Brasileira lá fora diz como é trabalhar sem hora certa: flexível e inseguro
A reforma trabalhista que entra em vigor no sábado (11) cria uma nova forma de contrato de trabalho, chamado intermitente. Nela, o funcionário só vai trabalhar quando é chamado pelo patrão, e recebe de acordo com as horas de serviço. Ele não tem a garantia, porém, de que será chamado a trabalhar.
Contratos de trabalho que seguem os mesmos moldes do intermitente já existem em outros países, como o Reino Unido. Lá são chamados de "contratos zero hora".
A fotógrafa paulistana Christina Almeida, 29, teve a oportunidade de trabalhar dessa forma em um café na cidade de Manchester e considerou uma melhora na sua situação, em comparação com outras formas de trabalho que teve antes, sem vínculo algum. Ainda assim, ela afirma que o zero hora não é a forma ideal, por causa da insegurança.
No Brasil, mesmo às vésperas de começar a valer, esse tipo de contratação ainda gera muitas dúvidas em empresários e trabalhadores. O especialista em direito trabalhista Carlos Eduardo Ambiel diz que ele é "complexo" e será necessário tempo para saber se é viável (clique aqui e leia sua opinião).
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Maior flexibilidade, mas com insegurança
Morando desde 2011 no Reino Unido, Christina Almeida trabalhou em diversos bares e restaurantes durante quase todo esse período, desempenhando várias funções.
Ela conta que o ramo de alimentação já é marcado pela informalidade, com grande parte dos trabalhadores sem vínculo de emprego, o que faz com que não tenham horários fixos, direitos trabalhistas ou mesmo a garantia de que serão chamados para trabalhar na semana seguinte.
"As condições de trabalho nessa indústria já são muito irregulares", afirma.
Assim, ela considerou um avanço quando foi contratada por zero hora em um café na cidade de Manchester, entre 2015 e 2016, porque passou a ter férias remuneradas. Essa também era a opinião de seus colegas que estavam na mesma situação, conta.
"Foi a primeira vez na Inglaterra, trabalhando para restaurante e bar, que eu recebi as férias", afirma.
Nos primeiros meses em Manchester, ficou no caixa. Por ser a única que desempenhava a função, seu horário não variava, das 7h30 às 15h30, e tinha a certeza de que seria chamada para trabalhar, mesmo sendo zero hora.
Depois de um período que passou em Nova York, ela voltou para o café em Manchester e ao contrato zero hora. Dessa vez, porém, a vaga no caixa estava preenchida, então teve de fazer outras tarefas.
Com isso, os dias e horários de trabalho deixaram de ser fixos. A escala era passada por seu gerente na semana anterior. Ela diz que não sentiu tanto a mudança, por já estar acostumada com esse ritmo, após ter trabalhado em outros lugares da mesma maneira.
Mais comum em atividade com salário menor
O Reino Unido tinha 883 mil pessoas em contrato de zero hora entre abril e junho deste ano (os dados mais recentes sobre isso), o que representa 2,8% dos trabalhadores do país, segundo o Office of National Statistics, órgão oficial de estatísticas.
Eles são mais comuns em atividades com salários menores, segundo Daniel Tomlinson, analista de pesquisa e política da Resolution Foundation, instituição não governamental de pesquisa e análise de dados sociais e econômicos.
Do total de pessoas nesse tipo de contrato, 23,1% trabalham na área de saúde e assistência social, e 10,5% em hotelaria e alimentação, os primeiros setores do ranking.
Um dos maiores usuários desse tipo de contrato no país é o McDonald's, de acordo com o jornal britânico "The Guardian". Em abril, porém, a publicação noticiou que a rede de fast food ofereceria a 115 mil funcionários zero hora a opção de mudar para contratos fixos, se quisessem.
A proposta veio após funcionários relatarem dificuldades para conseguir empréstimos, hipotecas e contratos de telefones celulares, por não terem garantia de emprego semanal, segundo o "The Guardian".
