Atraso na reforma tributária confunde empresas e ameaça investimentos
Resumo da notícia
- Demora na votação da reforma tributária no Congresso cria incertezas sobre 2022, dizem empresários
- Muitas empresas começam a planejar em setembro os investimentos que farão no ano que vem
- Dúvida sobre taxação de dividendo pode antecipar distribuição de lucros e reduzir investimentos
A incerteza sobre a segunda etapa da reforma tributária proposta pelo governo pode começar a afetar os planos de investimentos de algumas empresas, dizem economistas e executivos de mercado. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, as companhias que costumam definir em setembro e outubro o orçamento do próximo ano precisam saber quais regras valerão para impostos em 2022.
Entre os pontos da reforma tributária que estão em aberto e que mais influenciam as decisões de negócios das empresas estão a alíquota do IRPJ (Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas); o fim ou não dos juros sobre capital próprio (JCP); e se haverá cobrança de imposto sobre dividendos, hoje isentos.
Sem a definição desses pontos, executivos de companhias afirmam que estudam segurar novos investimentos ou antecipar distribuição de lucros acumulados até agora.
Como a maioria das grandes empresas têm ações listadas em Bolsa e precisam seguir regras de comunicação que limitam a revelação formal de planos, esses executivos confirmaram que a suspensão ou adiamento de projetos são cogitados mas não puderam dar detalhes.
O presidente-executivo da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), Eduardo Lucano, que representa empresas que respondem por 85% dos negócios com ações na Bolsa, também confirmou que a demora na definição da reforma tributária já está impactando projetos das corporações para 2022.
Claro que a indefinição da reforma tributária afeta a previsibilidade das empresas para o ano que vem e, por tabela, decisões de investimentos. Não sabemos nem sequer qual será alíquota de Imposto de Renda em 2022.
Eduardo Lucano
Indefinições sobre votação da reforma tributária
O governo federal quer realizar a reforma tributária em etapas, mas o processo não está andando, destacam empresários. A primeira etapa, que propôs a unificação de dois tributos -PIS e Cofins- foi apresentada em julho do ano passado e ainda não foi votada.
Mesmo sem essa primeira etapa definida, o ministério da Economia encaminhou ao Congresso no começo de agosto o que seria a segunda etapa da reforma tributária, propondo alterações no Imposto de Renda sobre pessoas físicas (IRPF) e empresas (IRPJ). Essa parte deveria ter ido à votação duas semana atrás, mas travou na Câmara.
E ainda há a terceira etapa da reforma tributária, que deverá envolver a unificação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e desoneração da folha de pagamentos.
Dúvida sobre IR dificulta cálculo de lucro de novos projetos
Antes de investir em novos projetos ou expansão de negócios, as empresas precisam estimar o lucro que terão na operação para decidir se vale a pena ou não seguir adiante.
Para fazer essa conta, as companhias consideram todas as despesas e receitas que terão. Os impostos representam parte dos custos.
A reforma tributária em discussão no Congresso propõe reduzir o Imposto de Renda para empresas, de 15% para 6,5% em 2022. Mas existe um adicional de 10% do IRPJ sobre lucro que ultrapasse R$ 20 mil mensais. Assim, a alíquota vai cair de 25% para 16,5% para a grande maioria das grandes empresas brasileiras, aquelas que lucram mais de R$ 20 mil por mês.
A proposta prevê ainda a redução de até 1,5 ponto percentual na cobrança da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) para as empresas, já em 2022. Com isso, as alíquotas cobradas passariam de 9%, 15% e 20% para 7,5%, 13,5% e 18,5%.
Mas em contrapartida, as empresas pagariam mais impostos numa outra ponta. Os dividendos, hoje isentos, passariam a pagar 20% de IR. E os juros sobre capital próprio não poderiam mais ser usados. Esse é um instrumento empregado por algumas empresas para reduzir pagamento de tributos, como mostramos nesta matéria.
O professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie Murillo Torelli Pinto diz que há mais dúvidas que certezas com relação à reforma tributária e que esse ambiente prejudica o planejamento das companhias.
O governo diz que a reforma tributária terá impacto neutro para as empresas, mas existe muita incerteza. Já foram vários textos apresentados, e cada vez que surge um debate, o relator diminui o corte da alíquota do IRPJ para dar algum benefício a determinados setores.
Murillo Torelli Pinto
Distribuição de lucros e uso do dinheiro acumulado
As decisões de investimentos por parte das empresas também podem ser afetadas por causa dos dividendos, dizem analistas de mercado.
Como existe a possibilidade de o governo começar a cobrar imposto sobre os dividendos a partir de 2022, algumas companhias podem aumentar a distribuição de lucros neste ano, afirma a estrategista de ações da XP Investimentos, Jennie Li.
Veja abaixo uma lista de oito empresas que mais pagaram dividendos no primeiro semestre deste ano e o quanto isso já foi a mais que no primeiro semestre de 2020, segundo levantamento da empresa de informações financeiras Economatica para o UOL.
- Vale: R$ 32,9 bilhões (+75,9%)
- Petrobras: R$ 10,5 bilhões (+56,7%)
- JBS: R$ 2,5 bilhões (+74,8%)
- Copel: R$ 1,3 bilhão (+100,4%)
- Gerdau Metalúrgica: R$ 1,14 bilhão (+316,1%)
- Gerdau: R$ 1,13 bilhão (+ 313,4%)
- Bradespar: R$ 1,13 bilhão (+27,2%)
- Carrefour: R$ 1,08 bilhão (+87,6%)
Fonte: Economatica
Outro levantamento da mesma Economatica mostra que as dez empresas que mais aumentaram o caixa na pandemia (desde março de 2020), por meio da retenção de lucros, já possuem reservas de R$ 395 bilhões no total. As empresas são Petrobras, Vale, Eletrobras, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, BTG Pactual, Itaúsa e Ambev.
Esse colchão, que foi reforçado como parte da estratégia para atravessar a crise da pandemia, pode agora virar investimentos novos em 2022. Mas também podem ser distribuídos em parte aos acionistas por meio de dividendos em 2021, dependendo da incerteza com relação à reforma tributária.
Atraso e corte de investimento em ano de eleição
O professor da FEA-RP USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP Ribeirão Preto/SP) Marcelo Botelho Moraes aponta que o problema dessa antecipação de dividendos é que as empresas podem entrar com menos caixa em 2022, um ano de eleições.
As empresas estão aproveitando para distribuir lucros agora, pois não sabem como vai ser a reforma tributária final. Então, além de adiamento de investimentos, podemos ter em 2021 um desinvestimento de fato nas empresas, como forma de tentarem se proteger dessa incerteza.
Marcelo Botelho Moraes
O especialista em contabilidade de empresas destaca que a incerteza sobre projetos para o ano que vem pode ser mais grave porque tradicionalmente a janela de oportunidades para investimentos em ano de eleições costuma ser menor.
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