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José Paulo Kupfer

Abril inaugura período de deflação de preços que promete ser duradouro

08/05/2020 18h47

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A variação de preços, em abril, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), apontou deflação. Dos nove grupos que formam o índice calculado pelo IBGE, apenas dois - alimentação e vestuário - registraram pequenas alta de preços. Nos sete restantes, com destaque para combustíveis, no grupo Transportes, que registrou variação negativa de 9,35%, os preços despencaram.

O tombo teria sido ainda maior, se os preços de alguns alimentos, não por coincidência gêneros de primeira necessidade, não tivessem explodido. Foi o caso da cebola (mais 37,8%), da batata (mais 22,8%) e do feijão-carioca (mais 17,3%).

Abril foi o primeiro mês cheio de convívio brasileiro com a epidemia de Covid-19. A tendência é a de que o movimento de deflação se intensifique, nos próximos meses. Isso se dará pela severa redução de renda, tanto de empresas quanto de trabalhadores, potencializada pela alta do desemprego. Haverá também contribuição de fatores externos, como a retração nas cotações das commodities.

As projeções para a taxa de inflação em 2020 convergem para um nível muito baixo, inferior a 2%, abaixo do piso do intervalo do regime de metas de inflação, que é de 2,5%, para um centro da meta de 4%. A média dos núcleos de inflação, medidas que descontam eventos esporádicos ou extraordinários do cálculo, não passaram, no mês de abril, de 1,46%, no acumulado em 12 meses. Podem recuar ainda mais nos próximos meses, indicando processo deflacionário agudo.

Apenas no segundo trimestre, no qual se supõe ocorrerá o pico da epidemia no Brasil, o Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas), estima uma adição de 5 milhões de novos desempregados aos 12 milhões existentes. A taxa de desemprego saltaria de 11,6% para mais de 16%.

O choque será generalizado ao redor do mundo, e só nos Estados Unidos, de acordo com informações divulgadas nesta sexta-feira (8), o desemprego saltou de 3,5%, em março, para 14,7%, em abril. Um recorde desde a Segunda Guerra Mundial, que colocou no desemprego um espantoso contingente de 20,5 milhões de trabalhadores.

A pandemia da Covid-19 causou um incomum choque simultâneo de oferta e demanda, o que resultou num abrupto colapso da atividade econômica. A restrição da circulação de pessoas, até aqui a fórmula mais eficaz de mitigar o contágio, a pressão sobre os sistemas de saúde e as mortes em massa, derruba tanto a produção quanto a demanda. Pessoas em casa ou doentes não podem produzir, nem consumir, pelo menos na escala normal.

No quesito das variações de preços, deflação tem sido um fenômeno muitíssimo menos comum do que o da inflação. Sobretudo em países de economia frágil, como o Brasil, isso se deve a razões históricas. Tais razões remetem ao arranjo produtivo ineficiente em economias subdesenvolvidas, hoje chamadas com mais suavidade de "emergentes".

A escassez de capital e de infraestrutura, incluindo tecnologia, determina produção em volume normalmente menor do que a demanda. A maneira de a primeira absorver a segunda é pela via da inflação. Quem pode menos, perde a competição de preços, e se vê obrigado a desistir do produto ou serviço. Em outras palavras, a inflação é um fenômeno distributivo em favor de quem detém mais renda.

Já a deflação expressa fenômeno inverso ao da inflação. Nos casos de deflação, a demanda é inferior à oferta. Menos gente querendo adquirir o que é oferecido força a queda nos preços. Seu caráter distributivo, inversamente ao que se dá com surtos inflacionários, opera em favor dos mais pobres.

Tanto quanto no caso da inflação, um processo de deflação expõe desequilíbrios na economia. Se duradoura, a deflação, que tende a reduzir as margens do produtor, põe em risco os negócios e os empregos. Quando duradouro, o fenômeno da deflação é uma indicação de economia em crise, operando em ambiente de recessão ou, se o mergulho da variação de preços for muito forte, de depressão.

Enfrentar um estado de deflação não é simplesmente inverter o sinal das políticas econômicas, sobretudo na área monetária, aplicadas contra processos inflacionários. No atual regime de metas de inflação, por exemplo, quando a inflação tende a se manter elevada, a primeira providência do Banco Central é aumentar a taxa básica de juros, tirando dinheiro de circulação, encarecendo o crédito, e esfriando a demanda.

Mas a experiência mostra que cortar juros, para ativar a economia, em períodos de deflação, nem sempre funciona no automático. O Japão é um exemplo histórico de economia sem inflação, mas fria há mais de duas décadas, que não avança o necessário nem com taxas de juros negativas.

Conviver com um ambiente de recessão/depressão econômica, que tende a resultar num quadro deflacionário acentuado e duradouro, exigirá pesquisar e adotar medidas econômicas corretivas incomuns e extraordinárias