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Para o mercado, Bolsonaro se afastou da agenda liberal visando reeleição

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, divergem sobre condução da economia - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, divergem sobre condução da economia Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

27/08/2020 17h06

Economistas liberais afirmam que, ao criticar publicamente a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o programa Renda Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deu mais um passo na direção contrária da agenda liberal.

Para os analistas do mercado financeiro, Bolsonaro se mostra mais preocupado com uma possível reeleição e com o aumento do investimento público em obras, o que o aproxima da agenda desenvolvimentista.

Os liberais, capitaneados por Guedes, defendem a redução de gastos públicos e do tamanho do Estado, com um pacote de privatizações. Também afirmam que o crescimento econômico deve ser estimulado por meio do setor privado. Já os desenvolvimentistas defendem que o Estado deve induzir a alta do PIB (Produto Interno Bruto), com investimentos públicos e incentivos fiscais.

"Se julgarmos a postura do Bolsonaro no passado, ele se alinha à ideia de que o crescimento econômico é liderado pelo Estado", disse a economista Zeina Latif, consultora e ex-economista-chefe da XP Investimentos.

Para Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, "o presidente emite sinais contraditórios. Em um dia apoia o Guedes, no outro, o desqualifica. Em um dia defende o teto de gastos, no outro, quer gastar. Isso atrapalha o processo de saída da crise".

Auxílio emergencial acelera ruptura

Para Zeina, o impacto da transferência de renda, por meio do auxílio emergencial, acelerou o processo de ruptura de Bolsonaro com a agenda liberal. O auxílio teria deixado claro que o presidente não tem convicção na agenda de reformas fiscais e que as decisões de política econômica serão tomadas mirando as próximas eleições.

"Na campanha, era nítido que Bolsonaro e Guedes tinham divergências. Era um casamento de conveniências. Uma hora a fatura chega", afirmou. "O momento é de iniciar o desmonte das políticas de aumento de gastos iniciadas na pandemia e retomar a agenda de reformas. É a hora de escolhas difíceis".

Para a economista, o investimento público estimulou o crescimento econômico nas décadas de 1960 e 1970, na ditadura militar, mas não é possível repetir essa fórmula agora porque não há espaço fiscal e, segundo ela, essa fórmula já se mostrou ineficiente.

Durante o governo militar, diz, houve crescimento com base no desenvolvimentismo porque o país era pobre e passou a ter alguma infraestrutura.

O país também teve políticas desenvolvimentistas nas gestões do PT, incluindo nos anos em que houve crescimento econômico.

Zeina defende que o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha uma agenda mais parecida com a dos liberais e que só houve mudança na política econômica no segundo mandato, com a chegada de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda. A nova política teria sido reforçada no governo Dilma Rousseff.

"Quem realmente repetiu a agenda desenvolvimentista de maneira ampla e profunda foi a Dilma. Aí tivemos um desastre. Tivemos um tímido efeito positivo de curto prazo, mas uma herança terrível, de juros altos e inflação", disse.

Sem Bolsonaro, reformas ficam sem pai

A escolha de Bolsonaro de adiar o envio ao Congresso de reformas e medidas para equilibrar as contas públicas para manter a popularidade pode trazer prejuízos para o país, afirmou Solange Srour. Segundo ela, essa é uma sinalização ruim para o mercado, que pode perder a confiança na capacidade do governo de reduzir o tamanho da dívida pública em relação ao PIB.

"Sem confiança, os juros vão subir. Teremos mais inflação, o dólar ficará mais caro e teremos uma crise sem precedentes, enquanto o mundo começa a se recuperar. O Brasil está em uma encruzilhada. Ou faz reformas para se recuperar ou cai na armadilha de governar com aumento de gastos públicos para preservação de popularidade", disse.

Para Srour, a prorrogação do auxílio emergencial, mesmo em menor valor, pode ser uma sinalização ruim para o mercado. A eventual prorrogação do estado de calamidade, declarou a economista, seria o mesmo que acabar com teto de gastos.

"Abrir uma exceção durante a pandemia é correto, mas quando a situação está mais controlada e o mundo volta a crescer, estender esse prazo significa que não há compromisso fiscal", afirmou.

O sucesso da agenda de reformas, segundo a economista, depende prioritariamente do empenho pessoal de Bolsonaro em defender o pacote de propostas para reequilibrar as finanças públicas.

"Se o presidente não dá o aval e não é o grande defensor, as reformas ficam sem pai. Elas não andam no Congresso e acabam deturpadas. É necessária uma ação forte por parte do Executivo na defesa do que a equipe econômica está propondo", declarou.