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Covid-19: Contra judicialização e calote, especialistas defendem negociação

Do UOL, em São Paulo

07/05/2020 14h09Atualizada em 07/05/2020 15h39

Em tempos de pandemia e seus impactos sobre a economia e os serviços, especialistas recomendaram hoje, durante o UOL Debate, que consumidores evitem calotes e judicialização de dívidas. Na avaliação deles, a melhor alternativa é sempre a negociação.

O programa discutiu os direitos dos consumidores no cenário atual de pandemia da covid-19. Participaram do debate Fernando Capez, secretário de Defesa do Consumidor e diretor-executivo do Procon-SP, Roberto Pfeiffer, especialista em direito comercial e professor da USP, Edu Neves, CEO Brasil do Reclame Aqui, Iausy Martins Pêra, advogada, professora e diretora jurídica do Grupo Educacional Unicesumar, e Júlia Mendonça, educadora financeira e youtuber.

"Eu costumo sempre comparar com a taxa Selic [taxa básica de juros]. Se você vai ter um desconto maior, vale a pena se descapitalizar agora e juntar para pagar essa eventual dívida", disse Júlia Mendonça. Para ela, deixar de pagar uma dívida trará prejuízos para a outra parte em um momento complicado.

"Nesse momento, a gente tem que ver o outro lado. Gosto de pensar no exemplo do aluguel. A mesma pessoa que compra o apartamento e aluga, às vezes, essa é a renda que ela tem, e a gente não pode dar o calote. Tem que ter esse bom senso. É interessante você sentar e conversar com a pessoa. O melhor agora é justamente conversar. Entendo que sai do entendimento das pessoas, mas o lado mais humano de você conversar com quem você está devendo é a nossa maior ferramenta no momento", disse.

Ação na Justiça não é melhor opção

"O Procon estimula, sim, a negociação. Esse é um momento em que temos que buscar harmonia, não conflito. Judicializar não é a melhor opção. Ela traz um caminho demorado e incerto. No caso dos aluguéis, já estão ocorrendo decisões judiciais", afirmou Fernando Capez.

"O Judiciário está começando a analisar situações e determinando reduções, e muitas vezes não pode ser ideal. Por isso que é importante que as partes se unam para conversar", completou.

Ninguém deve procurar levar vantagem sobre ninguém numa situação como essa. É uma pandemia, uma catástrofe. Todo mundo tem que perder um pouco para que todos possam ganhar. A boa-fé e muito importante
Fernando Capez, secretário de Defesa do Consumidor e diretor-executivo do Procon-SP

Para Roberto Pfeiffer, "sempre deve se esgotar a possibilidade de negociação". "É um campo fora das relações de consumo, e o Código do Consumidor não se aplica. A judicialização trará incertezas", disse o professor.

"Há um projeto no Senado tramitando em regime de urgência que prevê a impossibilidade de despejo por falta de pagamento. Me parece que é uma medida correta na pandemia. Porém, por outro lado, isso talvez leve a um maior estímulo à renegociação", disse.

O caminho do Judiciário é o último caminho. O risco na judicialização é ambas [as partes] perderem tudo ou uma das partes perder muito.
Roberto Pfeiffer, especialista em direito comercial e professor da USP

A avaliação foi semelhante à de Iausy Martins Pêra. Para ela, é preciso observar quanto cada parte é atingida em cada situação.

"De uma forma geral, essa pandemia alcançou a todos: o consumidor, o empresário, o locador e o locatário. Na hora da negociação, o que tem que ser levado em consideração é o quanto esse momento atingiu a pessoa, a parte. Quando o poder Judiciário intervém nessas situações, inclusive de maneira coletiva, quando isso acontece, a gente deixa de levar em consideração a necessidade de verificarmos a situação e julgarmos individualmente", disse a advogada.

Crédito para usar depois

Na avaliação de Fernando Capez, em vários casos, o crédito para consumir depois é mais recomendado do que o reembolso.

"Diante da situação, ninguém estava preparado. Em linha geral, preserva o crédito, preserve a passagem, o ingresso e usa posteriormente, assim que passar a pandemia. Os fornecedores não vão cobrar nenhuma taxa de remarcação", disse.

Medidas provisórias podem atrapalhar

De acordo com Capez, a publicação de medidas provisórias específicas sobre determinados serviços podem até atrapalhar algumas negociações que ele acredita serem já cobertas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O Código do Consumidor nos dá plenas condições de, com bom senso, equilíbrio e razoabilidade, propormos soluções. As medidas provisórias acabam mais atrapalhando do que ajudando, porque vai resolver uma situação específica que já estava sendo resolvida independentemente dela.
Fernando Capez, secretário de Defesa do Consumidor e diretor-executivo do Procon-SP

O discurso foi semelhante ao do professor Roberto Pfeiffer. "Eu acho que a gente tem um sistema robusto, o Código do Consumidor. Por exemplo, todos os problemas mais recorrentes —sejam academias de ginastica interrompidas, o sistema educacional, passagens aéreas—, a regra vai ser, sempre que possível, a manutenção desse contrato."

Para ele, porém, as medidas provisórias acabam não contemplando as exceções.

Aumento de reclamações contra empresas

Edu Neves, CEO Brasil do Reclame Aqui, afirmou que a empresa vem registrando diversas reclamações a respeito da pandemia.

"A gente vem acompanhando as reclamações ligadas a questões da pandemia. As primeiras em relação a viagens e passagens, já havia o surgimento da preocupação. Depois, foram adentrando outros assuntos, como banco, telecomunicação, mas, linearmente, eu diria que de 12% a 15% disso é objetivamente fruto da pandemia. Desde janeiro, são 175 mil objetivamente ligadas", afirmou.

Escola não precisa dar desconto se entregar conteúdo

Outro tema abordado durante o debate foi a questão da educação. Iausy Martins Pêra afirmou que as escolas não precisam dar descontos para as famílias por trocar as aulas presenciais pelo sistema EAD (educação à distância) durante a pandemia do coronavírus.

Ela disse, ainda, que mensalidades só devem ser suspensas quando há uma suspensão completa de serviços, sem qualquer contrapartida para o consumidor.

O secretário de Defesa do Consumidor do Procon-SP, Fernando Capez, reforçou que as famílias podem negociar descontos que tenham relações com serviços acessórios que não estejam sendo prestados.

"Todas essas atividades que não podem ser oferecidas à distância, como alimentação e cursos extras, não podem ser cobradas", afirmou. No caso da cobrança, as atividades deverão contar com reposição.