Brasil descumpre plano energético, e falta o equivalente a quase uma Itaipu
O plano de aumentar a produção de energia no Brasil foi descumprido nos últimos dez anos. O déficit em relação ao que foi programado é equivalente hoje a quase a uma usina hidrelétrica de Itaipu. Todos os anos, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), ligada ao governo federal, produz um plano apontando o quanto a capacidade de geração de energia elétrica no país precisa crescer, em uma década, para atender a demanda.
O documento produzido para 2021 mostra que, nos últimos dez anos, o país não atingiu os valores planejados: o parque de geração atual tem 10 GW a menos de capacidade do que o previsto. Para se ter uma ideia, Itaipu, no Paraná, tem 14 GW de capacidade instalada; a de Tucuruí, no Pará, tem quase 8,4 GW.
Perspectiva para próximos anos é ruim
Enfrentando a pior seca em 90 anos, o país teve de acionar usinas termelétricas, mais caras, e importar mais energia para evitar desabastecimento. As ações encareceram a conta de luz, o que, junto com outros fatores, tem pressionado a inflação.
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que os planos da EPE são apenas indicativos, ou seja, não são obrigatórios, já que os investimentos no setor são da iniciativa privada. Mas, segundo eles, a falta de incentivo do governo e as condições econômicas do país acabaram diminuindo o interesse dos investidores por novas usinas.
E o horizonte para os próximos anos não é melhor: a lei que permitiu a privatização da Eletrobras, estatal do setor elétrico, incluiu a construção obrigatória de novas usinas térmicas a gás. De acordo com os especialistas, a determinação "atropela o planejamento", já que impõe o investimento nessas usinas mesmo que não seja o mais vantajoso para o país.
O que estava no plano para 2021
O planejamento feito pela EPE é baseado em uma estimativa da demanda por energia elétrica, calculada, por exemplo, a partir de projeções sobre o crescimento da economia. No plano para 2021, a previsão era de que o país tivesse crescimento médio de 5% nos últimos cinco anos —o que não se concretizou antes mesmo da pandemia de covid-19. Em 2019, por exemplo, o país cresceu 1,2%, segundo o IBGE.
No lado da geração de energia, o documento previa a construção de mais usinas hidrelétricas, térmicas e nucleares do que há hoje. Houve expansão maior do que a prevista em fontes como a eólica (vento) —mas não em quantidade suficiente para que a capacidade de geração prevista inicialmente fosse atingida.
Por que as novas usinas não foram construídas?
Diogo Lisbona, pesquisador do Ceri/FGV (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas), afirma que, no caso das hidrelétricas, grandes usinas acabaram não sendo construídas por problemas diversos, desde ambientais até de estruturação dos projetos.
Depois dos projetos de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte, a expansão hidrelétrica por grandes projetos enfrenta muita resistência. É uma escolha da sociedade, que envolve o impacto e o custo da construção de hidrelétricas na Amazônia, que estão muito longe dos centros de consumo. É por isso que havia uma perspectiva hidrelétrica grande no plano que não se materializou.
Diogo Lisbona, da FGV
Também havia a previsão de entrada em operação da usina nuclear de Angra 3, o que não ocorreu. No caso das térmicas, não entraram em operação usinas movidas a óleo combustível e diesel.
Falta interesse de investimento privado
Renato Queiroz, pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e conselheiro do Instituto Ilumina, afirma que, além de o plano ser indicativo e não obrigatório, o governo "não conseguiu viabilizar os investimentos privados necessários".
Quando a Eletrobras era inteiramente estatal [antes dos anos 1990], o governo mandava, e a Eletrobras tinha que fazer. Agora, o investimento em energia no Brasil depende do apetite do investidor. E não é de agora que não há esse apetite. Para haver expansão, é preciso uma política de incentivo e condições econômicas adequadas.
Renato Queiroz, da UFRJ
Em 2016, por exemplo, o governo do então presidente Michel Temer cancelou um leilão que poderia criar 1.200 usinas solares e eólicas. A avaliação, da própria EPE, é de que poderia haver "excesso de oferta" de energia.
O que prevê o plano para 2030
O último plano decenal publicado pela EPE prevê uma expansão de 37 GW na capacidade instalada de geração de energia entre 2026 e 2030.
O incentivo para a expansão de fontes renováveis, como eólica e solar, ocorre principalmente no mercado livre, destinado a grandes consumidores, como indústrias.
Diferentemente do mercado regulado, em que estão os consumidores residenciais, o ambiente livre permite que o cliente escolha de quem vai comprar energia.
Segundo Denis Maia, CEO da Choice Technologies —empresa que presta serviços para distribuidoras de energia—, se a crise relacionada à geração de hidrelétricas persistir, por causa de volumes menores de chuva, a tendência é que os clientes do mercado livre comprem mais energia de outras fontes renováveis, como eólica e solar, que são mais baratas.
Se essa situação de reservatórios baixos, que encarece a energia, continuar, pode haver mais clientes de grande porte que queiram migrar para o mercado livre e comprar de fontes renováveis.
Denis Maia, da Choice
Lei da venda da Eletrobras engessa expansão
Diogo Lisbona, da FGV, afirma que a lei que permitiu a privatização da Eletrobras "atropelou" o planejamento, já que impõe a construção de térmicas a gás em um modelo predominantemente inflexível, ou seja, em que a usina fica o tempo todo funcionando, independentemente da necessidade do setor elétrico ou do custo.
A expansão de térmicas prevista no plano da EPE para 2030 é de térmicas flexíveis, em que uma parte da capacidade é acionada só quando há necessidade.
O planejamento é feito considerando a competição entre as fontes de energia, dizendo o que seria mais indicado. A lei aprovada no Congresso determina a contratação de térmicas a gás mesmo que elas tenham um custo maior do que outras fontes, mais competitivas, e em lugares que não necessariamente são os melhores.
Diogo Lisbona, da FGV
Segundo Queiroz, da UFRJ, a privatização da Eletrobras atende a um interesse de momento do governo, e não a uma perspectiva de planejamento para o país.
A privatização, ainda mais feita dessa maneira, é um erro. Atende apenas a uma necessidade de curto prazo do governo, de ganhar dinheiro.
Renato Queiroz, da UFRJ
Ministério e EPE dizem que plano "não é estático"
Em nota, a EPE e o Ministério de Minas e Energia afirmaram que o plano é "a principal referência para o setor de energia", mas que não deve ser lido como "algo estático, que determina o que vai acontecer nos próximos dez anos".
Por isso, segundo os dois órgãos, a expansão indicada no documento "não deve ser diretamente comparada com a efetiva expansão da capacidade do sistema, sob pena de serem feitas conclusões equivocadas".
A EPE disse, ainda, que a determinação prevista na lei de privatização da Eletrobras, sobre térmicas a gás, será considerada no próximo plano.
Já o Ministério afirmou que "o Brasil deve continuar com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo".
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