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Falta de jornal velho afeta produção de abacaxis e trabalho de funerárias

Lucas Gabriel Marins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

28/06/2018 04h00

O produtor e engenheiro agrônomo Ricardo Domingues, 62, de Santa Isabel do Ivaí (PR), sente falta dos jornais impressos locais. Não para ler as notícias do dia, hoje consumidas pela internet, mas para enrolar os abacaxis de sua propriedade.

Ele e outros 79 agricultores do município paranaense, integrantes da Aproanp (Associação dos Produtores de Abacaxi do Noroeste do Paraná), utilizam os diários antigos para proteger os frutos do sol. “Mas hoje está difícil de consegui-los por aqui”, disse Domingues.

Outros setores também sentem a falta de jornais, incluindo as funerárias, que usam o papel para nivelar os corpos nos caixões.

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Os produtores costumavam comprar os impressos antigos nos principais jornais da região, como "Diário de Maringá", "Diário do Noroeste", "Ilustrado" e "Folha de Londrina". Com R$ 1,60, eles adquiriam um quilo de jornal, o suficiente para enrolar 210 abacaxis.

Jornais são disputados com funerárias

No entanto, como no restante do mundo, a tiragem dos periódicos impressos do noroeste do Paraná também caiu. O "Ilustrado", principal jornal de Umuarama (PR), em 2014 imprimia 14 mil jornais por dia --36% a mais do que atualmente. Já a impressão do Diário de Maringá é de apenas 10 mil exemplares por dia, ante 18 mil em 2014.

“Quase não sobra impresso para vender”, disse Sergio Carniel, responsável pelas compras e pelo almoxarifado.

Quando sobram, os papéis são disputados entre produtores e outras empresas, como pet shops, revendedores de ovos e até funerárias.

Uma delas é a funerária Prever, localizada em Loanda (PR), município vizinho a Santa Isabel do Ivaí. O gerente Fernando Alves Moreira relata que os jornais são utilizados para posicionar e nivelar o corpo dentro do caixão. Por mês, são cerca de cem quilos do papel.

“Mas, por causa dessa crise no jornalismo, também não estamos encontrando o jornal. A solução tem sido comprar pó de serra, que chega a sair por R$ 5 o quilo, 68% mais caro que o impresso”, afirmou.

Produtores buscam jornais em São Paulo

A alternativa de Domingues e outros produtores foi buscar jornais na capital paulista. O problema é que o quilo do papel no estado vizinho, disse Domingues, custa R$ 2,20 (30% mais caro que o do Paraná) já com o frete.

“E isso a gente não consegue repassar para o consumidor final, pois quem manda no abacaxi é a oferta e a demanda”, afirmou João Henrique Rodrigues, filho do engenheiro Ricardo e também produtor de abacaxis.

Ele relata que Santa Isabel do Ivaí tem 180 hectares plantados de abacaxi. Para cada hectare, são necessários 180 quilos de jornal. Isso significa que, para embrulhar todos os frutos da safra de 2017/2018 (estimada em 5.800 toneladas), ele, seu pai e os outros vão gastar R$ 71,2 mil.

Isso sem contar a mão de obra, que faria os gastos praticamente triplicarem.

Professor sugere alternativa, mas ela é bem mais cara

Para Denis Fernando Bife, professor de fruticultura da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o jornal é um item importante não somente na produção de abacaxis, mas de outras frutas, como a melancia e o melão.

Por causa da falta de impressos na região, disse ele, uma alternativa para os produtores seria a tela sombrite, normalmente utilizada na proteção de hortas.

“Sairia mais caro no primeiro ano, mas poderia ser reaproveitada pelo menos nos oito anos seguintes. Bastaria ter zelo na hora de retirá-la”, afirmou.

Fizemos as contas. Para colocar sombrite em um hectare, os produtores precisariam gastar R$ 10 mil, sem contar a mão de obra. Como há 180 hectares em Santa Isabel do Ivaí, o custo seria de R$ 1,8 milhão. Por isso o jornal é a opção mais barata para os agricultores.