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As pedras no caminho da agenda liberal de Paulo Guedes

Mariana Schreiber

Da BBC News Brasil em Brasília

16/04/2019 12h54

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito com uma ampla agenda liberal para a economia, que prometia reduzir os gastos públicos e a interferência do Estado no mercado. Após poucos meses de governo, decisões do presidente e as complicações na articulação no Congresso têm colocado em xeque a força do ministro da Economia, Paulo Guedes, para implementar sua plataforma liberalizante.

De um lado, o receio de uma nova greve de caminhoneiros, movimento que provocou desabastecimento no país um ano atrás, levou o presidente a suspender bruscamente o aumento do preço do diesel anunciado pela Petrobras, sem dialogar previamente com o ministro.

Na tarde desta terça-feira, Bolsonaro se reúne com ministros e executivos da estatal para debater a política de preços.

De outro lado, a indisposição para negociar apoio com congressistas, prática taxada de "velha política" por Bolsonaro, tem dificultado o andamento da principal agenda do governo, a reforma da Previdência.

Em vez disso, os parlamentares avançaram nesta segunda-feira com outra proposta de alteração da Constituição para tornar obrigatória a liberação de recursos das emendas parlamentares coletivas para investimentos em seus Estados, medida que contraria os planos de Guedes de reduzir a rigidez do Orçamento federal.

A falta de articulação no Congresso pode ainda atrapalhar outra medida do ministério da Economia - a decisão de reajustar o salário mínimo em 2020 apenas pela inflação, acabando com a regra adotada pelos governos petistas de conceder aumento real. A proposta - que tem impacto de reduzir o aumento dos gastos públicos - foi enviada nesta segunda para análise dos parlamentares.

A BBC News Brasil explica a seguir o que está em jogo em cada uma dessas disputas para a agenda liberal de Guedes.

O dilema do diesel

Desde 2017, no governo Michel Temer, a Petrobras passou adotar uma política de preços livres para os combustíveis no país, repassando às distribuidoras as variações causadas pelas mudanças na cotação do petróleo no mercado.

Antes disso, o governo de Dilma Rousseff (PT) por diversas vezes determinou que a Petrobras mantivesse os preços congelados, mesmo em períodos de valorização do produto, medida que ajudava a conter a alta da inflação. O problema, segundo críticos dessa política, é que isso obrigava a Petrobras a subsidiar a venda de combustíveis no país, amargando perdas.

Entre 2014 e 2017, a Petrobras acumulou mais de R$ 70 bilhões em prejuízos, resultados que são atribuídos não só aos desvios por corrupção revelados pela Operação Lava Jato, mas também por causa da política de preços controlados. No ano passado, a estatal voltou finalmente ao azul, com resultado de R$ 25,8 bilhões.

Paulo Guedes e o atual presidente da empresa, Roberto Castello Branco, entendem que manter a política de preços livres é essencial para fortalecer a empresa e manter seu caixa saudável, viabilizando assim novos investimentos. No dia seguinte à intervenção de Bolsonaro, as ações da empresa desabaram 8%, uma perda de R$ 32,4 bilhões em valor de mercado.

Nesta segunda-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi direto ao questionar os efeitos da decisão sobre a autoridade do ministro da Economia.

"Se ele vai mudar essa política (de preços), passa a ter o risco de um segundo problema: como fica o ministro Paulo Guedes no meio de uma política intervencionista, ele sendo um dos maiores liberais que o Brasil tem?", questionou, durante um evento em São Paulo.

O presidente justifica sua decisão por causa do risco de paralisação dos caminhoneiros, movimento que em maio do ano passado causou grave crise, com desabastecimento e retração da economia. A categoria diz que não consegue suportar os seguidos reajustes do diesel.

Na reunião desta terça, os executivos da Petrobras tentarão convencer o presidente da necessidade de liberar os preços. Em apoio aos caminhoneiros, pela manhã o governo anunciou uma linha de crédito de R$ 500 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a categoria, com objetivo de financiar troca de pneus e manutenção de veículos.

Para o cientista político do Insper Carlos Melo, a ameaça de greve dos caminhoneiros de fato demanda cuidado. Ele considera, no entanto, que o modo como o presidente suspendeu o aumento, de forma abrupta e sem consultar os ministro da Economia e de Minas e Energia (Bento Albuquerque) foi muito negativa. Na sua visão, o ideal era ter convocado uma reunião antes de tomar qualquer decisão, e não depois.

"É claro que o potencial (de impacto) de uma greve é grande, preocupa, mas não pode ser algo tratado com atropelo. O método frequente (de trabalho) do presidente tem sido atabalhoado e pouco institucional", avalia o professor.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, considera que o episódio traz "sinais muito negativos", mas "não surpreende". Ela ressalta a diferença de contexto atual com a de um ano atrás, quando os caminhoneiros pararam o país.

