Venda de estradas e petróleo pode render R$ 220 bi, mas Bolsonaro atrapalha
Resumo da notícia
- Leilões de petróleo, Dutra e outras rodovias pode gerar mais de R$ 220 bi em investimentos
- Mas tensão política causada por Bolsonaro e cenário de eleição em 2022 ameaçam afastar investidores
- Um exemplo é que há poucas petroleiras interessadas nas vendas do pré-sal
O recuo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no discurso de viés golpista foi recebido com alívio por agentes de mercado envolvidos em leilões de privatização de estradas e exploração de petróleo. Estima-se que essas vendas possam trazer recursos de cerca de R$ 220 bilhões nos próximos 30 anos, mas a turbulência política é uma ameaça a isso. R$ 220 bilhões equivale a 6,2 vezes o orçamento do Bolsa Família em 2021.
Em outubro e novembro, o Ministério de Infraestrutura faz leilões para concessão da rodovia BR-116/101 (via Dutra, que liga São Paulo e Rio) e das BRs 381 e 262, em Espírito Santo e Minas Gerais. O consórcio vencedor se compromete a investir pelo menos R$ 22,2 bilhões em 30 anos. O Ministério de Minas e Energia quer fazer em outubro e dezembro leilões de exploração de petróleo e gás natural no pré-sal, que podem atrair investimentos de R$ 200 bilhões até 2050, segundo projeções do governo.
Eleições e briga política assustam
O problema, dizem empresários, economistas e banqueiros envolvidos nesses processos, é que as companhias interessadas nessas operações estão preocupadas com as incertezas do país.
Em especial por causa das eleições presidenciais ano que vem, um fator que pode reacender a qualquer momento e sem aviso prévio o clima de confronto entre Bolsonaro, o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal).
Poucas candidatas para 92 áreas de petróleo
O governo tem duas rodadas de leilões de exploração de petróleo que podem atrair o interesse de petroleiras estrangeiras. Programada para 7 de outubro, a 17ª rodada de licitações coloca em disputa a exploração em 92 áreas nas bacias de Campos, Pelotas, Potiguar e Santos.
Mas até agora apenas nove petroleiras foram inscritas. Embora algumas candidatas sejam globais de peso, como Chevron, Shell e Total, esse é o menor número de interessados para uma licitação desde a primeira concessão de petróleo no país, há mais de 20 anos, em 1999.
Um banqueiro que atende uma petroleira estrangeira disse ao UOL sob pedido de anonimato que a possibilidade de essa companhia dar lance nesse leilão é menor hoje que um mês atrás.
Segundo esse executivo, animosidades entre presidente da República e Poder Judiciário, junto com instabilidade no mercado internacional do petróleo, desestimulam projetos de longo prazo.
Petrobras sozinha no páreo
Em 17 de dezembro, está programado outro leilão de petróleo. São áreas que tinham sido cedidas à Petrobras em 2010 por R$ 70 bilhões, mas que voltaram à União como contrapartida de uma capitalização na petroleira estatal.
O ponto é que a concessão de exploração dessas áreas já fracassou em 2019 por falta de interessados. Agora há a possibilidade de que uma única candidata apareça: a própria Petrobras.
O sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, diz que a Petrobras já manifestou ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o interesse nos excedentes dessas áreas. O que, para ele, sinaliza a possibilidade de que a estatal seja a única a apresentar proposta na disputa.
Bolsonaro falou bobagem no 7 de Setembro, há eleições presidenciais ano que vem, ninguém sabe quem vai ganhar. E o mercado internacional do petróleo já estava volátil. Então são muitas incertezas. Vai ser um leilão bem complicado.
Adriano Pires
O governo pretende receber R$ 11 bilhões nesse leilão, o que já é 70% menos do que foi pedido em 2019. E quanto menos concorrentes, menor a chance de um vencedor levar uma área pagando um bom valor.
Trunfo para atrair interessados em rodovias
Também entre os envolvidos nos leilões de rodovias há um certo desconforto em relação às tensões institucionais provocadas pelas falas do presidente Bolsonaro, em especial as de 7 de Setembro. Mas nesse setor o receio de um fracasso na atração de investidores é menor.
Primeiro, avaliam empresários, porque a rodovia que vai a leilão para uma concessão de 30 anos é a mais movimentada da América Latina, a Dutra.
