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Um desempregado na sala: como lidar com a demissão de alguém próximo?

Especialistas aconselham a falar abertamente sobre o tema sem exagerar na cobrança - iStock
Especialistas aconselham a falar abertamente sobre o tema sem exagerar na cobrança Imagem: iStock

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

14/11/2017 04h01

O número de pessoas afetadas pelo desemprego é muito superior aos 13 milhões anunciados no final de outubro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Essa situação tem impacto direto na vida de cônjuges, pais, filhos e outros familiares próximos, que muitas vezes não sabem como reagir diante dessa situação delicada e desagradável.

Cobrar do desempregado mais iniciativa para uma recolocação? Não cobrar nada? Falar abertamente sobre o problema? Mudar o foco? Respeitar o momento marcado pelo ócio? Mesmo que sejam horas em frente à TV ou fazendo nada na internet? Como ajudar sem ser invasivo? São estas algumas das perguntas feitas por quem sofre dentro de casa os efeitos do desemprego, mesmo não aparecendo na estatística acima.

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Três dessas pessoas relataram à reportagem as formas que encontraram para lidar com a demissão de pessoas muito próximas. Em comum, elas se depararam com a necessidade de adaptação a uma nova realidade. “No ciclo de vida da família existem fatores imprevisíveis, como a morte e o desemprego. É raro se preparar para a perda do emprego e, quando isso acontece, a família se desestrutura”, afirma a psicóloga Ceneide de Oliveira Cerveny, doutora em psicologia clínica da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista na área de famílias.

Sem medo de chegar junto 

O marido da manicure Zenilda Borges Azevedo, 50, perdeu o emprego como projetista mecânico em junho de 2014. Ficou sem ocupação por cerca de oito meses, período em que mãe e filha conseguiram segurar as contas da casa sozinhas. Ela diz que não fazia cobranças em relação a dinheiro, mas passou a se incomodar com tanto tempo livre do cônjuge --até então sempre empregado.

Zenilda Borges Azevedo, reportagem sobre parentes desempregados - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Zenilda Borges Azevedo, manicure, não fazia cobranças ao marido. Mas começou a se incomodar com tanto tempo livre
Imagem: Arquivo Pessoal
Por causa do mal-estar, partiu para uma conversa franca. “Se para ele estava tudo bem, para mim não estava. Tem pessoas que precisam levar este choque, então fui lá e falei: ‘Se tem tempo para ficar na rua, tem tempo para trabalhar, se ocupar’.” Ela conta que não sentiu medo de piorar a situação nem se arrependeu de “chegar junto”.

O marido de Zenilda não conseguiu recolocação em sua área, mas logo em seguida passou a trabalhar como motorista do Uber. “É preciso ter uma atividade para manter a cabeça ocupada”, resume ela. 

Para Maria Eduarda Silveira, gerente de negócios da empresa de recrutamento Robert Half, é importante falar em casa sobre o desemprego --mas não só sobre isso e com cuidado na abordagem. “O ideal é não pressionar nem cobrar muito, para não aumentar a pressão, a ansiedade e o nervosismo que essa situação já causa. Tenha empatia para ouvir, entender e se colocar no lugar da pessoa desempregada.”

Ceneide, da PUC-SP, desaconselha perguntar diariamente se o desempregado “achou algo”, justamente por aumentar o estresse. “Mas ele falar sobre a busca e seus resultados para a família é importante, pois mostra que está à procura e atuando neste sentido.” Dependendo da idade dos filhos (quando já entendem), a psicóloga também recomenda que eles sejam comunicados da situação, participando da reestruturação de gastos e de tarefas.

“Apoio é diferente de cobrança”

“Por mais que sejam 13 milhões de desempregados, a gente passa a se questionar se tem um bom currículo, se é realmente boa no que faz. A gente já se cobra, não precisa de mais alguém para fazer isso”, diz a psicóloga Larissa*, 37, demitida há quase três anos do RH (recursos humanos) de uma empresa onde trabalhou por oito. “Apoio é diferente de cobrança”, continua ela, que mora sozinha, mas conta com a ajuda --ocasionalmente até financeira-- da família.

Nesse período oficialmente fora do mercado, Larissa teve de aprender a pedir e a aceitar ajuda. “Eu era independente e, muitas vezes, por não querer incomodar, segurei a onda sozinha. Me dei mal, e mudar essa postura foi um aprendizado.” Além da mãe e dos irmãos, ela destaca a importância do apoio de alguns bons amigos.

Luísa*, 54, confirma a personalidade independente da irmã mais nova e diz como tenta ajudá-la. “Procuro não ser invasiva e me coloco sempre à disposição, perguntando se ela precisa de algo. Também não a trato como vítima. Se não conseguiu emprego, não foi por falta de competência, mas sim pela fase difícil que o país atravessa.” Larissa atualmente vive de bicos e pretende montar um consultório de psicologia, mudança de carreira que também teve o apoio da irmã.

“Autoestima do desempregado fica no chão”

Uma pesquisa do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) indica que 59% dos desempregados se sentem desanimados ou até mesmo deprimidos --o estudo divulgado em março deste ano entrevistou 600 brasileiros nesta situação. O analista financeiro Dirceu Canhos Junior, 40, viu isso na prática quando seu marido, administrador de empresas, ficou 14 meses fora do mercado, até agosto deste ano.

Dirceu Canhos Junior, reportagem sobre parente desempregado  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Dirceu Canhos Junior tentava se mostrar forte diante da situação, apontando as competências
Imagem: Arquivo Pessoal
“O mais complicado foi o emocional, porque a autoestima do desempregado fica no chão. Eu tentava mostrar força e animá-lo, ressaltando que ele é competente e que conseguiria se recolocar.”

Segundo Junior, a situação se agravou quando acabou o período do seguro-desemprego, pois o casal precisou rever seus gastos e cortar despesas. “Sempre tomei muito cuidado para não cobrar nada dele, porque foi um momento bastante delicado. E quanto mais tempo em casa, mais triste ele ficava. Pode ser frase de para-choque de caminhão, mas é real: cabeça vazia, oficina do capeta”.

Especializada em terapia familiar, Ceneide alerta que a família deve buscar ajuda de especialistas em casos de depressão. E destaca a importância de o desempregado estar sempre em atividade --seja consertando coisas, descobrindo novas tarefas em casa ou estudando. Para aqueles que têm filhos, as horas gastas na TV e no celular “para se distrair” podem dar um mau exemplo, indicando que o desemprego nem é tão ruim assim.

* Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas