Produto do país não compete bem no exterior, diz brasileiro que dirige OMC
O grande problema do Brasil hoje é falta de competitividade, principalmente dos produtos industrializados em mercados exigentes. Só conseguimos disputar espaço em países vizinhos da América Latina, mas, quando se trata de nações avançadas, nossos produtos se dão mal.
A avaliação é de um brasileiro especialista em comércio mundial: o diplomata soteropolitano Roberto Azevêdo, 57, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), com sede em Genebra (Suíça).
A OMC é o principal organismo encarregado de regular e arbitrar questões relacionadas ao comércio internacional de 174 países, incluindo os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido, a China e o Brasil.
Azevêdo está no cargo de diretor-geral desde 1º setembro de 2013 e pleiteia um novo mandato, de mais quatro anos - por enquanto, como candidato único.
Em entrevista exclusiva por telefone ao UOL, de Genebra, Azevêdo também criticou o fechamento de fronteiras e do comércio, como proposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Para o brasileiro, o comércio livre gera e distribui riquezas, combatendo a pobreza no mundo.
O comércio tirou 1 bilhão de pessoas da pobreza extrema. Sobretudo na Ásia
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Roberto Azevêdo:
"O grande problema do Brasil hoje é falta de competitividade"
O Brasil tem uma política tradicional de abastecer o mercado com produção doméstica. Portanto, protege a sua produção de alguma maneira e não é o único. Há outros países que liberam mais e fazem uma busca pela competitividade, promovendo a competição dentro do seu próprio mercado.
O grande problema do Brasil hoje é falta de competitividade, sobretudo dos produtos industrializados. O Brasil consegue vender no seu mercado interno, porque tem uma relativa proteção tarifária; [também vende] em mercados onde ele tem margem de preferência, portanto, em acordos regionais ou áreas de livre comércio, sobretudo com vizinhos ou outros países que tenham tarifas altas.
Mas no comércio internacional aberto, de maneira geral, nos grandes mercados, os mais competitivos, nós temos grandes dificuldades na maior parte dos setores. Claro que há exceções e áreas de excelência, mas não são a regra.
De maneira geral, os países que são mais bem-sucedidos no aumento da competitividade são aqueles que visam o mercado internacional. O parque industrial que se preocupa apenas em fornecer para o consumidor interno tende a se acomodar com determinado padrão de competitividade.
Quando o alvo é o consumidor internacional, as exigências de competitividade são maiores. Tem que estar sempre procurando aperfeiçoar o seu método produtivo, reduzindo custos, introduzindo novas tecnologias, se mantendo atualizado. É isso: procurar estar sempre competitivo em nível global e não apenas com os competidores que fornecem para o mercado interno.
"Não é fechando o comércio que se resolvem problemas de um país"
Sem o comércio, você não se desenvolve, não gera riquezas. O comércio, por exemplo, tirou 1 bilhão de pessoas da pobreza extrema. Sobretudo na Ásia, na China, no Sudeste Asiático, países que começaram a entrar muito no comércio internacional e com isso alavancaram o seu desenvolvimento.
Porém, não resta dúvida de que há muita gente excluída ainda. Mas não é fechando o comércio [como propõe Trump] que você vai resolver isso. Você não vai incorporar essas pessoas, pelo contrário: quem você conseguiu recuperar você vai perder, se fechar as fronteiras.
Temos muita clareza hoje de que o comércio pode ser mais inclusivo. Por exemplo, estamos trabalhando muito aqui para ajudar a pequena e a média empresa, que são responsáveis, em alguns países, por 90% da mão de obra. E essas empresas têm dificuldade de entrar no comércio internacional, porque ele ainda é caro, complexo, pesado. Precisamos simplificar as coisas para que as pequenas e médias entrem mais nesse mercado.
A OMC, o sistema multilateral, foi feito para as grandes empresas. As regras precisam ser atualizadas para uma realidade com um universo enorme de pequenas e médias empresas com condições de participar do comércio internacional.
"Nacionalismo não é invenção dos EUA"
O discurso de "vamos comprar o produto nacional" não é uma invenção da administração americana [o presidente Donald Trump adotou o discurso de "América primeiro" e acena com medidas protecionistas na área de comércio]. Isso a gente ouve o tempo inteiro em todos os países, em momentos diferentes. Em momentos pós-eleitorais e sobretudo em momentos de crise.
Eu me lembro de 2008, quando a economia mundial desacelerou muito, e vários países ocidentais usaram esse discurso. E cada um desenhou programas para isso. O discurso não é novo. O que precisamos ver é como esse discurso vai ser implementado na prática.
"Multinacionais são boas, mas precisam de mais responsabilidade"
O investimento internacional ajuda também no desenvolvimento [dos países]. Ter uma multinacional é boa notícia, porque ela cria empregos, traz tecnologias, conhecimentos, aumenta a riqueza do país.
Mas há preocupações com esse processo. Por exemplo, evitar que essas empresas apenas se instalem nesses países porque os padrões de trabalho e os salários são muito baixos, porque não há legislação trabalhista adequada e, portanto, elas podem quase explorar o trabalhador. Ou porque os padrões de proteção ambiental também são muito fracos, então podem poluir.
A maneira de tratar isso é regulamentando um pouco mais e pedindo que essas empresas tenham mais responsabilidade corporativa. Hoje isso ainda não está muito difundido. É uma conversa que está pegando força.
"Emprego manual vai sumir, e educação precisa mudar"
Hoje você vai a diversos prestadores de serviços, por exemplo a supermercados, e não tem mais o caixa. Você vai na maquininha, bota o produto, a máquina identifica o produto, você bota dentro do saquinho, paga com cartão de crédito e vai embora. Não tem ninguém para falar com você.
Isso acontece cada vez mais e significa que, para você entrar no mercado de trabalho, precisa ter um nível de educação muito maior do que tinha antigamente.
Não basta mais saber ler e escrever e ter noções básicas de matemática. Tem que saber manusear um computador, ter capacidade de interferir com novas tecnologias, interagir com máquinas mais avançadas, e isso exige um programa educacional e de treinamento profissional muito mais sofisticado.
É um desafio para as pessoas. O que a gente chama de empregos de entrada, o primeiro emprego, que exige pouco do trabalhador, que é trabalho manual basicamente, está desaparecendo.
Tudo que é manual e repetitivo vai sumir. Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC
Motoristas de caminhão e de táxi, por exemplo. Os carros vão ficar autodirigíveis. Esses empregos todos vão desaparecer, junto com empregos indiretamente relacionados a eles. Precisamos ter um sistema educacional que já esteja pensando no que será o mundo daqui a 10 ou 15 anos.
"A OMC está no seu dia a dia, desde quando escova os dentes"
Do momento em que o cidadão acorda até o momento em que ele vai dormir, tudo tem um componente internacional e esse componente é regulado pela Organização Mundial do Comércio. Até quando o cidadão está vendo televisão, o próprio serviço de telecomunicações, de difusão, tudo isso pode ou não ser regulado pela OMC, pode fazer parte de acordos.
Quando o cidadão acorda de manhã e escova os dentes, há uma empresa internacional que está ali. Pode ter elementos que são regulados pela OMC. Sem falar dos produtos importados e exportados. Tudo que é importado ou exportado pelo Brasil, seja na área de bens, seja na área de serviços, é de alguma forma regulamentado pelas regras da OMC.
Mas não é um xerife que vai lá dizendo: "Você está fazendo certo ou está fazendo errado". Não é isso. Existem as regras, e a OMC é a guardiã das regras. E os próprios membros [174 países] se fiscalizam.
Se um acha que o outro não está se comportando direito e violando as regras, ele reclama bilateralmente: "Olha, você não está fazendo as coisas direitinho". Aqui, nas reuniões da OMC, ele também pode apresentar reclamações e leva-las à corte da organização.
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