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Greve de caminhoneiros vai piorar emprego, inflação e PIB, dizem analistas

Cristiane Bonfanti, do UOL

03/06/2018 04h00

Mesmo depois do fim da greve dos caminhoneiros, os protestos que pararam o Brasil ao longo dos últimos dias deixarão consequências graves para a economia brasileira. Analistas ouvidos pelo UOL afirmam que os efeitos vão desde um crescimento menor da economia, passando por uma alta na inflação, até uma retomada mais lenta do emprego.

Com o prolongamento da greve, o economista da Órama Investimentos Alexandre Espírito Santo reduziu de 2,5% para 2,2% a projeção para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para o fechamento de 2018.

“Existe todo um problema relacionado ao que foi perdido e ao que deixou de ser produzido na indústria. Nas minhas contas, essa greve deve ter um impacto de até 0,3 ponto percentual no resultado do PIB”, disse.

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O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país e é utilizado para medir o desempenho da economia. No último dia 22, mesmo antes da mobilização, o governo reduziu de 2,97% para 2,50% a projeção para o crescimento da economia em 2018.

Agora, embora a equipe econômica afirme que a estimativa esteja mantida, integrantes do governo dizem internamente que existe o risco de essa alta ficar perto de 2%.

Outras categorias podem cruzar os braços

Na avaliação do economista da Órama, o pior não é a greve dos caminhoneiros em si, mas o risco de outras categorias seguirem o mesmo exemplo. Os petroleiros iniciaram uma mobilização exigindo redução dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis, entre outras reivindicações.

“A atividade econômica já estava morna, e o desemprego, alto. Agora, essa greve dos caminhoneiros veio colocar mais lenha na fogueira diante desse cenário”, disse Alexandre Espírito Santo.

O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) Marcel Balassiano afirmou que, nos próximos dias, o instituto também deverá reduzir a sua projeção para o desempenho da economia em 2018. Ela está em 2,3% e pode ficar perto de 2%.

“Indústria e comércio pararam. Não sabemos estimar o quanto de perda, mas sem sombra de dúvida haverá prejuízo para a atividade econômica”, disse o economista.

Mercado de trabalho deve abrir menos vagas

Na opinião de Balassiano, a sociedade deverá sentir os efeitos da greve sobretudo no que diz respeito ao emprego e ao seu poder de compra. Segundo o pesquisador, com um crescimento mais lento da economia, a tendência é que o mercado de trabalho abra menos vagas do que o esperado inicialmente.

Ele vinha projetando uma taxa de desemprego de 10,8% no fim do ano, ou cerca de 11,2 milhões de pessoas sem trabalho, mas essa estimativa deve ser revista. Hoje, pelos números do IBGE, hoje, há 13,4 milhões de desempregados no Brasil, o que equivale a uma taxa de desocupação de 12,9%.

“Com a recuperação mais lenta da economia, o emprego também vai demorar mais a reagir”, afirmou.

Crise agrava problema nas contas públicas

Balassiano afirmou que a greve dos caminhoneiros coloca outra interrogação sobre o resultado das contas públicas no fechamento do ano. Apenas para garantir uma redução de R$ 0,30 no preço do diesel nas refinarias (de um total de R$ 0,46 de desconto), o governo afirmou que pagará do bolso R$ 9,5 bilhões até dezembro.

Mesmo com o acordo firmado com os caminhoneiros, a equipe econômica disse que a meta de economia para o ano está mantida. O objetivo do governo é registrar um resultado negativo de R$ 159 bilhões no ano, considerando a diferença entre receitas e despesas. Mas a União não terá mais um centavo de sobra para gastar.

“Subsidiar a redução no preço do diesel vai elevar ainda mais o déficit fiscal [diferença entre receitas e despesas] do governo, um dos nossos grandes gargalos hoje”, disse o pesquisador do Ibre.

CNI enxerga alta temporária de preços 

O gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, disse que, com o término da greve, as empresas levarão um tempo para se recuperar das perdas que tiveram. O impacto maior será para as que trabalham com produtos perecíveis, como alimentos, ou com animais.

“Existem perdas que são permanentes. Existem granjas, por exemplo, que perderam animais, e empresas de alimentos que pararam seus fornos. Tudo isso gera impacto sobre a economia”, afirmou.

No caso da inflação, Castelo Branco disse que a greve traz um choque “temporário” de preços, sobretudo de alimentos. “Há muitos produtos que foram perdidos e isso vai se refletir nos dados da inflação de maio e junho. Mas esse segmento rapidamente vai se recuperar”, afirmou.

Greve é "terremoto que deixa lembranças negativas"

Para além dos protestos, o economista da CNI disse que o prejuízo maior é a “perturbação” causada na economia, com reflexos sobre a confiança dos empresários e das famílias.

“É como um terremoto que deixa lembranças negativas justamente no momento em que a economia estava num processo de consolidação”, afirmou.

De acordo com os dados da CNI, 45% das indústrias chegaram a ficar paradas durante a greve dos caminhoneiros por falta de matéria-prima ou pela dificuldade de enviar a sua produção aos distribuidores.

Apenas nos primeiros oito dias dos protestos, cerca de US$ 1 bilhão foi perdido em exportações, principalmente de produtos manufaturados e alimentos. Além disso, mais de 100 milhões de aves foram sacrificadas, e 300 milhões de litros de leite jogados fora.