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Juro e dólar subirão se Brasil não fizer reforma em 6 meses, diz economista

Credit Suisse/Divulgação
Imagem: Credit Suisse/Divulgação

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

17/01/2021 04h00

O Brasil tem seis meses para realizar reformas para equilibrar as contas públicas. Caso isso não ocorra, o preço do dólar, os juros e a inflação vão subir e o país perderá a credibilidade perante os investidores. A previsão é da economista-chefe para o Brasil do banco Credit Suisse, Solange Srour.

"Se nada for feito em relação à consolidação fiscal, e se a gente flertar com a quebra do teto de gastos, teremos aumento do dólar, da inflação e dos juros. É possível que os políticos não façam nada e mesmo assim a situação econômica melhorar? Sempre é possível, se o cenário internacional estiver muito favorável. Hoje o cenário internacional é favorável, mas o investidor vai saber diferenciar países emergentes que fizeram o dever de casa daqueles que não fizeram

Solange afirma que a prioridade do governo deve ser aprovar a PEC Emergencial, que cria vários mecanismos para reduzir salários de servidores e outras despesas em caso de crise fiscal, e a reforma administrativa. Para a economista, a reforma administrativa precisa afetar os servidores públicos atuais para uma redução significativa das despesas públicas.

Leia abaixo os principais pontos da entrevista:

UOL - O Brasil está quebrado?

Solange Srour - O Brasil entrou na pandemia com uma situação fiscal bastante frágil, apesar de ter feito reformas no governo Michel Temer e aprovado a reforma da Previdência no início do governo Jair Bolsonaro.

Durante a pandemia, a gente aumentou os gastos públicos muito acima do que outros países emergentes, em níveis parecidos com o de países desenvolvidos. Com isso, fechamos 2020 com uma dívida em relação ao PIB [Produto Interno Bruto] quase 20 pontos percentuais acima do registrado em 2019, e isso deixou clara a necessidade de completar esse ajuste fiscal.

Se estávamos em uma posição frágil naquele momento, agora estamos muito mais frágeis. Mas isso não significa que o Brasil esteja quebrado. Necessitamos, mais do que nunca, mais do que antes da pandemia, de realizar as reformas e trazer essa consolidação fiscal.

O que deve ser prioridade do governo nos próximos seis meses?

A primeira prioridade deve ser aprovar a PEC Emergencial. A proposta não só vai trazer algum espaço no Orçamento para aumentar o investimento público ou aumentar o gasto social, mas ela é fundamental para a gente cumprir a lei do teto de gastos públicos.

Hoje, existe uma necessidade de cortes de despesas discricionárias para se fazer cumprir o teto. Então, a prioridade máxima é a PEC Emergencial. Sem ela, fica difícil visualizar o cumprimento do teto neste ano.

Mesmo um corte drástico na despesa discricionária, sob o risco de colocar a máquina pública em paralisia, não seria suficiente. Mas essa proposta é só uma ponte e garante o cumprimento do teto só por três anos.

É essencial o governo já encaminhar uma reforma administrativa que consolidará, de fato, uma diminuição do ritmo de crescimento das despesas obrigatórias.

A reforma da Previdência fez isso em parte, evitou a explosão dos gastos públicos e deu sustentabilidade à dívida pública. Mas, para completar, a gente precisa aprovar urgentemente a reforma administrativa.

A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo ao Congresso cumpre o papel de ajudar no ajuste fiscal e reduzir a despesa pública?

A reforma administrativa enviada pelo governo não lida com os atuais servidores. Certamente, ela não traz um impacto importante para o curto prazo. Teremos uma massa de servidores que se aposentará nos próximos dois anos e os novos já seriam contratados com novas regras.

Mas eu acho que isso é insuficiente para trazer a confiança de que o Brasil vai voltar a fazer superavit primário em menos de cinco anos. É imperativo que essa reforma administrativa inclua sim, de alguma forma, os servidores que já estão na administração pública, sem quebrar a estabilidade.

