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Faz 20 anos que o valor do dólar é livre; é melhor assim ou ter preço fixo?

Juliana Elias

Do UOL, em São Paulo

18/01/2019 04h00

Há 20 anos, poucos dias depois da posse de seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso e seu time do BC (Banco Central) anunciavam o fim de um dos pilares dos primeiros anos da gestão: o câmbio fixo. Com ele, se foi também de vez a paridade de R$ 1 para US$ 1 que o real chegou a ter.

Apesar de ter sido essencial na matemática do Plano Real que controlou a hiperinflação, em 1994, o câmbio fixo chegou ao fim de 1998 esgotado. O rombo nas contas externas disparou, e o país flertava com a recessão. Crises cambiais e a mudança para o regime flexível eram tendência em todo o mundo emergente e apenas questão de tempo no Brasil.

Com a adoção do câmbio flutuante, o real perdeu toda a previsibilidade que só os regimes fixos têm e passou por bons choques desde então. Por outro lado, com o governo livre de bancar o dólar do próprio bolso, a dívida externa é um problema que ficou para trás, e o país ficou muito mais robusto para enfrentar crises internacionais.

"Os dois sistemas têm desvantagens", disse o economista Emerson Marçal, que coordena o Observatório do Câmbio, projeto do Centro de Macroeconomia Aplicada da FGV (Fundação Getulio Vargas). "Mas, se a flutuação traz imprevisibilidade, o câmbio fixo traz sérios desequilíbrios nas contas externas, o que é muito pior."

O que é a taxa de câmbio?

A taxa de câmbio de um país é o preço de sua moeda lá fora: como qualquer mercadoria, seu valor sobe se muitas pessoas procuram e cai quando todos querem vender.

Economia doméstica fraca, preços internos altos e crises em outros países são razões que causam uma fuga de capitais: os investidores querem ir embora, as exportações caem, e os turistas deixam de vir.

No regime flexível, a cotação do dólar segue esses movimentos, e é dessa disponibilidade maior ou menor da moeda estrangeira no país que vêm os seus preços diários na moeda local.

No fixo, essas mesmas entradas e saídas continuam acontecendo, mas é o governo quem determina a taxa e que tem que arcar com a diferença.

Se há uma fuga de capitais, o BC vende dólares no mercado para compensar os que estão indo embora. Se ele passa meses ou anos fazendo isso, mantendo a taxa de câmbio abaixo do que ela de fato vale, a conta começa a ficar cara. Não sobra mais de onde tirar dólar.

Câmbio fixo comeu reservas e disparou dívida

No caso do Brasil, foi com as reservas internacionais e empréstimos do FMI (Fundo Monetário Internacionais) que o governo cobriu os últimos respiros do dólar a R$ 1.

As reservas internacionais são uma poupança que os governos mantêm em outras moedas para se proteger de crises externas. Em menos de um ano, elas despencaram à metade: saíram de US$ 74 bilhões em abril de 1998 para US$ 36 bilhões em janeiro de 1999.

O rombo da dívida externa, por sua vez, saltou de US$ 14,8 bilhões em janeiro de 1998 para US$ 40,4 bilhões em janeiro de 1999, o equivalente a quase 8% do PIB (Produto Interno Bruto) de então. Os números consideram a dívida líquida do governo federal e do Banco Central juntos, quer dizer, a diferença entre tudo o que o tinham para receber e para pagar em dólares.

A adoção do câmbio flexível foi oficialmente anunciada em 18 de janeiro de 1999. Em fevereiro, o dólar já batia R$ 2 pela primeira vez, na chamada "maxidesvalorização do real".

Hoje, as reservas internacionais formam um colchão de US$ 380 bilhões, e a dívida externa é negativa, o que significa que o Brasil é credor, e não mais devedor no mercado internacional. Em novembro do ano passado, dado mais recente, a folga entre tudo o que governo federal e BC tinham a pagar e a receber em dólar era de US$ 349,2 bilhões, ou 19% do PIB em moeda estrangeira sobrando.

Juro, hoje em 6,5%, chegou a 50% para manter câmbio

Se no sistema de câmbio flutuante é o dólar que pode disparar de um dia para o outro, no câmbio fixo isso acontece com os juros.

A taxa de referência dos juros da economia hoje é a Selic. Ela é determinada pelo BC para controlar a inflação: se os preços estão altos, ela sobe, o crédito fica caro, as pessoas consomem menos, e os preços caem.

No câmbio fixo, os juros viram arma de atração de investidor estrangeiro, pelas altas remunerações. "Parte da política econômica do país fica subordinada ao câmbio", disse a economista especializada em câmbio Daniela Prates, professora da Unicamp (Universidade de Campinas). "O governo se vê obrigado a subir os juros para atrair capital e fechar as contas externas."

O problema é que juros altos também geram recessão: em 1998 e 1999, foram três trimestres de queda no PIB.

Hoje, a Selic é definida em reuniões que acontecem a cada 45 dias e costuma ser alterada entre 0,25 a 1,5 ponto de cada vez. Atualmente, está em 6,5% ao ano.

Nos anos de câmbio fixo, os juros podiam ser alterados a qualquer momento. Só em setembro de 1998, foram duas revisões, e, em uma delas, a taxa subiu de 29,75% para 49,75%.

Problema atual é dívida interna

Hoje, o Brasil se encontra altamente endividado novamente. Dessa vez, porém, o problema é a dívida interna.

Do contrário do que sempre aconteceu no passado, é ela que representa a maior parte dos débitos públicos: 95% da dívida pública são coisas que os governos (federal, estaduais e municipais) devem aqui dentro mesmo.

São mais de 70% do PIB em dívida. Como qualquer dívida, isso compromete a credibilidade do país e também sua capacidade de continuar investindo. Tem uma vantagem, porém: como ela não é mais em dólar, o governo fica bem menos refém das flutuações da moeda.

O que o PIB tem a ver com a sua vida?

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