São 598 quilômetros da BR-116 e BR-101 que ligam as duas maiores regiões metropolitanas do país. O leilão está marcado para 28 de outubro.
Além disso, dizem consultores, esse leilão é parte de um programa amplo de concessões do Ministério de Infraestrutura, que está atraindo a atenção de empresas estrangeiras.
Segundo o coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura & Soluções Ambientais da Fundação Getulio Vargas (Ceisa FGV), Gesner Oliveira, o leilão da Dutra vai ter competição forte e atrair investidores para outros processos já agendados pelo governo.
Não é todo dia que surge um leilão dessa magnitude. Tudo indica que haverá grande apetite por parte dos investidores, apesar das incertezas da atual conjuntura. Eles vão olhar o médio e longo prazo e não o que vai acontecer nas eleições ou na inflação.
Gesner Oliveira
Importante é segurança jurídica do leilão
O próximo leilão será o da concessão da BR-262, que liga Espírito Santo e Minas Gerais, passando por Belo Horizonte e São Paulo, e da BR-381, corredor para escoamento de produtos industriais, em MG.
Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), Venilton Tadini, os fundamentos de longo prazo da economia brasileira e as condições de captação de recursos, com oferta de crédito no mundo, vão permitir que esses leilões atraiam interessados.
Apesar da conjuntura de curto prazo ter tido algumas turbulências, não acredito que o leilão vá fracassar. Ninguém rasga dinheiro. O que vai determinar o sucesso do leilão é a segurança jurídica do modelo dele. E isso está garantido.
Venilton Tadini
Grande disputa pela Dutra
A expectativa do presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos, é de uma disputa forte pela Dutra, ainda que com um número não elevado de concorrentes.
Precisamos ser realistas com relação ao número de empresas que podem entrar na disputa pela Dutra porque é um projeto que demanda muito investimento. Então devemos contar com empresas de muita envergadura. Mas, mesmo que sejam poucos participantes, haverá disputa acirrada.
Marco Aurélio Barcelos
Segundo o representante das maiores empresas privadas que já administram rodovias no Brasil, mesmo com eleições ano que vem e com projeções não tão positivas para a economia, as empresas do setor estão olhando esses projetos para além de 2022.
Política não influencia interesse, diz ministério
O secretário-executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Bruno Eustáquio, rebate a tese de que fatores políticos afetem o interesse dos investidores nos leilões de petróleo do país.
Ele participou de encontros com representantes de petroleiras internacionais em agosto, nos Estados Unidos, e afirmou que está certo de que haverá disputa pelos leilões.
Questão política não entra no radar dos investidores. O ambiente regulatório de petróleo e gás no Brasil é bastante maduro.
Bruno Eustáquio
Mas o executivo do ministério ponderou que a realidade do mercado de petróleo atual é diferente da de anos atrás.
Segundo ele, a mudança da matriz energética com crescimento das fontes renováveis, a demanda da sociedade por meios de produção sustentáveis e a crise econômica da covid-19 são fatores que devem afetar as propostas nesses leilões.
"Não devemos ver ofertas altamente agressivas como no passado", disse.
Mas o Brasil não pode se dar ao luxo de adiar os leilões. Segundo ele, além dos R$ 220 bilhões em investimentos que esses negócios podem atrair em 30 anos, outros R$ 120 bilhões podem entrar nos cofres do governo ao longo desse período na forma de impostos, taxas e outras receitas.
"Então, perdemos R$ 11 bilhões a cada ano que atrasarmos esses leilões", afirmou Eustáquio.
Ministério avalia que há interesse em estradas
A secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa, diz que quem disputa um negócio desse tamanho não olha problemas de curto prazo ou para apenas um ativo.
Segundo ela, o fato de haver um programa amplo de concessões, composto por diversas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, possibilita atrair operadores estrangeiros.
Ninguém vem ao Brasil para olhar apenas um ativo. Eles sabem que podem estudar o mercado brasileiro porque, se perderem um leilão, dá para entrar em outra disputa. Quem perder a Dutra com certeza vai com muito apetite para o leilão seguinte.
Natália Marcassa
Presidência não comenta
O UOL procurou a Presidência da República para falar sobre a interferência da política nos leilões de petróleo e de rodovias, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.