O fim da estabilidade seria muito discutido e chegaria ao STF [Supremo Tribunal Federal]. Mas é possível, sim, fazer alterações em relação a como os salários evoluem no setor público.

A estabilidade não seria quebrada, mas são necessárias mudanças no sistema salarial e nos planos de carreira. Com isso, a progressão de carreira, com aumento de salário, não seria feita simplesmente por tempo de serviço e sim por mérito. Algum sistema de avaliação também precisa ser implementado. Isso deveria valer para os atuais servidores.

A reforma tributária deve ser votada após a administrativa?

A reforma administrativa traz impacto fiscal. A reforma tributária não vai trazer aumento de carga tributária, e sim eficiência para o sistema tributário, que é supercomplicado. A reforma tributária pode trazer ganhos de eficiência, de produtividade e tornar o Brasil mais atrativo para investimentos.

Essa reforma visa ao aumento do crescimento econômico potencial ao longo do tempo, e não é uma reforma que visa trazer confiança na consolidação das contas públicas.

Não quero dizer que ela seja menos urgente, porque o Brasil precisa crescer e está há anos com um nível de investimento muito baixo. Mas o momento é de colocar primeiro a casa em pé, em ordem.

E a casa só vai ficar de pé se a gente deixar bem claro para os investidores que a dívida pública é sustentável. A reforma tributária também traz para os investidores uma certa confiança de que o Brasil vai pagar sua dívida, porque com mais crescimento econômico fica mais fácil pagar as contas. Mas eu colocaria em escala diferente de prioridade. A prioridade número um do Brasil é arrumar as contas públicas.

O Congresso tem esse senso de urgência para aprovar a PEC Emergencial e a reforma administrativa? Os parlamentares defendem primeiro a aprovação da reforma tributária.

Olha, eu acho que esse senso de urgência existe sim, porque há pouco tempo o dólar estava em R$ 6, a inflação estava subindo fortemente e o Banco Central já anunciando que provavelmente teria que responder a isso com alta de juros.

Eu acho que o campo político percebeu que o Brasil não poderia deixar de discutir a volta para a trajetória de consolidação fiscal. É claro que com um cenário internacional mais favorável para emergentes, esse senso de urgência acaba sendo postergado. Mas o cenário internacional não está sendo tão favorável como imaginado para os preços de ativos no Brasil.

A grande questão é se esse senso de urgência vai ser suficiente para, já em fevereiro, as reformas começarem a ser discutidas. Eu espero que sim, porque, se não for suficiente, os preços dos ativos vão acabar refletindo essa urgência maior e pressionando o Congresso.

Se demorarem a debater as reformas, flertarem com qualquer quebra de teto ou postergação de reformas, não tenho dúvida de que o preço do dólar vai subir, a inclinação da curva de juros vai aumentar, teremos pressão na inflação e pressão para o Banco Central atuar.

No próximo ano teremos eleição. O Brasil só tem até março de 2022 para fazer ajustes e reformas?

Na verdade, eu sou mais pessimista e acho que o Brasil tem seis meses para atuar e trazer essa confiança maior no avanço das reformas. Quando o tempo vai passando, fica mais difícil gerar crescimento econômico e mostrar que o governo tem responsabilidade fiscal.

Isso levará os investidores a postergar os investimentos. Se nada for feito, os impactos negativos na economia serão sentidos rapidamente, principalmente quando o câmbio desvalorizar mais.

A taxa de juros também pode aumentar. Por isso, eu acho que a PEC emergencial é a prioritária, porque ela é, de qualquer forma, uma discussão menos difícil que a administrativa. E esses efeitos econômicos afetam a popularidade dos políticos. Logo, algo precisa ser feito.

Se nada for feito em seis meses, teremos aumento no dólar, juros mais altos, descontrole inflacionário e efeitos políticos?

