Inflação pode ficar alta para além deste ano, diz diretor de órgão mundial

Diretor-geral adjunto do BIS (Banco de Compensações Internacionais, uma espécie de banco central dos bancos centrais), Luiz Awazu Pereira da Silva vê como risco mais importante de longo prazo a inflação se tornar sistemicamente mais elevada, o que levaria a uma mudança de "regime inflacionário", saindo do período que ficou conhecido como a "grande moderação".
"Se a dose de aperto (alta dos juros) for insuficiente, ou se políticas fiscais inconsistentes forem adotadas, a inflação pode se consolidar nas expectativas de todos e virar um problema bem maior", diz ele, que foi diretor do Banco Central e secretário no Ministério da Fazenda.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O Estado de S. Paulo: Em que medida a inflação no mundo pode ser importada pelos países emergentes neste ano?
Luiz Awazu Pereira da Silva: O retorno da inflação tem sido um fenômeno global. Ganhos de eficiência mundial que reduziam custos locais foram revertidos depois da pandemia.
Somente na Ásia a inflação permaneceu relativamente moderada, pelo menos até recentemente, pois nos últimos meses houve retomada importante na maioria dos países, com exceção da China e do Japão.
Em três de cada quatro economias avançadas, a inflação ultrapassa 5%. Em mais da metade dos mercados emergentes, está acima de 7%.
Estadão: Quais os riscos à frente?
Luiz Awazu: A inflação pode permanecer alta para além deste ano, por causa de problemas na oferta e na produção. O conflito na Ucrânia poderá causar novos aumentos de preços de energia, alimentos e outras commodities, o que levaria a novas altas em preços de bens e serviços.
Se houver novos lockdowns na China, isso causaria problemas adicionais nas cadeias globais de produção.
O risco mais importante de longo prazo é o de a inflação se tornar sistemicamente mais elevada, levando a uma mudança de paradigma ou de regime inflacionário, saindo do período que ficou conhecido como a "grande moderação".
Quando a inflação é baixa e estável, naturalmente chama menos atenção e sua influência sobre a formação de salários e preços é menor. Mas, se a alta de preços se torna mais generalizada, esta dinâmica pode mudar, levando a uma espiral inflacionária em que altas de preços e salários se retroalimentam.
Estadão: Como equilibrar esse dilema, entre mais inflação ou uma possível recessão?
Luiz Awazu: Se os bancos centrais não conseguirem calibrar a sua dose certa de aperto monetário, no tempo certo, para tentar conter tendências inflacionárias de curto prazo, podem acabar induzindo uma queda excessiva de atividade e até uma recessão. E isso deve ser evitado.
Se a dose de aperto for insuficiente, ou se políticas fiscais inconsistentes forem adotadas, a inflação pode se consolidar nas expectativas de todos e virar um problema bem maior.
Estadão: O fluxo de recursos estrangeiros para os emergentes é crescente. Isso vai seguir?
Luiz Awazu: O volume de capital que ia para a Rússia antes da guerra já era muito pequeno. As estatísticas do BIS mostram que os bancos já haviam reduzido pela metade sua exposição àquele país desde 2014.
O benefício para outros países desse potencial redirecionamento de fluxos não é significativo. Mais significativo, a longo prazo, é a queda potencial de fluxos de capital para outros países.
Não é impossível que, em um mundo geopoliticamente mais fragmentado, os fluxos de comércio e capital se alterem. Alguns mercados emergentes vão sair perdendo, e outros podem se beneficiar.
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