Justiça aceita ação contra XP por foto com homens brancos sem diversidade
As empresas do mercado financeiro XP e a Ável Investimentos viraram rés ("requeridas") em uma ação civil pública movida por entidades sociais, por causa de falta de diversidade entre os profissionais das empresas. O motivo da ação foi uma foto em que a quase totalidade dos funcionários era homem e branco.
O processo foi aceito pela juíza Julieta Pinheiro Neta, titular da 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS). Na Justiça do Trabalho, o termo exato quando uma empresa sofre uma ação é "requerida", o equivalente a ré na Justiça comum. A XP e a Ável foram intimadas a apresentar, em até 15 dias, contestações sobre os fatos relatados pelos autores da ação ou uma proposta conciliatória.
"As notificações foram expedidas em 23 de agosto. O prazo de 15 dias começa a contar a partir do recebimento das notificações pelas partes (as empresas). Os comunicados são entregues pelos Correios", informou o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
Procurada pelo UOL, a XP respondeu que "ainda não foi notificada sobre a ação" e ressaltou que "o compromisso da companhia com a diversidade e inclusão sempre estabeleceu metas internas para aumentar a contratação, em todos os cargos, de pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e PCDs".
"Além disso, a XP conta com o suporte de consultores externos e coletivos de trabalhadores e atua, incansavelmente, para ser cada vez mais um agente de mudança da sociedade e do mercado financeiro", diz a nota da empresa.
A Ável, que é uma credenciada da XP, preferiu não comentar o assunto.
Em seu despacho, a juíza Julieta Pinheiro também informa que o Ministério Público do Trabalho deverá ser comunicado para se manifestar, devido à "existência de interesse público" na ação.
Após as empresas se manifestarem, a Justiça deverá marcar uma audiência, na qual as partes poderão tentar um acordo. Caso não haja consenso entre as entidades e as empresas, o processo irá para julgamento.
O que é a ação
Na quarta-feira (18), o Centro Santo Dias de Direitos Humanos e as ONGs Educafro e Visibilidade Feminina protocolaram uma ação, decorrente da repercussão de uma foto divulgada pela Ável, que se apresenta como "o maior escritório de assessoria digital da XP".
A imagem mostra colaboradores da empresa, na cobertura de sua sede, em Porto Alegre, sendo quase todos homens brancos.
No processo, as entidades pedem indenização de R$ 10 milhões por dano social e moral coletivo, e que as empresas cumpram algumas medidas para aumentar a diversidade nos seus quadros de colaboradores, como:
- A composição do quadro de contratados permanentes ou temporários tenha a mesma proporção de negros, mulheres e indígenas presente na sociedade brasileira;
- Haja cotas para pessoas idosas e pessoas com deficiência;
- As empresas incorporem ao conselho de administração quatro novos membros, integrantes das comunidades sub-representadas;
- Seja contratada uma auditoria externa para acompanhar a execução das medidas.
A ação civil pública é um tipo de processo judicial destinado à proteção de direitos. Logo, podem propor esse tipo de processo órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública, União, estados e municípios. Mas entidades como ONGs também podem, desde que preencham alguns requisitos.
O Centro Santo Dias e a Educafro, por exemplo, já moveram ação contra o Carrefour no caso João Alberto, homem negro espancado até a morte por um segurança da rede de supermercados, em novembro de 2020. As duas entidades também entraram na Justiça contra o Assaí, no episódio em que um homem negro foi obrigado a tirar a roupa para provar que não tinha furtado produtos.
Ações têm papel educativo, diz IREE
Yuri Silva, coordenador de Direitos Humanos do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa), entende que o caso ilustrado na foto da Ável aponta para um cenário que se repete no setor corporativo e empresarial de forma ampla.
Ele cita, por exemplo, que o número de pessoas negras nos conselhos de administração das 500 maiores empresas do Brasil não chega a 5%. Entre as mulheres, esse percentual não supera os 16%. Os dados são da pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero, do Instituto Ethos.
Embora não se refira sobre a ação que envolve a XP e a Ável, Silva afirma que outras ações similares tiveram um papel educativo e de promoção de inclusão e diversidade para as empresas que estão sendo julgadas.
"A ação garante que os recursos [da indenização] vão ser investidos em iniciativas que combatam casos como esses", diz o coordenador do IREE.
O dinheiro vindo das ações é destinado ao FDD (Fundo de Defesa de Direitos Difusos), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Secretaria Nacional do Consumidor. A gestão desse fundo é feita por um conselho, que seleciona os projetos que serão financiados com os recursos. Ou seja, o dinheiro não vai para as entidades.
Outro ponto importante, segundo Silva, é que nesse tipo de ação, a Justiça faz cumprir o papel do Estado na regulação das empresas quanto à promoção dos direitos humanos das populações minorizadas e vulnerabilizadas.
Hoje a regulação do Estado sobre a pauta de direitos humanos nas empresas é praticamente nenhuma. O Brasil caminha a passos lentíssimos
Yuri Silva, coordenador de Direitos Humanos do IREE
Entidades estão otimistas por acordo
"A juíza poderia entender que não era competência da Justiça do Trabalho ou que não cabe ação coletiva. Mas ela aceitou o processo, e isso foi um passo importantíssimo", diz Márlon Reis, advogado que representa as entidades na ação. Ela vê a aceitação do processo como uma primeira vitória.
Reis também diz que está otimista para uma conciliação, pois as empresas se manifestaram publicamente sobre a falta de diversidade entre os seus profissionais, após a repercussão negativa da foto.
Sobre a justificativa da ação, que também foi criticada nas redes sociais, o advogado diz que o processo, além de evidenciar a questão do racismo estrutural, da desigualdade de gênero e idade, e ausência de pessoas com deficiência, também chama atenção para o papel constitucional do sistema financeiro, ao qual as duas empresas fazem parte.
"Uma empresa está submetida, constitucionalmente, ao dever de observar a diversidade. Ninguém pode mudar uma empresa com base em critérios que ignorem a diversidade racial. Isso está na Constituição, tanto de maneira mais principiológica, no artigo 192, como de maneira expressa, no artigo sétimo, inciso 30", diz Reis.
Segundo a Constituição Federal:
- Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
- Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
Inciso XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
"Nós estamos apresentando uma demanda que, sendo vitoriosa, passa uma mensagem para todas as empresas do Brasil, sobre critérios constitucionais a serem observados na contratação", afirma Reis.
Jessica Holl, coordenadora jurídica do Visibilidade Feminina, uma das entidades que assinam a ação, acredita que o resultado do processo está para além das partes envolvidas, podendo influenciar positivamente o meio social e estimular que empresas desenvolvam políticas práticas e não só discursos.
Grandes empresas e conglomerados são atores sociais centrais, então é também função deles garantir a aplicação horizontal dos direitos humanos, que tratam de diversidade, igualdade, oportunidade, independentemente de gênero, classe social, raça, credo.
Jessica Holl, coordenadora jurídica do Visibilidade Feminina
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