Bolsonaro entrega PEC dos precatórios; dívidas serão corrigidas pela Selic
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enviou ao Congresso Nacional uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para modificar o regulamento dos precatórios —pagamentos que a Justiça manda a União fazer. Com a proposta, precatórios de qualquer natureza passarão a ser corrigidos pela taxa Selic.
Atualmente, os índices usados dependem da natureza do pagamento, e podem ser corrigidos tanto pela Selic quanto pelo IPCA +6%.
O texto também propõe que precatórios de valor superior a R$ 66 milhões (1.000 vezes o pagamento considerado como de pequeno valor, para efeitos judiciais) poderão ser pagos em dez parcelas, com 15% à vista e o restante, em parcelas anuais. Outros pagamentos poderão ser parcelados se a soma total deles for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será pelo parcelamento dos precatórios de maior valor.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou no fim de julho que os precatórios são um "meteoro" vindo de "outros Poderes", uma referência ao Judiciário, que removeria as possibilidades de funcionamento do governo.
A proposta tenta encontrar fontes de financiamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, para atender mais pessoas e melhorar a popularidade de Bolsonaro antes das eleições do ano que vem.
O salto nos precatórios dificulta o novo programa, porque vai sobrar pouco espaço no teto de gastos. A regra limita o total de gastos do governo à soma do ano anterior, corrigida apenas pela inflação.
Guedes chegou a dizer "devo, não nego e pagarei assim que puder".
As PECs devem ser analisadas pelo Congresso e só são aprovadas com maioria qualificada (três quintos dos parlamentares) após dois turnos de votação na Câmara e no Senado.
O que são precatórios?
São pagamentos que a Justiça manda o Poder Público (União, estados ou municípios) fazer. Quando alguém entra na Justiça contra o governo federal, estadual ou municipal por algum motivo, essa ação vai sendo julgada até chegar à última instância, em um processo que pode levar anos.
Quando o governo perde e não pode mais recorrer, as ações tornam-se transitadas em julgado. Com isso, o valor que a Justiça manda o governo pagar vira um precatório. Os gestores públicos precisam prever dinheiro no Orçamento todo ano para quitar essas dívidas.
Em 2022, o governo federal deverá pagar cerca de R$ 90 bilhões em precatórios, um salto em relação aos R$ 54 bilhões em 2021.
Críticos acusam governo de 'pedalada' e calote
Analistas destacam o aspecto eleitoral da proposta, questionam a legalidade da medida e chegam a dizer que trata-se de uma "pedalada" e de calote.
"Querem abrir um espaço no Orçamento para o próximo ano, dando uma folga para acomodar o novo Bolsa Família. [Esta] é uma bandeira eleitoral, porque o Bolsa Família dá voto", afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.
Para Gabriel Quintanilha, professor de direito da FGV Rio, "quando há uma proposta de alteração da forma de pagamento do precatório, temos uma violação ao direito adquirido. Esta proposta de emenda é inconstitucional".
Ele diz que, mesmo que a PEC seja aprovada no Congresso, poderá ser barrada pela Justiça. "Ainda resta o filtro do Judiciário, e historicamente ele tem rechaçado todo tipo de meio para adiar pagamento de precatório", diz.
Fernando Facury Scaff, professor de direito da USP (Universidade de São Paulo (USP), afirma que o que Guedes "está fazendo é nitidamente uma pedalada. É um calote puro e simples", diz.
O governo nega que o adiamento seja equivalente a calote.
Em nota, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) afirmou que a "tentativa de desmontar a sistemática constitucional de pagamento revela contornos antidemocráticos" e pode ser considerada um "amplo desrespeito aos direitos dos cidadãos brasileiros, ao regramento firmado pelo Congresso Nacional e à própria autoridade das decisões judiciais".
Em seu Twitter, o diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto, apontou que o precatório é uma despesa mandatória, isto é, a União é obrigada a pagá-la.
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