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Dólar alto quase sempre aumenta inflação; por que não acontece isso agora?

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

13/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Moeda americana sobe mais de 40% em 2020, mas inflação até desacelera
  • Consumo fraco e estoques elevados por causa da crise do coronavírus impedem repasse de preços
  • Retomada da economia e aumento de gasto público podem realimentar a inflação, dizem economistas

Mal chegamos à metade do ano, e o dólar já acumula valorização superior a 40% ante o real, pulando de R$ 4,00 para perto de R$ 5,90 em menos de cinco meses. Mas diferentemente do que normalmente ocorreu no Brasil, a alta da moeda americana dessa vez não se transformou em inflação mais elevada no país. Ao contrário, os índices de preços estão até desacelerando. Então o que aconteceu?

Afinal, como regra geral, a inflação no Brasil sempre subiu puxada pelo dólar mais caro. Isso porque muitos produtos consumidos aqui chegam do exterior - do trigo do pãozinho ao automóvel importado, passando por eletrodomésticos. E mesmo itens made in Brazil, como a carne ou o petróleo, têm suas cotações definidas no mercado internacional, portanto em dólar.

Segundo economistas, as necessárias medidas de isolamento social para conter o novo coronavírus jogaram a economia em uma recessão. E, com menos clientes comprando, o empresário não consegue repassar o aumento de custos.

Pouco consumo e muito estoque

A relação direta entre dólar e inflação não mudou. O que acontece agora é que não existe renda. A gente teve um abismo de demanda. Então o empresário não consegue repassar preços. O que existe é um aumento de preços represado.
Michael Viriato, professor de finanças do Insper e mestre em modelagem matemática em finanças pela USP

O professor de finanças do Ibmec-SP Daniel Carrasqueira de Morais destaca que, além de não haver como empurrar repasse de preços porque o consumidor está sem dinheiro, os empresários ainda têm estoques com produtos que foram importados com um dólar mais baixo.

"Houve uma apreciação muito rápida do dólar este ano. E os últimos lotes de produtos e insumos que estão abastecendo o consumo ainda são de estoques feitos com dólar mais baixo. Esses estoques não foram consumidos porque a demanda está sendo muito menor que a esperada por causa da covid-19", afirma Morais.

Crença na inflação controlada

O consumo baixo é neste momento o principal motivo dessa nova relação entre dólar alto e inflação baixa no Brasil, mas não o único, dizem economistas. Eles destacam que desde 2015 os agentes econômicos - empresários, instituições financeiras, investidores e consumidores - passaram a acreditar mais no poder do Banco Central para controlar a inflação.

Bem ou mal, os governos recentes assumiram políticas econômicas baseadas no controle de gastos, em que as despesas públicas não são financiadas por mais emissão de moeda.
Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP).

De fato, as projeções feitas pelo mercado para os próximos anos mostram uma inflação dentro das metas do Banco Central, assim como juros mais baixos. Por isso, é menor a possibilidade de que alguém aceite pagar mais por um produto se o reajuste pedido ficar fora do que é o esperado para os índices de preços. Veja abaixo alguns indicadores econômicos.

A diferença em relação ao passado é que desta vez partimos de um ponto em que há ociosidade na economia e uma inflação já controlada.
Patricia Krause, economista para América Latina da empresa financeira Coface

Até quando esse novo normal prevalece

Profissionais de mercado dizem que o dólar pode até ceder um pouco, mas não deve mais voltar à casa de R$ 4. A incerteza sobre a economia global ainda faz com que muitos investidores continuem procurando a moeda americana como porto seguro.

O dólar vem se apreciando ante outras moedas no mundo e não é apenas ante o real. Então, o dólar vai continuar em alta independentemente do que fizermos aqui. Até porque os Estados Unidos devem sair da crise antes de outros países.
Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos

Inflação pode voltar quando economia melhorar

Os economistas alertam que a inflação pode voltar a ser alimentada pelo dólar, assim que a economia se aquecer novamente. "O repasse cambial para a inflação no Brasil é um dos mais altos da América Latina, estimado entre 6% a 8%, ou seja para cada 10% de desvalorização do real, há um aumento de 0,6 a 0,8 ponto percentual no IPCA em até 12 meses", afirma a economista e estrategista de câmbio do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte.

"Enquanto estivermos nessa recessão, a dupla câmbio alto e inflação baixa podem coexistir, mas assim que a atividade econômica começar a dar sinais de recuperação, um dos dois devem sair do plano.
Fernanda Consorte

Essa volta do contágio da inflação pelo dólar no Brasil pode ser mais intensa se as pessoas deixarem de acreditar na capacidade do governo de controlar os gastos públicos, afirmam economistas.

"Não está no horizonte que o governo vai financiar o setor público com emissão de moeda. Mas, se por hipótese, o Paulo Guedes for embora, e Bolsonaro chamar alguém que tenha um viés mais expansionista, os preços podem começar a subir por conta de repasses", diz Emerson Marçal, professor da FGV.