e, na quinta-feira (14), a Bolsa de Valores em São Paulo fechou com alta, de 2,27%.
"Mas quando o mercado começar a olhar com mais atenção para a articulação política do governo, na semana que vem, é possível que a crise envolvendo Bebianno tenha mais peso", diz ele. "Quando venceu a disputa pela presidência da Câmara (no começo de fevereiro), Maia mencionou Bebianno, e não Onyx Lorenzoni (da Casa Civil). Maia elegeu Bebianno como seu principal interlocutor no Planalto", diz Paulo Gama. Ele acrescenta que o presidente da Câmara é um dos políticos mais empenhados pela aprovação da reforma.
"É mais um episódio político que retrata a dificuldade do governo de construir um ambiente minimamente estável. Especialmente para discutir reformas - e muito provavelmente deve resultar numa apreensão de agentes econômicos importantes, que esperam a reforma da Previdência", diz o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
"Havia uma expectativa muito grande com a nova administração, com a ideia de que o governo teria força elevada no começo do mandato. Mas essa sequência de episódios mostra uma falta de coesão do núcleo do governo", diz ele.
O acúmulo desse tipo de tensão, avalia o consultor, diminui a ambição em relação à reforma que será possível. Diante deste tipo de episódio, os congressistas acabam aumentando o custo de se votar uma reforma ambiciosa.
Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap), não existe saída fácil para o governo a partir de agora: ou Bebianno permanece no governo como um "pato manco" - tradução livre da expressão inglesa "lame duck", usada para referir-se a mandatários sem qualquer poder real -; ou sai magoado, com potencial para criar problemas mais adiante.
"Se ficar, será como 'pato manco'. Não será mais interlocutor preferencial de ninguém, pois todos saberão que ele não goza mais de prestígio junto ao presidente. Se sair, corre o risco de 'cair atirando', pois teve acesso a muitas informações sobre o governo", diz ele.
"Bebianno está para o governo Bolsonaro assim como [o ex-ministro] Antonio Palocci estava para as campanhas presidenciais do PT. Tirar esse cara do governo, ressentido, implica num risco de que ele faça denúncias, faça revelações", diz o cientista político.
Conforme analistas e políticos ouvidos pela BBC News Brasil, a crise envolvendo Bebianno pode provocar estragos na tramitação da reforma da Previdência por dois motivos principais: o conhecimento profundo que o advogado possui das atividades do PSL durante a campanha eleitoral de 2018; e a boa relação que o ministro mantém com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). Este chegou a ligar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para dizer que a queda de Bebianno poderia atrapalhar a tramitação da reforma previdenciária.
Bebianno conhece as contas do PSL
Advogado de formação, Bebianno atuou como presidente interino do PSL durante o período da campanha eleitoral de 2018. Naquele período, ele acumulou diversas funções dentro do partido - inclusive a de liberar repasses de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para as candidaturas femininas.
Logo no início da campanha eleitoral, o PSL decidiu que a todos os repasses para candidatas mulheres deveriam ser autorizados diretamente pelo Diretório Nacional da sigla - à época comandado por Bebianno. De acordo com a lei eleitoral atual, pelo menos 30% dos recursos do Fundo devem ir para candidaturas de mulheres.
"A ideia era dar mais segurança. Se o diretório nacional repassasse para o Estado, e o Estado falhasse em atingir a cota (de 30%), o partido como um todo seria punido. Por isso se escolheu centralizar tudo", diz uma pessoa próxima ao caso, sob condição de anonimato. Na condição de presidente, Bebianno tinha conhecimento das principais movimentações financeiras do partido.
Além disso, Bebianno participou das principais decisões da campanha relativas à área de comunicação e de redes sociais - a disputa por atribuições neste campo é uma das origens do mal-estar entre ele e Carlos Bolsonaro, que desde antes da campanha gerenciava as redes sociais do pai.
O uso de redes sociais por parte de Bolsonaro chegou a ser alvo de um pedido de investigação do PT, durante a campanha - o candidato do PSL foi acusado de aceitar ajuda financeira não declarada de empresários, que teriam compraram pacotes de envio em massa de mensagens via WhatsApp.
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, no fim de 2018, empresários apoiadores de Bolsonaro firmaram contratos de até R$ 12 milhões com empresas especializadas no envio de mensagens em massa. A prática, se confirmada, configura a prática de caixa 2.
Bebianno é a ponte com Rodrigo Maia
A crise com Bebianno também deve preocupar o Planalto pelo fato de ele ser um dos principais interlocutores do Executivo com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
É o presidente da Câmara quem decide quando - e de que forma - o projeto da reforma da Previdência será levado a votação na Casa.
A relação entre os dois começou ainda no fim de 2018, após a vitória de Bolsonaro nas urnas: Maia tentava construir pontes com o governo eleito, com o objetivo de se cacifar para disputar a reeleição no comando da Câmara.
Encontrou em Bebianno um interlocutor, ao mesmo tempo em que sofria oposição velada do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni - ambos são políticos do Democratas, mas pertencem a alas diferentes do partido.
Nesta quinta-feira, Maia criticou a atuação de Bolsonaro diante da crise envolvendo o ministro.
"A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares", disse Maia.
"Então, se ele está com algum problema, ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança, uma sinalização política de insegurança para todos", disse Maia.
"Você transformar isso numa crise dentro do Palácio do Planalto, eu acho que é risco muito grande pra um governo que precisa analisar a liderança, unidade, porque vai ter desafios importantes começando pela Previdência", completou ele.
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