Tarifa promete conta de luz menor, mas é desconhecida e pode elevar gastos
Existe uma tarifa que promete baixar seus gastos com conta de luz, mas ela é desconhecida, pouco usada, permite uma redução muito pequena nas despesas e pode até fazer a conta ficar mais cara, dependendo da situação. Ela é chamada de tarifa branca e foi criada para estimular o consumo de luz ao longo do dia, e não só num período concentrado.
Segundo dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o país tem 87,3 milhões unidades consumidoras de baixa tensão (casas, imóveis rurais, indústria e comércio de pequeno porte). Pouco mais de 75 milhões podem aderir à tarifa branca, mas só 57.601 utilizam o mecanismo.
Parte da explicação está no baixo retorno: levantamento da própria Agência, de dezembro, aponta que consumidores que aderiram à tarifa branca perceberam redução média de apenas 4% na conta de luz. Além disso, a tarifa não é vantajosa para todos. Em alguns casos, a adesão pode até fazer a conta de luz ficar mais alta.
O que muda com a tarifa branca?
No modelo convencional, que define o valor pago pela maioria dos consumidores, a tarifa de energia elétrica é a mesma independentemente do horário do consumo.
Na tarifa branca, o valor varia ao longo do dia, de acordo com três faixas de horário:
- Ponta: período em que a tarifa é mais cara;
- Intermediário: período com tarifa intermediária;
- Fora de ponta: período com tarifa mais baixa.
Em finais de semana e feriados, a tarifa do horário fora de ponta é cobrada durante todo o dia. O valor exato da tarifa varia de acordo com cada distribuidora. Também há flexibilidade nos horários, ou seja, as faixas não necessariamente são as mesmas em todas as regiões do país.
Em São Paulo, por exemplo, as faixas de horário e as tarifas são as seguintes:
- Ponta: de 17h30 às 20h30, com tarifa de R$ 1,115 por kWh;
- Intermediário: das 16h30 às 17h30 e das 20h30 às 21h30, com tarifa de R$ 0,724 por kWh;
- Fora de ponta: das 21h30 às 16h30 do dia seguinte, com tarifa de R$ 0,499 por kWh.
Na comparação com a conta comum, em que a tarifa é de R$ 0,594 por kWh, só a tarifa fora de ponta é mais barata. Se o consumo for entre as 17h30 e as 20h30, o valor cobrado na tarifa branca será 88% maior do que o convencional. Na faixa intermediária, a diferença é de 22%.
A adesão à tarifa branca é opcional. Clientes de baixa renda ou de iluminação pública não podem utilizar o mecanismo. O consumidor que deseja mudar de modalidade tarifária deve entrar em contato com a distribuidora, que fica responsável por trocar o medidor de energia. O consumidor tem o direito de solicitar o retorno à tarifa convencional a qualquer momento.
Conta pode até ficar mais cara
Justamente por causa do aumento da tarifa nos horários de ponta e intermediário, a modalidade não é vantajosa para todos. Em São Paulo, por exemplo, se o consumidor optar pela tarifa branca e tiver o consumo concentrado entre 16h30 e 21h30, a conta de luz vai ficar mais cara.
No caso das residências, o problema é que o horário de ponta pode ser justamente o período em que as pessoas chegam do trabalho, vão tomar banho ou fazem atividades como lavar roupa. O risco é de o consumidor não conseguir mudar seu horário de consumo. E, se isso não acontecer, ele não vai ter vantagem e pode até se prejudicar.
Clauber Leite, coordenador do programa de energia do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
Como descubro se a tarifa branca é boa para mim?
Para saber se a tarifa branca é vantajosa ou não, o consumidor precisa fazer uma análise do próprio consumo. Helder Sousa, diretor de Regulação da TR Soluções, uma empresa especializada em tarifas de energia, diz que o primeiro indicador a ser considerado é o uso do chuveiro elétrico, já que o equipamento é um dos mais gastadores.
O consumidor também precisa avaliar se ele tem disposição para mudar o seu hábito de consumo. Por exemplo: a pessoa que chega em casa no final da tarde não vai poder tomar banho antes. Com isso, é provável que ela tenha um aumento de custo com a tarifa branca.