Se nada for feito em relação à consolidação fiscal, e se a gente flertar com a quebra do teto de gastos, teremos aumento do dólar, da inflação e dos juros. É possível que os políticos não façam nada e mesmo assim a situação econômica melhorar?

Sempre é possível, se o cenário internacional estiver muito favorável. Hoje o cenário internacional é favorável, mas o investidor vai saber diferenciar países emergentes que fizeram o dever de casa daqueles que não fizeram. É improvável que o mercado não veja essa diferença.

O auxílio emergencial deixou de ser pago e temos um país ainda sem vacina e sem ajuda emergencial. Muitos economistas dizem que o primeiro trimestre será ruim. Vai ser necessário um programa social para os vulneráveis?

É claro que a pandemia não acabou. A necessidade de extensão não só do auxílio, mas dos outros estímulos para sustentar crédito e emprego, pode ser necessária se a economia volta a fechar por causa do coronavírus.

O problema é que se colocam duas questões. O Brasil não se preparou para isso. A gente poderia estar com uma confiança maior, sem estar tão vulnerável do ponto de vista fiscal. Existe uma incerteza em relação ao Brasil porque a gente deixou de fazer uma discussão sobre uma âncora fiscal de médio prazo.

Se o Congresso tivesse discutido e aprovado até novembro do ano passado a PEC Emergencial, a gente teria esse espaço fiscal. Já era previsível que a pandemia não acabaria em dezembro, o país deixou de fazer essa discussão e adiou para fevereiro.

Nós nos colocamos em uma situação vulnerável, não há espaço fiscal e o Brasil está prestes a perder a credibilidade se estender os estímulos que concedeu no ano passado. Qualquer medida de estímulos fiscais terá que vir acompanhada de outras medidas para fortalecer o teto de gastos. E é possível fazer essa discussão, mas é necessária vontade política.

Vários parlamentares falam em transformar o auxílio emergencial em um programa de transferência de renda. Como avalia essas propostas?

O auxílio não deve ser visto como um programa, de diminuição de desigualdade de renda. Ele foi importante, sustentou a renda daqueles que foram prejudicados pela pandemia e, como consequência, ele acabou reduzindo a pobreza.

Ele foi superdimensionado e ele teve efeitos positivos na desigualdade, que diminuiu ao longo do ano passado. Mas ele não deve ser visto como a solução para redução da pobreza no Brasil.

Essa discussão precisa ser feita de modo diferenciado. Se o Brasil quiser lidar com a pobreza, é preciso pensar em um programa específico. Melhorar o Bolsa Família e aumentar o escopo de atuação. E haver outro programa específico para aqueles trabalhadores que, por motivos de pandemia ou grandes desastres, são retirados do mercado de trabalho e precisam de uma espécie de seguro.

Eles não necessariamente são os pobres que precisam do Bolsa Família, mas de um seguro. Essa proposta está no Senado.

E qual é o efeito de um programa de vacinação na economia?

A vacinação é a variável chave para o crescimento econômico neste ano e no ano que vem. Ela vai muito da questão sanitária, que é muito relevante. Mas sem uma campanha de vacinação efetiva, vai ser muito difícil a economia voltar a operar normalmente.

Com isso, você tem os mesmos problemas que ocorreram durante a pandemia, que é uma recuperação muito desigual. Só os setores que são permitidos funcionar sem grandes riscos permanecem abertos.

Os trabalhadores informais, que estão mais relacionados aos serviços, acabam sendo prejudicados. A vacinação é a chave para a recuperação da economia, porque sem ela o setor de serviços não vai conseguir voltar a sua normalidade.

Não adianta ter uma economia onde a produção e as vendas estejam superfortes e o setor de serviços fraco. O setor de serviços representa 60% da economia brasileira. Sem vacinação não é possível pensar em uma recuperação sustentável e rápida da economia.