Novas regras podem te deixar sem crédito por seu trabalho, endereço e idade
Resumo da notícia
- Empresas como Serasa e SCPC criam indicadores que dificultam financiamentos e empréstimos
- Mesmo alguém em dia com suas contas hoje pode ser prejudicado por causa de um suposto futuro
- Especialistas dizem que novos índices podem ser questionados
Os birôs de crédito, empresas que armazenam informações de bons e maus pagadores e dão notas (score) estão lançando novos indicadores que podem atrapalhar a concessão de empréstimos bem no meio da crise do coronavírus. Esses novos indicadores podem barrar um financiamento dependendo de qual é o seu trabalho, idade ou de onde você mora.
Os modelos tradicionais de análise de crédito, como cadastro positivo ou contas em atraso, olham para o passado. Mas esses novos indicadores tentam prever o futuro. As empresas dizem que o objetivo é apoiar os clientes (comércio, bancos, financeiras) a decidir se emprestam dinheiro ou não, com mais segurança.
Pandemia exige previsão mais pessimista
Segundo os birôs, a crise econômica provocada pela covid-19 deixou famílias e empresas sem renda. Assim, mesmo quem sempre foi pontual no pagamento das contas pode estar à beira de entrar no vermelho e ficar inadimplente.
Especialistas em direitos do consumidor e crédito afirmam que esses novos indicadores vão dificultar a obtenção de empréstimos. E alertam que o uso de informações para criar esses indicadores pode ser irregular.
Índice de vulnerabilidade
Um exemplo desses novos indicadores é o de vulnerabilidade, lançado pela Boa Vista SCPC e também pela Serasa Experian.
No caso do indicador da Boa Vista, o Índice de Vulnerabilidade busca identificar a fragilidade econômica dos indivíduos durante o período de crise. Com valor de 1 a 6, o índice utiliza fontes diferentes das que são usadas habitualmente nos scores da empresa, sendo 6 a situação de maior vulnerabilidade.
Seu trabalho e seu endereço influenciam sua nota
Para esse indicador, a Boa Vista inclui análise de dados sobre emprego, demográficos e setoriais, usando fontes públicas e do próprio birô. Assim, como exemplo, levando em conta a região geográfica, uma pessoa ou empresa que está hoje em grandes centros está mais exposta ao impacto do isolamento, enquanto no interior, o impacto é menor. Da mesma forma, dependendo do segmento de atividade em que uma pessoa ou empresa atua, o risco de inadimplência também muda.
"A situação mudou dramaticamente. Os métodos tradicionais de decisão não eram mais suficientes para ancorar as decisões. Nosso objetivo é construir indicadores e scores mais sólidos que ajudem a tomar decisões em situação super atípica", disse o diretor de produtos clássicos da Boa Vista, Alexandre Xavier.
Empresas não revelam muitos detalhes
No caso da Serasa Experian, o novo produto é o Indicador de Vulnerabilidade. Seguindo uma escala de 1 a 13, ele indica o nível de vulnerabilidade de consumidores nesse momento de pandemia, sendo 1 menos vulnerável e 13 mais vulnerável.
O serviço mede a situação atual e o potencial de recuperação do consumidor, utilizando informações anteriores e posteriores ao início da crise, como o Serasa Score, o comportamento de pagamento, assim como as informações demográficas e outros dados do cadastro positivo.
Os birôs não detalham como utilizam essas informações — de endereço, idade ou emprego, por exemplo — na elaboração dos indicadores de vulnerabilidade, alegando que são modelos estratégicos para o negócio deles.
Só piora situação das empresas e das pessoas
Dados da CNC (Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostram que os endividados no país já atingem 67,1% das famílias em junho deste ano.
Entre as micro e pequenas empresas, estudo realizado pelo Centro de Estudos em microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGVcemif) estima que a diferença entre a necessidade e a oferta de crédito para o setor é de R$ 202 bilhões. Ou seja, essa é a quantidade de empréstimos que os micros e pequenos empreendedores precisam hoje, mas não conseguem obter.
Segundo Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif e um dos autores do estudo, as empresas de pequeno porte já sofriam com a falta de crédito em condições normais de mercado, o que foi agravado agora.
Empresa de crédito diz que ajuda consumidor
O diretor da Boa Vista diz que os novos produtos podem na verdade aumentar a chance de uma pessoa ou empresa ter crédito aprovado. "Nosso objetivo é deixar o cliente mais à vontade para dar crédito. Se ele não tem informações, ele fica mais conservador e não dá crédito", afirma Xavier.
Especialistas criticam novos índices
Para o advogado e sócio da Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, Douglas Oliveira, os novos indicadores dos birôs tornam o acesso ao crédito mais difícil. Segundo ele, por causa da crise que o país atravessa, muitas pessoas estão hoje em uma situação mais difícil do que aquela que tinham como histórico de comportamento. "Por isso, entendo que esses indicadores tendem a ser prejudicial ao consumidor", afirmou.
O especialista alerta ainda que os novos produtos criados pelos birôs podem ser uma forma de driblar leis de direito do consumidor. Por exemplo: uma conta não paga de uma pessoa só pode entrar na base de dados do birô depois de um determinado número de dias de atraso. Mas os birôs podem pegar essa informação e usá-la como parte do indicador de vulnerabilidade.
As pessoas não sabem como os dados são usados
No fim, a pessoa só consegue enxergar o indicador, mas não os dados que foram usados para compor o índice.
"Pelo código de defesa do consumidor, a pessoa não pode ter seus dados integrando os scores se não forem respeitadas as regras de inclusão desses dados", afirma o advogado.
Ele destaca, por exemplo, que há casos de inclusão indevida de dados negativados quando uma pessoa fica inadimplente porque teve o cartão de crédito clonado, cita Oliveira.
Isso vale também se for sancionada pelo presidente da República nova lei que suspende as inscrições de negativados por 90 dias.
Os birôs afirmam que todas as informações só entram na composição de scores e indicadores depois de transcorridos os prazos determinados por lei. Atualmente, por exemplo, o setor definiu que dados negativos só são usados depois de 45 dias do atraso de pagamento.
O que fazer
O sócio da Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados diz que o consumidor tem o direto de saber quais informações dele os birôs usaram para fazer os scores e os indicadores de vulnerabilidade.
"Se não for atendido, a pessoa pode procurar o Procon ou ingressar com um pedido judicial por ação declaratória e pedido de danos", afirmou Douglas Oliveira.
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