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Opinião: Bolsonaro não foi eleito para deixar país igual, diz chanceler

Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo - Ueslei Marcelino/Reuters
Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Ernesto Araújo

Especial para a Bloomberg*

07/01/2019 11h04

"A política externa brasileira não pode mudar". Foi assim que um político brasileiro resumiu seu distanciamento em relação às posições de política externa do presidente Jair Bolsonaro e minhas. Essa opinião é sintomática daqueles que ficaram tão traumatizados com a política externa esquerdista e caótica dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2016) que preferem a inércia e a indiferença a qualquer tentativa de tornar o Brasil um ator global novamente. Estão tão acostumados a mudanças para pior que preferem não arriscar mudança nenhuma.

Acham que a única alternativa para o desastre de Lula na política externa é pensar pequeno, recitar a cartilha das Nações Unidas, e tentar fazer algum comércio. Lutam por algum tipo de mediocridade dourada. Querem que o Brasil simplesmente aceite "o mundo tal como o encontramos", parafraseando a famosa expressão de Ludwig Wittgenstein.

Curiosamente, essa referência aparece no mesmo item do "Tratactus Logico-Philosophicus", parágrafo 5.631, onde Wittgenstein afirma: "o sujeito que pensa e tem ideias simplesmente não existe." Essa espécie de desconstrução pós-moderna avant-la-lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento está, portanto, associada à renúncia da própria capacidade de agir e de influenciar o mundo, implícita no pessimismo de tomar o mundo "tal como o encontramos". Essas são as raízes filosóficas da nossa atual ideologia totalitária globalista: ao proibir a independência do pensamento e a substância das idéias, ela consegue cada vez mais dominar o ser humano, enquanto dita: "você não merece liberdade porque você não existe, você não existe como ser independente, você é apenas a soma das partes do seu corpo e suas idéias são apenas construções sociais, então cale-se."

Não gosto de Wittgenstein.

O presidente Bolsonaro não foi eleito apenas para aceitar o Brasil tal como o encontrou e deixá-lo como está. Não foi eleito para aceitar a política externa brasileira tal como a encontrou, para meramente levantar mecanicamente a bandeira do "pragmatismo" e pronto. Não é isso que o povo brasileiro - feito de seres pensantes e independentes, com suas próprias paixões e idéias, e não robôs pós-modernos - quer e merece.

A política externa brasileira precisa mudar: isso faz parte do mandato sagrado do povo confiado a Jair Messias Bolsonaro.

Estamos convencidos de que o Brasil tem um papel muito maior a desempenhar no mundo do que esse que atualmente nos atribuímos.

Queremos promover a liberdade de pensamento e de expressão em todo o mundo. Isso é essencial para promover qualquer outra mudança e qualquer outra liberdade. A eleição de Bolsonaro no Brasil só foi possível porque as pessoas puderam trocar livremente suas idéias e expressar seus sentimentos, sem serem tolhidas pela camisa-de-força da mídia tradicional. Essa lição não tem preço. Infelizmente, no mundo de hoje, há países onde o pensamento é controlado diretamente pelo Estado, e há países, principalmente no Ocidente, onde o pensamento é controlado, de forma indireta e insidiosa, pela mídia e pelos acadêmicos, deixando pouquíssimos espaços livres da opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito. O Brasil mostrou agora que é possível se libertar e, pela simples força da palavra, transformar a realidade política de um país de 200 milhões de pessoas, desmontando pacificamente um sistema de décadas de crime e corrupção por meio da coragem, determinação e sinceridade.

Também queremos promover a paz e a segurança em nossa região e em toda parte. Mas não se promove a paz e a segurança fingindo que elas não sofrem ameaças e que não há nada que se possa realmente fazer a respeito. É preciso enfrentar as ameaças, e a maior delas vem de regimes não-democráticos que exportam o crime, a instabilidade e a opressão. Ditaduras como Venezuela e Cuba não desaparecerão pelo simples desejo de que sumam. Ainda mais quando alguns nem desejam. Ainda mais quando alguns as deixam manter e ampliar seu poder, com a desculpa de que isso seja "o mundo tal como o encontramos" ou "o caminho natural das coisas".

E queremos, é claro, fazer comércio. A política comercial brasileira, como parte de nossa política externa, ficou adormecida por muito tempo. Estamos determinados a negociar acordos de comércio, de investimentos e de tecnologia com todos os nossos parceiros, de forma ambiciosa e criativa, explorando diferentes modelos com diferentes parceiros, tendo sempre em mente as necessidades concretas do setor produtivo.

Os críticos dirão que, ao falarmos sobre liberdade e democracia, e ao levar esses conceitos a sério, estamos sendo "ideológicos". Argumentam que a defesa da liberdade e da democracia colocará nosso comércio em risco. Seria um mundo triste, se esse fosse o caso. Mas estou convencido de que um Brasil muito mais assertivo, um país que fala com sua própria voz em vez de dublar a de outros, será um parceiro muito melhor - no comércio ou em qualquer outra área.

Algumas pessoas acham que nossa abordagem de marketing deveria ser: "Olha, eu sou o Brasil. Eu não acho nada. Eu não tenho idéias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um 'eu'. Eu não incomodo ninguém. Faça negócios comigo!"

Mas isso não funciona. Ninguém respeita esse tipo de comportamento, e você não faz bons negócios quando não há respeito. Vejam a China. A China defende, sem pedir desculpas, seu interesse nacional e sua identidade, suas idéias específicas sobre o mundo, defende seu sistema - e todos fazem cada vez mais negócios com a China. Por que outros países devem ser obrigados a esposar certas ideias antes de serem considerados bons parceiros comerciais? Devemos renunciar a nossos compromissos com a liberdade e a democracia quando outros não são obrigados a renunciar a seus compromissos com seus próprios sistemas?

O Brasil mostrará que você pode aumentar sua participação no comércio internacional e nos fluxos de investimento, ao mesmo tempo em que sobe confiante no palco mundial para defender a liberdade, falando com a própria voz da sua nação.

A política externa brasileira pode mudar, e o mundo pode mudar. Não precisamos aceitá-los tais como os encontramos.

* Ernesto Araújo é ministro das Relações Exteriores do Brasil

"Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg e seus controladores"