Empregados querem mais trabalho
Tomlinson diz que parte dos trabalhadores nesse tipo de contrato gosta da flexibilidade que ele proporciona, como estudantes e pessoas "semi-aposentadas".
De acordo com os dados do governo, esse tipo de contrato é mais comum entre jovens, mulheres, estudantes e trabalhadores em meio período.
"Mas, em geral, sabemos que uma proporção maior do que a média de trabalhadores zero hora gostaria de ver um aumento em suas horas (de trabalho)", afirma. "Também há bastante evidência de que um trabalho seguro é bom para o bem-estar do indivíduo."
Segundo os dados oficiais, as pessoas em contratos zero hora trabalham, em média, 21,4 horas por semanas, enquanto a média de todos os trabalhadores é de 32,5 horas. Dos que estão no zero hora, 26,6% gostariam de trabalhar mais. Esse índice cai para 7,1% entre os outros trabalhadores.
Os dados apontam, também, que há uma porcentagem maior de pessoas querendo trocar de emprego entre os que estão em zero hora (11,7%) do que entre os demais (5,9%).
Efeitos na economia
O número de contratos zero hora no Reino Unido cresceu significativamente após a crise econômica de 2008, junto com outras formas de trabalho fora do padrão, como o de meio período e o autônomo, segundo Daniel Tomlinson.
Para o analista, esses trabalhos tiveram um impacto positivo no combate ao desemprego.
"O Reino Unido experimentou uma forte recuperação do emprego em comparação com outras economias e comparado com a nossa própria história, por isso seria justo sugerir que esses tipos de trabalho ajudaram a apoiar o emprego (após a crise)", afirma Tomlinson.
A porcentagem de trabalhadores zero hora cresceu entre 2011 e 2016. Neste ano, o número apresentou uma queda: de 2,9% em 2016, para os atuais 2,8%.
Para Tomlinson, porém, o número de contratos zero hora tem permanecido "teimosamente alto" nos últimos anos, mesmo com o desemprego no país estando muito baixo, atingindo recordes históricos.
Controvérsia
De acordo com uma pesquisa de 2013, feita pela plataforma YouGov a pedido do jornal britânico "The Sunday Times", 67% das pessoas concordavam que "contratos zero hora normalmente são uma coisa ruim - eles não garantem segurança e permitem que patrões explorem empregados".
Dos pesquisados, 20% disseram que "contratos zero hora podem ser uma coisa boa - eles permitem flexibilidade na jornada de trabalho de pessoas em empregos em que a quantidade de trabalho pode variar de semana a semana e em que podem haver períodos sem trabalho a ser feito".
A pesquisa do YouGov ainda apontou que 56% dos adultos britânicos apoiava que os contratos zero hora fossem banidos, enquanto 25% eram contra.
Tomlinson, porém, não acredita que isso aconteça em um futuro próximo. "Em vez disso, espero que o governo passe uma legislação que limite seu uso", afirma.
Uma mudança defendida por ele é que seja oferecida ao funcionário a opção de passar para um contrato regular, com horas mínimas garantidas, após três meses na mesma empresa em um contrato zero hora.
Subemprego ou mais direitos?
No Brasil, a novidade também é polêmica. Antes da aprovação, o Ministério Público do Trabalho emitiu nota técnica, assinada pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, em que classifica essa possibilidade como uma "contratação em condições de subemprego" e uma ameaça ao direito a um salário mínimo mensal dessas pessoas.
Seus defensores, porém, afirmam que é uma forma de garantir direitos a trabalhadores que hoje estão informais ou vivem de bicos, já que, além do salário pelas horas, trabalhadores em contrato intermitente deverão receber o valor proporcional de férias, FGTS, Previdência e 13º salário.
Ainda podem acontecer mudanças na regra
A lei sobre esse novo tipo de trabalho ainda pode sofrer algumas mudanças por meio de um projeto de lei ou medida provisória, que o governo pode divulgar na sexta-feira (10), um dia antes de a reforma começar a valer. Mesmo assim, empresas já anunciam vagas de emprego nessa modalidade.
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