Mulher deve contribuir 5 anos menos que homem para se aposentar?
Resumo da notícia
- Mulher poderá se aposentar com 15 anos de contribuição; homens com 20 anos
- Projeto inicial do governo definia 20 anos para todos
- Relator afirma que hoje mulheres se aposentam com 18 anos de contribuição, em média
- Defensores de tempo menor afirmam que mulheres não conseguiriam se aposentar com 20 anos
- Quem quer mesmas regras diz que Previdência não deve compensar as desigualdades do trabalho
O texto do relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), diminuiu em cinco anos o tempo de contribuição para que as mulheres consigam se aposentar, em comparação com a proposta original, enviada pelo governo ao Congresso em fevereiro.
Pela proposta do relator, elas precisarão de 15 anos de contribuição, e não 20. Essa redução faz sentido? Veja a opinião de especialistas.
O que pode mudar?
Atualmente, a maioria das mulheres pode se aposentar de duas formas: se contribuir por 30 anos, sem idade mínima, ou se completar 60 anos de idade, mas precisando contribuir por 15 anos.
Homens precisam ter 35 anos de contribuição, sem idade mínima, ou 65 anos de idade e os mesmos 15 anos de contribuição das mulheres.
Com a reforma, as mulheres precisarão de 62 anos de idade e os homens, 65 anos, além de um tempo mínimo de contribuição.
O governo queria estabelecer o mínimo de 20 anos, para ambos os sexos. O relator, porém, diminuiu esse tempo para 15 anos para as mulheres. No caso dos homens, continuam 20 anos.
Mais dificuldade para alcançar o mínimo
Para justificar a mudança em relação ao projeto do governo, o relator afirmou em seu parecer que atualmente as mulheres se aposentam, em média, com 18 anos de contribuição, enquanto os homens, com 21 anos.
"Não vislumbramos como impor às mulheres um tempo de contribuição que exceda o tempo médio que conseguem somar", afirma o deputado em seu texto.
Grande parte das mulheres não trabalha com carteira assinada por muito tempo, não conseguindo contribuir pelo tempo necessário. Além das desigualdades do mercado de trabalho, muitas acabam deixando o emprego ou fazendo bicos para cuidar dos filhos e da casa.
É notório que o afastamento do mercado de trabalho para cuidado dos filhos ou de algum familiar em situação de dependência ou com deficiência prejudica as mulheres e, portanto, justifica-se este tratamento diferenciado em relação ao tempo de contribuição total que precisa atingir
Samuel Moreira
44% não se aposentariam, diz pesquisadora
Joana Mostafa, pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é contrária ao mínimo de 20 anos para as mulheres. Ela chamou esse limite de perigoso, ao participar de audiência pública sobre o tema na Câmara no final de maio, antes da apresentação do texto do relator.
Com base em dados de 2014, ela afirmou que 44% das mulheres que se aposentaram naquele ano não alcançaram os 20 anos. Assim, não teriam conseguido se aposentar se as regras fossem mais rígidas. No caso dos homens, esse percentual cai para 18,5%.
Joana disse que as mais prejudicadas acabam sendo as mais pobres, que têm menos tempo de estudo e, consequentemente, conseguem trabalhos mais precários, com salários menores e muitas vezes sem carteira assinada, não contando para o tempo de aposentadoria.
Não são prejudicadas só as mulheres pobres
Denise Lobato Gentil, professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirmou, porém, que não são apenas as mulheres mais pobres que enfrentariam dificuldade para se aposentar, por causa da alta taxa de desemprego entre as mais escolarizadas.
"Não são só as mulheres pobres as prejudicadas por essa PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. As da classe média também. As mulheres com maior escolaridade são aquelas que mais enfrentam taxas de desemprego elevadas", disse.
Citando dados do IBGE sobre desemprego no primeiro trimestre deste ano, ela afirmou que mais de 60% das mulheres desempregadas têm pelo menos o ensino médio completo.
Essas mulheres não conseguirão contribuir regularmente. Não conseguirão contribuir até acessar os 20 anos de tempo de contribuição
Denise Lobato Gentil
Aposentadoria mais cedo é "privilégio", diz especialista
Na audiência pública sobre o tema, Solange Paiva Vieira, presidente da Susep (Superintendência de Seguros Privados), disse que não vê necessidade de que a mulher se aposente mais cedo. Ela considera essa possibilidade um "privilégio". Entre outros motivos, porque mulheres vivem mais do que os homens.
Ela considera "inegável a discriminação de mulheres no mercado de trabalho", mas disse que essas desigualdades, como salários mais baixos, não devem ser compensadas por regras mais brandas de aposentadoria, e sim com condições de trabalho equivalentes.
Nós queremos ser beneficiadas na Previdência ou nós queremos lutar por direitos iguais no mercado de trabalho? Para mim, as duas coisas são bem diferentes.
Solange Paiva Vieira
Essa também é a visão de Zélia Luiza Pierdoná, professora da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie.
Vamos promover igualdade com outros instrumentos; não com um instrumento tão caro quanto a Previdência Social
Zélia Luiza Pierdoná
Dupla jornada
A presidente da Susep também considera que o fato de que as mulheres são muito mais responsáveis pelos trabalhos domésticos do que os homens, a chamada dupla jornada, não é justificativa para a aposentadoria mais cedo.
"Às vezes me parece um pouco que os homens defendem uma idade mais jovem de aposentadoria para as mulheres, porque temos uma estrutura patriarcal nas nossas famílias, e os homens não ajudam em casa", afirmou.
"O fato de nós termos uma jornada maior, para mim, não é motivo para a Previdência me aposentar mais cedo, mesmo porque eu quero ficar no mercado de trabalho, mas é motivo para mudarmos a nossa estrutura familiar em casa", disse Vieira.
Joana Mostafa afirmou que, apesar de atualmente as mulheres poderem se aposentar cinco anos antes como forma de compensar, inclusive, a dupla jornada, na prática isso não acontece.
Os homens se aposentam [em média] com 59,2 anos e as mulheres, com 58,3. Não temos nem um ano de diferença de vantagem, ou seja, nunca nos foi efetivamente dado o reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado, ainda que, em tese, tenha sido dado
Joana Mostafa
Rombo da Previdência
Solange Vieira também defende que a Previdência "está chegando a um nível de gastos insustentável", colocando em risco a capacidade de financiamento de outros benefícios sociais que permitem que as mulheres trabalhem e contribuam para sua aposentadoria, por isso a necessidade da reforma.
"Precisamos, sim, de um Estado forte, de um Estado com recursos financeiros, que possa dar creche para os nossos filhos, que possa ter escolas em tempo integral e que possa permitir que a gente vá trabalhar com tranquilidade", afirmou.
Sem essa estrutura do governo, as mulheres não conseguirão se aposentar, seja com 20 anos ou 15 anos de contribuição, afirmou Solange.
Se as mulheres começarem a ter que se ausentar do mercado de trabalho, principalmente as mulheres pobres, porque não há escolas e creches para deixarem os seus filhos, não será o tempo de contribuição de 15 anos que vai fazer com que elas tenham aposentadoria.
Solange Paiva Vieira
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