Naquele momento, recorda, Temer era um presidente fraco e o movimento acabou ganhando apoio da população, muito insatisfeita com o governo. Para encerrar a paralisação, o governo anunciou cerca de R$ 10 bilhões para subsidiar o diesel, além de reajustes em prazos pré-definidos.

"Não acredito que haveria esse apoio popular agora. Mas nem teve negociação (antes de suspender o aumento), Bolsonaro cedeu", crítica Latif.

Na sua avaliação, o descompasso entre o presidente e o ministro da Economia não surpreende porque já durante a campanha havia sinais trocados por parte dos dois, por exemplo na discussão da amplitude das privatizações que o governo deve adotar.

"O Bolsonaro não é reformista nem liberal, então esse tipo de coisa vai continuar acontecendo. Os sinais nesse episódio são muito preocupantes porque não se trata de uma questão lateral. A intervenção nos preços da Petrobras impacta diretamente a saúde da empresa", disse também.

Reforma da Previdência x PEC do Orçamento Impositivo

Enquanto o Planalto está às voltas com o dilema do diesel, no Congresso a agenda de Paulo Guedes continua atravancada. Nesta segunda-feira, o governo sofreu nova derrota quando a maioria da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara decidiu analisar uma proposta que engessa ainda mais o Orçamento federal antes de votar o relatório sobre a reforma da Previdência.

Trata-se de uma proposta de alteração da Constituição para tornar obrigatória a liberação de recursos para as emendas parlamentares das bancadas estaduais, medida que pode levar a um aumento de R$ 1,7 bilhão nas despesas obrigatórias da União em 2020, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente.

A proposta vai na contramão do que defende Guedes, que deseja reduzir as despesas obrigatórias do governo, e dificulta ainda mais a missão de trazer a contas do governo federal para o azul (a União tem déficits crescentes desde 2014). Ela foi aprovada na CCJ inclusive com apoio do PSL e agora será analisada em uma comissão especial, antes de ir à plenário.

Com isso, ficou atrasado mais uma vez o cronograma da reforma da Previdência, que deve ser votada na CCJ apenas depois da Páscoa. Devido à desorganização do governo no Congresso, Zeina Latif considera que não será mais possível aprovar a reforma no primeiro semestre deste ano.

"Não acredito que foi uma derrota de Paulo Guedes, mas foi um recado do Congresso para o Bolsonaro. Como ele crítica o 'toma lá da cá', então os parlamentares estão tirando do governo o poder de liberar ou não as emendas", analisa Latif.

Além de não conseguir montar uma base parlamentar sólida, Bolsonaro também dificulta o trabalho de Guedes ao fazer uma defesa pouco enfática da reforma da Previdência, observa Carlos Melo. O próprio Guedes reconheceu na semana passada que o presidente "não está apaixonado" pela reforma.

"A base está muito fraca. O presidente se elegeu sozinho, sem ampla articulação política, e o PSL é um partido muito inexperiente. Além disso, há uma postura meio blasé do Bolsonaro em relação à reforma", afirma.

"Uma agenda difícil como essa, que enfrenta resistência também de grupos de apoio do presidente, como militares, promotores, juízes, precisa de uma atuação cotidiana dele, de diálogo com a sociedade", acrescenta.

Reajuste do salário mínimo

O governo enviou nesta segunda ao Congresso a proposta de Orçamento para 2020 com previsão de salário mínimo de R$ 1.040, o que representa alta de 4,2% em relação ao atual (R$ 998).

Com isso, Bolsonaro rompeu com a fórmula criada pelos governos petistas segundo a qual o reajuste do salário mínimo levava em conta o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes mais a inflação do ano anterior.

Sem essa regra, aplicada desde 2004, o piso de remuneração do país seria hoje de R$ 573 em vez de R$ 998. Se a regra fosse aplicada para o ano que vem, subiria mais R$ 11 em relação à proposta do governo Bolsonaro para R$ 1.050,89.

Economistas defensores da regra apontam que o aumento real dado ao salário mínimo nos últimos anos foi importante para reduzir pobreza e desigualdade de renda.

Já um relatório recente do Banco Mundial diz que a valorização do salário mínimo mesmo durante a crise tem sido negativa para a geração de emprego formal, afetando em especial os mais jovens. "Numa situação de crise, como a de 2015 e 2016, esse alto custo traduziu-se em um aumento do desemprego e da informalidade", diz o relatório.

Além disso, como o salário mínimo é o piso para as aposentadorias no país, seu reajuste afeta diretamente os gastos da Previdência. Por isso, a medida também é considerada importante por Guedes para conter o rompo nas contas públicas.

A mudança, porém, pode ser barrada, se não houver uma melhora na articulação política.

"Tem tudo para ser rejeitada no Congresso esta proposta do mínimo", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo o líder do partido do presidente no Senado, Major Olímpio (PSL-SP).

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