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Emprego, dólar, PIB: como Evergrande e desaceleração da China afetam Brasil

Vista geral do edifício Evergrande Center, em Xangai - Hector Retamal/AFP
Vista geral do edifício Evergrande Center, em Xangai Imagem: Hector Retamal/AFP

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

22/09/2021 14h59

Resumo da notícia

  • Risco de calote de uma das maiores empresas da China assusta investidores em todo o mundo
  • Receio é por causa do impacto que quebra da Evergrande pode ter na economia chinesa
  • Problema pode afetar Brasil porque China é maior parceiro comercial e um dos principais investidores estrangeiros no país

O risco de calote da Evergrande, gigante do mercado imobiliário e dos maiores grupos empresários da China, provocou uma onda de desvalorização nas principais bolsas do mundo, incluindo o Brasil, por causa do receio de que o problema dessa companhia atrapalhe a economia chinesa e, por tabela, o crescimento mundial.

O encaminhamento de um acordo que pode evitar um grande calote, começando pelo vencimento de US$ 83,5 bilhões marcado para essa quinta-feira (dia 23), junto com a atuação do governo chinês colocando o equivalente a US$ 13 bilhões no sistema bancário aliviaram as preocupações de investidores por enquanto, mas as incertezas permanecem, dizem economistas especializados em economia chinesa.

O principal receio nesse momento é que a crise possa ter atingido outras empresas chinesas além da Evergrande, que é um conglomerado com US$ 309 bilhões em ativos (2% do PIB Chinês), negócios nos ramos imobiliários, mineral, de entretenimento, mídia e veículos elétricos e uma dívida de US$ 300 bilhões (é a maior devedora no mercado asiático de títulos corporativos de risco).

Como a China influencia preços no mercado mundial

A China vinha crescendo usando investimentos em infraestrutura e grandes obras com muito crédito até 2005, segundo o professor de economia internacional e economia chinesa no Insper e mestre em economia chinesa pela universidade chinesa de Fudan, Roberto Dumas. A partir de então, passou a buscar crescer também por meio de aumento da renda da população trabalhadora, em especial nas áreas rurais, o que ajudou a aumentar o consumo doméstico.

Nos dois casos, esse crescimento favorece o Brasil. Quando o país precisa de investimentos em grandes obras ou no setor imobiliário, o Brasil ganha porque é grande exportador de minério e aço. E quando a China cresce com o aumento do poder aquisitivo da população local, o Brasil ganha porque assim pode exportar mais alimentos, em especial proteína animal.
Roberto Dumas, Insper

Se economia chinesa crescer menos, o país também vai comprar menos também de outros países. O Brasil vai ter que disputar com produtores de outros lugares uma forma de vender sua produção. Com menor demanda e mesma oferta, o que acontece é uma redução do preço de minérios e alimentos em todo o mundo. Isso já está ocorrendo, por exemplo, com os preços do minério de ferro, que já se desvalorizaram 50% desde o pico em maio deste ano.

China é grande comprador de produtos brasileiros

A capacidade da China para influenciar a economia global tem crescido na medida que o país aumenta a participação no PIB (Produto Interno Bruto) global. Em 2014, essa participação era de 13,4%, subindo a 15,9% em 2018 e chegando a 17,6% em 2020.

A China é o maior comprador de produtos brasileiros e um fornecedor de insumos e equipamentos para a indústria, além de ser um dos cinco maiores países investidores na economia brasileira. Por esses três motivos principais, a economia chinesa tem influência direta no desempenho da economia brasileira e, por tabela, na geração de emprego e renda para brasileiros.

Segundo dados do Indicador mensal da Balança Comercial de agosto de 2021 da FGV Ibre, com dados do ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o saldo comercial que o Brasil tem com a China, ou seja, quanto vendemos a mais do que compramos deles, atingiu US$ 35 bilhões apenas nos oito primeiros meses deste ano. Isso representa 67% do superávit global da balança comercial brasileira, de US$ 52,1 bilhões.

Sem a China, o superávit brasileiro seria de US$ 17,1 bilhões. Para comparar, o segundo maior parceiro comercial do Brasil, os Estados Unidos, o país é deficitário.

Três produtos —soja, minério de ferro e petróleo— explicam 45% das exportações brasileiras no acumulado do ano até agosto. Nesse mesmo período, a China comprou 63% das vendas externas brasileiras de minério de ferro, 69% da soja em grão e 49% do petróleo. O país também registrou elevada participação nas compras de carne bovina (57%) e celulose (42%), colocados em quinto e nono lugar na lista dos principais produtos exportados pelo Brasil.

Segundo o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Tirso Meirelles, o mercado chinês é essencial para pelo menos 17 produtos agropecuários: arroz, trigo, milho, soja, oleaginosas, algodão, açúcar, legumes, batatas, frutas, carne suína, carne aviária, carne bovina e ovina, ovos lácteos, pescados e rações.

Mesmo com o avanço na produção agrícola chinesa, será necessário aumentar as importações para suprir a demanda por alimento.
Tirso Meirelles, Faesp

Por que Brasil precisa exportar?

Se exporta mais produtos, o Brasil recebe mais dólares. Os exportadores brasileiros que vendem para a China, por exemplo, podem aumentar a produção e, dessa forma, também contratar mais trabalhadores, gerando mais empregos.

A pesquisadora associada do FGV Ibre, Lia Valls Pereira, aponta que uma menor demanda chinesa poderá se traduzir em taxas menores de crescimento para o Brasil.

Já a professora do curso de administração com foco em comércio exterior da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Francisca Grostein, destaca a importância da China para o agronegócio brasileiro, setor que tem conseguido atravessar a crise da pandemia com manutenção de empregos.

A China é nosso principal destino do agronegócio, o que permite geração de empregos. E emprego é tudo que o Brasil precisa, considerando que temos mais de 14 milhões de desempregados hoje.
Francisca Grostein, Mackenzie

O professor de economia chinesa do Insper diz que a importância da China para o agronegócio não se limita ao próprio setor. "O agronegócio pode ser apenas 8,5% do PIB brasileiro, mas temos que considerar toda a cadeia. Quando o Brasil vende mais soja, precisa de máquinas agrícolas, de mais defensivo, de mais trabalhador no campo. Além disso, ao exportar mais para a China, o Brasil ganha escala para produzir mais e vender para outros mercados também", diz Roberto Dumas, do Insper.

Uma eventual crise na China, que afete seu crescimento para baixo, tem o poder de transbordar sobre a nossa economia, via canal de exportações, além de outras vasos comunicantes, como mercados de capitais e investimentos diretos de empresas aqui no país.
Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos

Investimentos estrangeiros diretos

Segundo dados do Banco Central, a China é o quinto maior investidor estrangeiro no Brasil, e vem ganhando espaço. Em 2010, os investimentos de empresas chinesas no Brasil foram de US$ 7,8 bilhões, ou 1% do que o país recebeu de fora. Em 2019, dado anual do Banco Central mais recente, essa participação subiu para 5%, somando US$ 28,1 bilhões em investimentos.

Entre 2007 e 2020, as empresas chinesas já fizeram 176 empreendimentos no Brasil, com aportes que somam US$ 66,1 bilhões, de acordo com o estudo Investimentos Chineses no Brasil, feito pelo Conselho Empresarial Brasil-China em parceria com o Bradesco Corporate. Isso corresponde a 47% dos investimentos chineses em toda a América do Sul.

O setor de eletricidade é o que mais recebe recursos da china, com 31% do total. No momento em que o Brasil enfrenta risco de apagão, o capital chinês pode ser importante para o país realizar os investimentos necessários para aumentar a capacidade de geração, transmissão e distribuição energética em nosso território.

Apesar da forte preferência pelo setor de eletricidade, a China vem diversificando os investimentos no Brasil. Há um aumento considerável da participação da indústria manufatureira, que fica em segundo lugar, com 28% do capital recebido.

O dinheiro chinês também ganha espaço em setores como tecnologia da informação (7%), agricultura (7%) e serviços financeiros (6%).

Em pouco mais de dez anos, empresas chinesas investiram em todas as regiões do Brasil. Há projetos chineses confirmados em 23 das 27 unidades federativas do país. O estado de São Paulo lidera com 31% do número de projetos confirmados entre 2007 e 2020, seguido por Minas Gerais (8%), Bahia (7,1%), Rio de Janeiro (6,7%), Goiás (5,4%) e Pará (4,6%).
Conselho Empresarial Brasil-China

Para o diretor de economia e estratégia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), André Rebelo, o caso envolvendo a Evergrande pode afetar esse fluxo de investimentos chineses na economia brasileira. Isso pode ter repercussões negativas inclusive sobre programas de concessão e privatização usados por governos estaduais e federal para atrair capital para projetos de infraestrutura e energia, por exemplo.

Esse caso pode gerar desconfiança com relação aos devedores chineses. A questão não é apenas essa empresa, mas saber se o problema envolve outras empresas e setores, dependendo de participações cruzadas dessas empresas imobiliárias nas empresas de infraestrutura chinesas. A questão que fica entre os bancos e investidores que financiam esses projetos é até que ponto outras empresas também não podem estar muito endividadas.
André Rebelo, Fiesp

Participação na cadeia da indústria

O diretor da Fiesp diz que o Brasil precisa equilibrar a relação comercial com a China porque vende produtos naturais e compra produtos industrializados, com maior valor agregado. "A gente precisa reequilibrar esse comércio para vender mais produtos com mais trabalho embarcado, que gere mais empregos aqui", afirma Rebelo.

Mas ele destaca que, ainda assim, a China tem participação importante no fornecimento de insumos essenciais para algumas indústrias brasileiras —do insumo de vacina aos chips, por exemplo. Sem insumos farmacêuticos, o Brasil não tem vacina; sem chip, param produções de carros a smartphones.