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Reforma reduz investimento e sobe dívida de empresas, dizem analistas

Governo propõe acabar com Juros Sobre Capital Próprio (JCP) na reforma tributária - Getty Images
Governo propõe acabar com Juros Sobre Capital Próprio (JCP) na reforma tributária Imagem: Getty Images

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

21/08/2021 04h00Atualizada em 21/08/2021 12h58

Resumo da notícia

  • Reforma tributária do governo propõe fim dos juros sobre capital.próprio (JCP)
  • Esses juros são usados pelas empresas para distribuir lucros a donos de ações e pagar menos imposto
  • Mas também servem para comparar custos na hora de pegar dinheiro para novos projetos
  • O fim dos juros sobre capital próprio ameaça aumentar as dívidas das empresas
  • Analistas dizem que redução de IR será fundamental para amenizar impacto sobre empresas

O fim dos juros sobre capital próprio (JCP) proposto pelo governo na reforma tributária vai aumentar o endividamento das empresas e reduzir investimentos em novos projetos, afirmam especialistas. Pode ainda diminuir o interesse em investir em ações. Os JCP são usados pelas empresas para distribuir parte dos lucros aos acionistas e pagar menos impostos.

Mas o impacto do fim dos JCP sobre a economia pode ser ainda maior porque o governo também quer imposto sobre dividendos, hoje isentos. Na reforma tributária proposta pelo ministério da Economia, o Imposto de Renda sobre as empresas (IRPJ) seria reduzido para compensar o fim dos JCP e a tributação sobre dividendos.

Analistas destacam que a redução do IRPJ pode amenizar ou até neutralizar aumento de carga tributária sobre as empresas. Veja abaixo.

O que são JCP?

Juros sobre capital próprio são uma das formas usadas pelas empresas para distribuir resultados aos acionistas. Outra forma é distribuir lucros é por meio dos dividendos.

Diferença entre JCP e dividendos: Os JCP pagam Imposto de Renda (15%). O dividendo é isento. Se uma empresa distribui R$ 100 em JCP, o acionista ganha R$ 85. Se forem dividendos, receber os R$ 100 sem descontos. O governo está propondo acabar com os JCP e taxar dividendos em 20%.

Então qual a vantagem dos JCP?

Para a empresa: Os JCP entram no balanço como se fossem um custo da dívida da empresa, calculada pela taxa de longo prazo. Esse valor que é repassado ao acionista é descontado do lucro da companhia, e ela paga menos IR.

Para o investidor: O investidor que recebe JCP paga IR de 15% e a base de cálculo é maior. O dividendo não paga imposto, mas o valor dele é definido no fim do balanço, ou seja, depois do pagamento de impostos, quando a base de cálculo é menor. Assim, o dinheiro a ser embolsado pode ser menor.

Para que servem os JCP?

Os JCP foram criados em 1995 para as empresas calcularem o custo de usar os próprios ativos para fazer investimentos novos. Também servem para as empresas compararem esses custos com as taxas de juros cobradas nos financiamentos disponíveis nos bancos.

Fim dos JCP pode elevar dívida das empresas

Quando uma empresa vai fazer um investimento, ela compara os custos para levantar o capital necessário. E decide se toma dinheiro emprestado ou se usa o dinheiro do próprio lucro.

Para fazer essa escolha, a empresa compara a taxa de juros com o custo de dividir parte do próprio lucro com os acionistas. Quando uma empresa utiliza os JCP para pagar menos imposto, isso barateia o custo do capital próprio. Sem esse instrumento, as empresas poderão recorrer mais a dívidas para novos investimentos.

Para usar os próprios ativos em investimentos as empresas podem:

a) Utilizar ativos reais próprios (imóveis, maquinários). Isso tem um custo (depreciação). A empresa se o retorno vale a pena.

b) Emitir ações para pegar dinheiro. Os investidores que se tornam acionistas vão participar do resultado final. Essa distribuição de lucro tem um custo. A empresa compara esse custo com o custo de um empréstimo.

Segundo o presidente-executivo da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), Eduardo Lucano, que representa 85% do valor de mercado das companhias com ações na Bolsa brasileira, o fim dos JCP pode tornar as companhias mais conservadoras na hora de investirem em novos projetos.

O fim dos JCP pode estimular os gestores a se endividarem porque o custo da dívida é dedutível do imposto. O problema é que o endividamento muito elevado também pode tornar as empresas mais frágeis. Uma companhia mais endividada pode não ter musculatura para enfrentar crises. Como as empresas buscam um equilíbrio entre custo de capital e custo de dívida, elas podem passar a investir menos.
Eduardo Lucano

Segundo Lucano, o JCP permite abater uma parte do pagamento de Imposto de Renda. Ao pagar menos ao governo sobra mais do lucro para a empresa. Se a empresa recebe mais por um projeto, a taxa de retorno é maior, ou, em outras palavras, o custo dela para um mesmo retorno é menor.

