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Análise: Discussão sobre Brexit vai continuar

Clive Crook

03/05/2016 15h40

(Bloomberg) -- A ideia mais equivocada em relação ao referendo do mês que vem sobre a adesão do Reino Unido à União Europeia é que a votação encerrará a questão. Pouco provável. Seja qual for o resultado, a Brexit não vai desaparecer.

O referendo sobre a independência escocesa serve de guia para o que está por vir. Em 2014, os escoceses votaram com a cabeça, não com o coração, e permaneceram no Reino Unido -- depois, na eleição geral seguinte, deram ao Partido Nacional Escocês, dedicado à independência escocesa, uma vitória esmagadora ao norte da fronteira. O raciocínio parece ter sido o seguinte: a escolha segura é continuar no Reino Unido, mas por favor entendam que não estamos felizes e poderíamos mudar de ideia sem aviso prévio.

O cálculo do Reino Unido em relação à Europa é semelhante. Sair da UE representa um grande risco econômico, por isso a prudência recomenda a permanência. Mas o ressentimento britânico (na verdade, inglês) em relação ao comando de Bruxelas não será apaziguado só porque foi dada a chance de sair. Fazer o mais prudente só servirá para deixar os britânicos mais ressentidos. O Reino Unido será mais cético em relação à Europa, e a carreira dos políticos anti-UE, como Boris Johnson, está longe do fim.

O argumento a favor da prudência está ganhando força graças aos relatos do Tesouro e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (um clube de países de renda elevada). Eles preveem prejuízos a longo prazo de cerca de 5 por cento do produto interno bruto por ano, o equivalente a diversos milhares de libras por família. Outros estudos dizem basicamente o mesmo. A réplica recente de um grupo de economistas eurocéticos, argumentando que a economia britânica receberia um impulso com a saída, não tem o mesmo peso.

Na verdade, essa réplica conta com alguns bons argumentos. Ela pontua que nenhum dos dois grandes relatórios oficiais que fazem um alerta contra a saída consideram a opção do livre comércio unilateral, o que provavelmente seria o melhor cenário pós-Brexit. Em vez disso, ressaltam os custos e as demoras prolongadas envolvidas na negociação de novos tratados comerciais preferenciais com a UE e com outros parceiros comerciais do Reino Unido.

Por outro lado, nem os relatórios oficiais nem a réplica eurocética consideram o risco de uma retaliação direta da UE em caso de saída britânica. (As tarifas são limitadas pela Organização Mundial do Comércio, mas há muita margem para protecionismo direcionado aos serviços no interior dos países, fora da jurisdição da OMC). Este é o maior risco: se acontecesse, as estimativas oficiais para o pior cenário poderiam ser pequenas demais.

Sob qualquer ângulo, a Brexit está carregada de riscos e os eleitores provavelmente farão a escolha mais segura. Mas, como o farão com tanta relutância, os parceiros dos britânicos na UE deveriam se preparar para a possibilidade de que o Reino Unido seja um aborrecimento ainda maior no futuro.

A longo prazo, o Reino Unido mantém seu poder de bloqueio às mudanças de tratado: não pode dirigir o projeto como um todo, mas pode impedir que qualquer outro o faça. Os outros governos da UE não estão interessados em revisar os tratados neste momento, de todos modos, porque a união é pouco popular também em outros lugares, o que dificultaria a ratificação das mudanças pelos parlamentos nacionais. Contudo, será problemático quando forem necessárias mudanças de tratado para consertar o que não funciona na economia da UE. Os reformistas terão que lidar com o Reino Unido.

Enquanto isso, o Reino Unido poderia deliberadamente arrastar o assunto por mais tempo. Poderia seguir o exemplo de muitos outros governos da UE, que consideram que os compromissos (como uma meta fiscal) só são obrigatórios se eles desejarem esse comprometimento. Os britânicos são um tanto moralistas quanto a considerar as promessas a outros governos mais como garantias que como aspirações.

Por ter se recusado a adotar o euro, o Reino Unido já está parcialmente desvinculado do principal projeto econômico da UE e conta com opções de exclusão também em outras áreas da política. Esse distanciamento vai aumentar sob a pressão de um sentimento eurocético potencializado caso a votação decida pela permanência. Com o tempo, à medida que a zona do euro buscar uma integração maior em termos de política fiscal e financeira, o Reino Unido se transformará cada vez mais em uma anomalia -- e os pedidos de Brexit não cessarão.

No fim das contas, a UE poderia chegar a se convencer de que a Brexit faz sentido. Eu argumentei antes que a melhor aposta do Reino Unido na Europa consiste em ser irritante. Já tem sido bastante, é claro, mas é possível ser ainda mais. Lembre-se, o maior risco da Brexit é que a UE puna o Reino Unido por sair. A resposta é óbvia. Vote pela permanência -- depois leve a UE até um ponto no qual ela pagará para que o Reino Unido saia.

Essa coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial, da Bloomberg LP ou de seus proprietários.