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Ford: querem capitalismo, mas dependem de ajuda do Estado, diz sindicato

Wagner Firmino de Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, - Divulgação
Wagner Firmino de Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Imagem: Divulgação

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

23/01/2021 04h00

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Firmino de Santana, criticou a decisão da Ford de fechar as fábricas no Brasil e a dependência de montadoras das isenções fiscais dadas pelo governo para o setor automotivo.

Para ele, incentivos estatais são importantes para as empresas se estabelecerem, mas devem ser por um período limitado. "Não dá para ser capitalista no negócio e socialista na dependência do Estado", afirma.

A Ford fechou sua fábrica no ABC em 2019, o que resultou na demissão de mais de 3.000 trabalhadores diretos, segundo o sindicato. O presidente da entidade afirma que poucos deles conseguiram empregos com as mesmas condições depois disso, e que a situação deve ser parecida para os funcionários das fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), que serão fechadas neste ano.

Confira os principais trechos da entrevista ao UOL.

UOL - Como o senhor avalia o fechamento das fábricas Ford do Brasil?
Wagner Firmino de Santana - Eu acho que é desastroso em dois aspectos. Primeiro pelo histórico da Ford, que ela está desrespeitando. Falo das facilidades que ela encontrou para se instalar e crescer no Brasil. Com cem anos de história e levando em consideração que em todo esse período ela vem se utilizando do seu imposto, do meu imposto, para crescer no país. Isso tem que ser considerado.

O outro aspecto é do ponto de vista estratégico. Eu acho que não se pode abrir mão de um mercado que tem potencial de crescimento. É um mercado que já demonstrou isso. Hoje, a gente produz metade [dos automóveis] do que já produziu no passado. Portanto, não é só uma expectativa se pode acontecer ou não. O mercado brasileiro já comprovou que tem potencial para dobrar o seu tamanho.

O senhor considera que a saída foi motivada mais por uma decisão estratégica da empresa, ou por causa do cenário econômico do Brasil?
Eu acho que são as duas coisas. O posicionamento deles [Ford] confirma isso.

No anúncio do fechamento das fábricas, Lyle Watters, presidente da Ford América do Sul, afirmou: "Nosso time da América do Sul fez progressos significativos na transformação das nossas operações, incluindo a descontinuidade de produtos não lucrativos e a saída do segmento de caminhões. Esses esforços melhoraram os resultados nos últimos quatro trimestres, entretanto a continuidade do ambiente econômico desfavorável e a pressão adicional causada pela pandemia deixaram claro que era necessário muito mais para criar um futuro sustentável e lucrativo".

A estratégia deles de investir em produtos de maior valor agregado é uma decisão mundial. O Brasil não tem esse tipo de produtos. O Brasil produzia caminhões, e a Ford desistiu há anos desse segmento. Ela também desistiu recentemente dos carros populares, de menor valor agregado. Então essa é uma decisão estratégica mundial.

Agora, a insegurança da economia brasileira, insegurança e instabilidade política, fizeram com que ela optasse por produzir nos nossos vizinhos [Argentina e Uruguai]. Portanto, há uma necessidade de ela se manter no mercado latino-americano, mas a opção não foi o Brasil.

Com certeza, isso tem a ver com o ambiente de insegurança, a instabilidade política que nós vivemos, e a falta de perspectiva de uma política industrial que dê tranquilidade para as empresas investirem. [Isso] fez com que ela optasse por dois vizinhos com quem nós fazemos fronteira.

Esses incentivos tributários para a indústria automobilística ao longo de décadas fizeram com que ela investisse menos em pesquisa e se tornasse menos competitiva, como dizem alguns analistas?
Não. Eu acho que existem outras coisas que precisam ser resolvidas.

Incentivar para se instalar, para criar um parque industrial, que é exatamente o que aconteceu na Bahia e no Ceará. Você desenvolve parques que não existem. Para isso precisa, sim, de políticas governamentais que incentivem esse desenvolvimento, mas elas não podem ser permanentes. Eles [montadoras] são mal-acostumados porque essas políticas acabam sendo permanentes.

A política que nós defendemos é a do Inovar-Auto, em que você facilita a importação de empresas que se comprometam a produzir no Brasil. Aquilo fez crescer um número de indústrias, o mercado, aumentou a concorrência, trouxe novas tecnologias para o Brasil. Onerou os carros importados, privilegiando a produção nacional.

Agora, simplesmente dar dinheiro, eternamente, como é a perspectiva estabelecida pela renovação do regime do Nordeste e agora estendido para a região Centro-Oeste, nós não defendemos esse tipo de política.

Isso foi necessário para a implementação das empresas e, depois de determinado tempo, elas têm que se sustentar. A competitividade, a capacidade de produzir melhor e mais barato, eles têm que desenvolver. Isso é a lei do mercado. Não dá para ser capitalista no negócio e socialista na dependência do Estado.

