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Coronavírus: 'dupla curva' mostra que escolher entre salvar vidas ou a economia é falso dilema

Do ponto de vista econômico, o economista Richard Baldwin propõe proteger as pessoas mais vulneráveis, empresas e bancos - Getty Images
Do ponto de vista econômico, o economista Richard Baldwin propõe proteger as pessoas mais vulneráveis, empresas e bancos Imagem: Getty Images

Cecilia Barría - Da BBC News Mundo

11/04/2020 16h42

O economista Richard Baldwin diz que as quarentenas e outras medidas de contenção são uma "imposição moral" diante da pandemia de coronavírus que está "matando pessoas que não deveriam estar morrendo".

"Se você não entrar em quarentena por causa da pandemia, ela causa mais problemas e mais danos econômicos... (...) Se você não implementa uma quarentena porque quer economizar dinheiro, está enfrentando uma questão moral e não econômica", disse ele em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

Baldwin é professor de Economia Internacional do Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e Desenvolvimento em Genebra, onde ele investiga há mais de três décadas questões relacionadas à globalização e ao comércio.

O especialista, que foi diretor e presidente do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR) e acadêmico das universidades de Oxford, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Columbia, argumenta que a curva de contágio do coronavírus deve ser achatada tanto como a curva de recessão.

Na entrevista, ele explica como funciona a "dupla curva", que mede os efeitos da quarentena na economia de um país.

"Você precisa agir rápido e fazer o que for preciso", diz Baldwin.

Leia abaixo a entrevista que Baldwin deu à BBC.

BBC - Qual é a conexão entre medidas econômicas e sanitárias contra a pandemia?

Richard Baldwin - Esta doença é altamente contagiosa, mas não tão mortal quanto outras pandemias.

Ela se espalha com uma velocidade incrível e acaba excedendo a capacidade dos hospitais.

Isso aconteceu na Itália, Espanha, agora em Nova York e acontecerá nos Estados Unidos e em grande parte do mundo.

O problema é que os hospitais não conseguem dar o tratamento adequado (a todos os pacientes ao mesmo tempo). E algumas pessoas morrem porque não recebem o tratamento necessário.

Em seguida, as quarentenas e as medidas de contenção tentam diminuir a velocidade do contágio, para que o número de pessoas que chegam juntas aos hospitais diminua e se espalhe ao longo do tempo. Essa é a conexão entre choque médico e choque econômico.

BBC - Muitos empresários, políticos e outros líderes argumentam que é necessário acabar com a quarentena para proteger a economia, porque, se o sistema econômico estiver profundamente danificado, a maioria da população acabará pagando o custo de não ter emprego e os países podem falir.

Baldwin - Não há distinção entre salvar vidas e salvar a economia. Esse é um falso dilema em países ricos como os Estados Unidos, que podem fornecer apoio a indivíduos e empresas para que não quebrem durante o confinamento. Você só precisa aplicar políticas apropriadas.

Você não pode deixar a doença se espalhar sem contenção, porque mais pessoas morrerão do que se o tratamento adequado ficasse disponível.

Você precisa desligar a economia para diminuir o contágio, mas, ao mesmo tempo, precisa de uma política para garantir a proteção da economia no momento em que tudo isso acontece, para que as pessoas retornem ao trabalho.

Basicamente, precisamos de quarentena e uma grande despesa fiscal.

BBC - E como as economias emergentes e os países que não têm recursos fiscais para proteger suas economias vão enfrentar a pandemia?

Baldwin - Nos mercados emergentes, é uma história completamente diferente. Muitos desses países não têm capacidade fiscal para proteger pessoas de baixa renda, empresas ou bancos.

E tentar fazer isso pode criar outras crises, como uma crise de dívida.

Nesses casos, a situação é muito mais difícil e um dilema real pode surgir entre a vida das pessoas e os efeitos econômicos de uma quarentena. (E esses efeitos) também podem afetar seriamente a vida das pessoas.

É mais complexo, não sei para onde eles poderiam ir.

BBC - Do que se trata a dupla curva?

Baldwin - Existe uma curva epidêmica que mede o número de novas infecções por dia.

É uma curva em forma de sino. Começa razoavelmente plana, depois acelera porque as pessoas doentes infectam outras pessoas. Ela chega no pico e cai novamente.

O problema é que, se não houver políticas de contenção (ao vírus), a curva sobe e desce profundamente, o número de pessoas que precisam de hospitalização excede a capacidade dos hospitais.

O importante é achatar essa curva de contágio, diminuindo a taxa de infecção. E para conseguir isso, você precisa manter o isolamento social.