Helder Sousa
As distribuidoras de energia têm simuladores para ajudar o consumidor a identificar se a tarifa branca é vantajosa ou não. O Idec também tem uma ferramenta do tipo.
Recompensa financeira é baixa
Denis Maia, CEO da Choice Technologies - empresa que presta serviços para distribuidoras de energia -, afirma que um dos problemas da tarifa branca é justamente a redução muito pequena na conta de luz. Segundo ele, o consumidor precisaria ter um "sinal econômico mais forte" para que aderisse à modalidade.
Você faria o esforço para mudar o seu hábito de consumo, a hora que você toma banho que liga o ar condicionado no verão, para ter uma economia de 4% da sua conta de luz? Não existe incentivo econômico. Para que as pessoas mudem de hábito, precisa ser algo representativo para o bolso.
Denis Maia
Padrão de consumo
Além da baixa recompensa financeira, o fato de o próprio consumidor ter de fazer as contas para decidir se vale a pena ou não é um dos fatores que resultam na pouca utilização da tarifa branca, segundo Claudio Sales, presidente e fundador do Instituto Acende Brasil.
A maior parte das pessoas não tem uma consciência clara do seu padrão de consumo.
Claudio Sales
Sales afirma, porém, que a tarifa branca é uma forma moderna de cobrança, que reflete melhor os custos do sistema elétrico. Isso porque, quanto maior a demanda no mesmo horário, maior precisa ser o investimento das distribuidoras para que a rede suporte a necessidade e ninguém fique no escuro.
Tarifa branca deveria ser obrigatória
Laura Callai dos Santos, professora da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), diz que o fato de a tarifa branca ser opcional faz com que poucas pessoas escolham a modalidade.
Se não fosse opcional, as pessoas teriam de passar o consumo para outro horário e mudar de hábitos.
Laura Callai dos Santos
Helder Sousa, da TR Soluções, afirma que, para o setor elétrico, o ideal seria que as diferenças de valores da tarifa de acordo com o horário do dia valessem para todos os consumidores, obrigatoriamente. Ele diz que, como investimentos são pensados para suprir a demanda máxima, que geralmente ocorre no horário de pico, dar um sinal econômico para que as pessoas mudem seus hábitos de consumo pode diminuir esses custos.
Se há pessoas que podem e estão dispostas a fazer isso, é bom para elas e para o sistema também. Se a gente considera uma boa parte dos consumidores tendo esse raciocínio, isso vai acabar reduzindo a tarifa de todos, justamente porque os investimentos terão de ser menores.
Helder Sousa
Prejuízo para os demais
De acordo com Sales, do Instituto Acende Brasil, deixar a tarifa branca como opcional pode, no longo prazo, prejudicar até mesmo os consumidores que não aderiram.
A distribuidora vai continuar com os mesmos custos, mas vai ter menos receita. Esse desequilíbrio vai ter de ser compensado com aumento de tarifa para os consumidores que não optaram. Entendo que, nesse início, possa ser voluntário, mas torna-se cada vez mais oportuno que isso [a tarifa branca] seja colocado para todos.
Claudio Sales
Segundo dados da Aneel, publicados em dezembro, as distribuidoras deixaram de receber R$ 9,4 milhões desde que consumidores de baixa tensão puderam optar pela tarifa branca, no início de 2020. O valor representa menos de 1% da receita das empresas.
Recompensa sem mudar comportamento
Ricardo Brandão, diretor de regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), afirma que, do jeito que está, a tarifa branca não incentiva a mudança nos hábitos de consumo e, ao mesmo tempo, há diminuição de receitas das distribuidoras.
Mas, segundo ele, tornar a tarifa branca obrigatória para todos não necessariamente é a melhor opção.
Por exemplo, um escritório comercial tem o consumo entre as 8h e as 18h, ou seja, já ficaria permanentemente fora da ponta. Se a tarifa branca fosse obrigatória, esse consumidor simplesmente pagaria menos sem ter contribuído com uma mudança de comportamento, enquanto outros vão ter a conta mais alta. O sistema não necessariamente ganha com isso.
Ricardo Brandão
Aneel não se posiciona
O UOL perguntou à Aneel se há perspectiva de tornar a tarifa branca obrigatória para todos os consumidores, mas não obteve resposta.
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