As montadoras, de uma forma geral, ficaram muito dependentes desses incentivos, não conseguiram se desvencilhar?
Eu acho que sim. No fechamento da Ford aqui em São Bernardo, eles [empresa] já nos diziam que, se não fosse o regime Nordeste, seria fechada a fábrica da Bahia. O que diferenciava as duas eram os incentivos fiscais que recebiam. Os incentivos fiscais, que foram prorrogados na lei de incentivo do Nordeste, é que determinaram o fechamento de São Bernardo em detrimento de Camaçari [BA].

Então, eu acho que nesse aspecto cria uma dependência e um mau costume, um mau hábito, e nós, como nação, como população, não podemos permitir.

O senhor teme que o movimento da Ford seja repetido por outras fábricas, outras montadoras, na sequência?
Eu acredito que há fábricas que se instalaram aqui por causa do Inovar Auto. Com o encerramento do Inovar Auto, talvez, a manutenção de plantas aqui não seja interessante. Seja interessante a importação.

Nós queremos política industrial voltada para o setor automotivo —o Rota 2030 não está dando conta disso. Queremos uma política industrial como um todo. Nós precisamos investir em inovação. Precisamos investir em polos de pesquisa e desenvolvimento do setor químico, plástico, têxtil.

O Brasil precisa ter uma participação maior do setor industrial no PIB. Hoje são 11%. Nós precisamos quase dobrar esse número.

O grupo Caoa falou da possibilidade de assumir a fábrica de Camaçari. Há dois anos o grupo tentou assumir a fábrica de São Bernardo, mas não deu certo. Agora pode ser diferente?
Camaçari é interessante para eles ou para qualquer outro comprador. Primeiro porque a empresa já está montada. Segundo, é uma região que conta com incentivos fiscais para poder se manter e se estruturar. Olhando do ponto de vista empresarial, Camaçari é muito mais interesse do que São Bernardo.

Acredito que não só a Caoa, mas outras empresas também têm interesse nesse polo.

A minha questão em relação a isso é o quanto os governos estaduais e municipais, em um momento de fragilidade, podem ceder a pressões para aumentar a participação do Estado.

Os trabalhadores da Ford têm feito protestos desde o anúncio do fechamento. O senhor acha que a empresa pode reverter a decisão? Qual é o poder de pressão dos trabalhadores diante do fim das operações?
Eu acho que ela é mais difícil, inclusive, do que a luta que nós fizemos em São Bernardo do Campo.

Eu mantenho a esperança de que reverta essa decisão [da Ford], mas isso é só esperança. O pragmatismo determina que a saída seria a aquisição por parte de um outro grupo.

Após dois anos do fechamento da fábrica da Ford de São Bernardo, como avaliam seu impacto?
O impacto é o direto sobre aquelas pessoas que foram demitidas. Elas não conseguiram arrumar emprego. Um percentual muito pequeno conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.

O que tira emprego efetivamente é a queda do mercado. A substituição de um fornecedor por outro tem impacto direto sobre aqueles trabalhadores, mas não sobre a cadeia.

É um prejuízo significativo, porque, em um cenário de alta capacidade ociosa, aquelas [montadoras] que absorvem o mercado da Ford não necessariamente fazem contratações que compensariam as demissões ocorridas.

Uma porcentagem pequena dos ex-funcionários da Ford de São Bernardo conseguiu se recolocar, então?
Um emprego com as mesmas características, quase ninguém [conseguiu], pouca gente. Você tem o pessoal que está no "se vira nos trinta".

Acredita que o destino dos trabalhadores dessas três fábricas que estão sendo fechadas será parecido?
Se na região de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, que é uma região altamente industrializada, já foi difícil [para os trabalhadores], em uma região menos capacitada, como Camaçari, a dependência do parque industrial da Ford é muito maior. Terá uma dificuldade maior.

Críticos da reforma trabalhista de 2017 afirmam que ela enfraqueceu sindicatos. Ela dificultou a posição das entidades de trabalhadores em situações como o fechamento das fábricas da Ford?
Eu acho que a reforma trabalhista traz consequências muito maiores do que o fechamento de uma determinada empresa. Porque ela precarizou o trabalho de uma forma geral.

Quem tem que responder a essa pergunta são aqueles que defendiam a reforma trabalhista e diziam que iria gerar emprego, melhorar o ambiente das relações de trabalho, da economia, e que estão devendo isso para a gente até agora. Dizia-se que a reforma trabalhista iria gerar 2 milhões de empregos, 3 milhões. Estou para ver ainda esses empregos que prometeram, tanto com a reforma trabalhista, quanto com a Previdenciária.

Do ponto de vista e luta sindical, está mais difícil o movimento das entidades de trabalhadores desde a aprovação da reforma?
Está. Especificamente desde o golpe [impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff]. Em quatro anos, o Brasil fechou 17 empresas de manufatura, indústrias, por dia.

Há um ambiente muito perverso, que aumenta o nível de exploração. As pessoas acabam se submetendo a condições piores, menos favoráveis de trabalho. Isso dificulta as nossas negociações, a manutenção de direitos, dificulta os nossos ganhos de produtividade.