E o que acontece é que, quando você aplica uma política de contenção como a quarentena, torna a recessão pior, muito mais profunda.

Em seguida, é produzida uma curva de crescimento negativo do Produto Interno Bruto (PIB), também em forma de sino. A recessão aumenta, atinge o pico e depois melhora.

Se a epidemia não for controlada, a curva econômica será curta e acentuada.

Mas se você implementar políticas de contenção - que visam impedir as pessoas de trabalhar e consumir - a recessão é muito pior.

BBC - E então qual é a solução?

Baldwin - É aqui que entram os pacotes de emergência dos governos para proteger a economia.

É necessário fazer uma política de contenção para achatar a curva da epidemia e tomar medidas fiscais para diminuir a curva da recessão. É disso que se trata, achatando as duas curvas.

BBC - Você escreveu que é necessário agir agora e fazer o possível para enfrentar essa pandemia. Quais são as medidas econômicas que devem ser urgentemente implementadas e como elas podem ser colocadas em prática?

Baldwin - O que está causando essa crise é o fechamento das empresas. Elas vão à falência ou demitem trabalhadores.

A primeira coisa a fazer é proteger as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, para que não quebrem. Em alguns países da Europa, por exemplo, o Estado paga uma parte dos salários dos trabalhadores para que eles não fiquem desempregados.

Em vários países europeus, as pequenas empresas podem tomar empréstimos por muitos anos sem pagar juros.

Então, no caso de indivíduos de baixa renda, eles devem receber apoio fiscal, seja pela entrega direta de recursos ou pelo pagamento de parte do salário, mesmo que não estejam trabalhando.

Eles também podem ter problemas para pagar a hipoteca. E então os bancos podem ter problemas para conceder crédito. Portanto, os governos precisam garantir que os bancos não quebrem.

As principais medidas são proteger as famílias mais vulneráveis, proteger as empresas para que empregos estejam disponíveis quando esse período passar e proteger os bancos para garantir que eles não irão à falência.

Você cria um escudo, são políticas para proteger a economia.

BBC - Você acha que pode haver mais ajuda financeira a empresas?

Baldwin - As maiores economias aprovaram pacotes fiscais gigantescos com resgates financeiros para empresas, especialmente para as pequenas. E acho que também haverá ajudas para grandes empresas.

BBC - Estamos pedindo aos governos que gastem o que for necessário para lidar com esta crise. O que acontecerá com os déficits fiscais, com as dívidas dos governos?

Baldwin - É por isso que devemos ter cuidado para que esta crise não gere outras crises. Para que os governos não tenham uma crise de dívida. Isso depende de cada país.

Os Estados Unidos não vão à falência, nem o Japão, apesar de ter uma dívida gigantesca. Sua sustentabilidade não será afetada.

Na Europa, há mais problemas, como no caso da Itália e de outros países que têm uma dívida grande em relação ao seu PIB.

Agora, na Europa, está sendo buscado um caminho para que as economias mais fracas não quebrem, para não haver outra crise na zona do euro.

BBC - E o que podem fazer os países que já tinham sérios problemas econômicos, como na América Latina?

Baldwin - Nesse caso, apenas a ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou de outras organizações podem funcionar, o que provavelmente não vai acontecer.

Muitos dos mercados emergentes podem ter problemas de dívida, como vimos em 2009, 2011 ou nos anos 1990.

BBC - Em muitos países os níveis de desemprego vão disparar...

Baldwin - Sim, (isso vai acontecer em) quase todos os países.

BBC - Que lições podem ser aprendidas com outras pandemias que ocorreram no passado?

Baldwin - A gripe espanhola de 1918 foi semelhante a esta pandemia, mas muito mais mortal.

Nos Estados Unidos, as cidades com as quarentenas mais severas foram as que menos tiveram recessão, embora seja outra época e não tenha havido apoio do governo.

A ideia é que, se você baixar uma quarentena rapidamente, a economia sofrerá um grande choque, mas você poderá voltar ao normal de maneira mais rápida.

Se você não entrar em quarentena por causa da pandemia, ela causa mais problemas e mais danos econômicos.

BBC - No meio do debate econômico, qual é o imperativo moral nesta crise?

Baldwin - Quarentena e medidas de contenção são uma imposição moral, porque as pessoas que não deveriam morrer estão morrendo. E isso ocorre mesmo em países que podem enfrentar os custos da quarentena e providenciar resgates financeiros para proteger a economia.

Se você não implementa quarentena porque quer economizar dinheiro, isso é uma questão moral, não econômica.