Segundo o executivo, os JCP ajudaram as empresas brasileiras a reduzir o peso do endividamento, em especial a partir de 2004, quando o instrumento passou a ser mais usado -chegou a ser praticado por 60% das companhias abertas brasileiras em 2007.

Peso maior sobre empresas maduras e já endividadas

Esse impacto do fim dos JCP será maior sobre empresas que já estão bastante endividadas e possuem no próprio capital uma forma de levantar mais recursos para novos projetos sem aumentar o grau de alavancagem.

Alavancagem é o nível de endividamento em relação a algum ativo (receita, lucro operacional ou patrimônio líquido). Quanto maior a dívida em relação a um desses itens maior a alavancagem.

Empresas que já passaram pela fase de expansão e apresentam desempenho estável ao longo dos últimos anos -como bancos, companhias de saneamento e de eletricidade- podem acabar simplesmente pagando mais impostos com o fim dos JCP.

Ainda mais porque a proposta de reforma tributária do governo inclui ainda a cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos, hoje isentos.

Veja nessa lista as empresas que mais distribuíram resultados na forma de JCP e dividendos desde 2016, em um levantamento feito pela empresa de informações financeiras Economatica para o UOL.

O setor bancário é historicamente um grande pagador de juros sobre capital próprio. Tradicionalmente os bancos já adiantam os JCP considerando o lucro que terão só no fim do ano. É, também, uma forma de reduzir a tributação sobre o lucro.
Einar Rivero, gerente de Relacionamento Institucional da Economatica

Governo aposta no reinvestimento

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que o fim dos JCP e o imposto sobre os dividendos vão levar as empresas a investir mais porque vão usar o dinheiro do lucro para reinvestir, em vez de distribuir o resultado aos acionistas.

Analistas de mercado dizem que essa tese pode funcionar, mas não para todas as empresas. E que esse movimento depende da redução da alíquota do Imposto de Renda sobre as companhias.

Essa tese faz sentido para empresas que têm espaço para crescer. Mas para empresas que já são maduras a taxa de retorno de novos projetos pode não compensar. Nos Estados Unidos, por exemplo, as empresas mais maduras que não distribuem dividendos nem reinvestem acabam recomprando ações dos acionistas.
João Daronco, analista da Suno Research

O fim dos JCP vai levar empresas a pagarem mais impostos, se não houver redução de alíquota do Imposto de Renda para compensar. E empresas que são maduras e têm pouco espaço de crescimento podem acabar pagando mais imposto.
Eduardo Nishio, analista chefe da Genial Investimentos

Procurado para falar sobre o potencial impacto do fim dos JCP sobre investimentos e grau de endividamento das empresas, o Ministério da Economia respondeu que não comenta o assunto.

Imposto de Renda precisa cair

Para o professor doutor da FEA-RP USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP-Ribeirão Preto), Marcelo Botelho Moraes, especialista em contabilidade, o impacto do fim do JCP sobre os investimentos e sobre o endividamento das empresas brasileiras vai depender da redução dos tributos cobrados por meio do Imposto de Renda e contribuição social.

Na média, as empresas brasileiras deixam com o governo 34% dos lucros com essas duas cobranças. Na reforma tributária proposta pelo ministério da Economia, o Imposto de Renda seria reduzido para compensar o fim dos JCP e a tributação sobre dividendos.

Uma coisa tem que compensar a outra. Se não houver compensação, a carga tributária sobre as empresas, que está na casa de 34%, pode ir para perto de 40% na média. E o aumento de carga tributária vai desestimular a alocação de investimentos.
Marcelo Botelho Moraes, professor-doutor da FEA-RP USP

Impacto no interesse do investir de ações

O professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Murillo Torelli Pinto, diz que o fim dos JCP e a tributação dos dividendos podem afetar a capacidade de investimento das empresas por causa ainda de maior dificuldade para levantar dinheiro na Bolsa, com venda de ações para aplicadores, por exemplo.

Se houver apenas fim de JCP e impostos sobre dividendos, isso vai afetar o interesse dos aplicadores em investir em ações, o que, por tabela, pode reduzir a oferta de capital para as empresas levantarem recursos na Bolsa.
Murillo Torelli Pinto

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Corrige informação no segundo parágrafo. A proposta do governo para reforma tributária inclui redução de Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica para compensar o fim da isenção sobre dividendos e o fim dos Juros Sobre Capital Próprio, diferentemente do que estava escrito. Texto informava que proposta do governo não incluía essa redução de IRPJ para compensar fim de JCP e da isenção sobre dividendos.