Como empresas e funcionários devem lidar com clientes racistas? Veja dicas
Quem lida diretamente com público pode subitamente se deparar com um cliente racista. É o caso de um gerente de um bar do Rio, que registrou boletim de ocorrência contra uma cliente. Há outros casos de grande repercussão, como o de uma atendente da Pizza Hut que teria sido chamada de "macaca" pelo advogado Frederick Wassef, que já atuou para a família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Wassef nega.
O que fazer nessas situações? O UOL conversou com advogados e especialistas na área para descobrir a postura certa a ser tomada por funcionários e empresas diante de clientes com atitudes racistas. Algumas situações serão apresentadas ao longo da reportagem.
Se as ofensas raciais ocorrerem em público
- Puxe o celular do bolso e passe a gravar, preferencialmente em vídeo, mas pode ser em áudio. Se estiver sem o aparelho em mãos, peça para um colega de trabalho. Para deixar a fala do agressor audível, não rebata enquanto está sendo feita a gravação, recomenda a fundadora e diretora executiva do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), Luana Génot. A ideia é produzir provas.
"O ideal é ficar ouvindo, não rebater. Mas é claro que o funcionário pode sempre reforçar que a postura do cliente é racista. A indicação de gravar é para se ter prova para o BO (boletim de ocorrência) e para a própria empresa sobre o caso. A prova é fundamental, a gente está vivendo um momento em que cada um é produtor de provas"
Luana Génot, fundadora e diretora executiva do ID_BR.
- Seja firme na maneira de falar, explique que aquilo é um crime para tentar impedir que o cliente continue com a ação racista. "Fale de forma firme e não agressiva, isso vai dar limite ao cliente", recomenda o advogado empresarial Fabiano Machado da Rosa.
- Encontre testemunhas, de clientes a colegas de trabalho. Ao se ter gravações das ofensas e ainda relato de outras pessoas, a denúncia "ganha mais força", garante a diretora executiva do ID_BR.
- Caso as ofensas continuem, encerre o atendimento e procure o gestor hierárquico, indica Da Rosa e o advogado e diretor do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) Daniel Teixeira.
- Em qualquer uma dessas etapas, a recomendação do líder da marca e ativismo da Ben & Jerry's, Rodrigo Santini, é acionar os órgãos de segurança e fazer o registro de ocorrência.
- Para empresas: dê assistência aos funcionários, já que a situação pode gerar um trauma, orienta Teixeira.
Se as ofensas resultarem em agressões físicas
- Não hesite: grite ou chame outras pessoas para conter o agressor, diz a diretora executiva do ID_BR.
- Proteja-se. "A orientação é se defender, reagir de maneira proporcional e chamar a segurança privada e pública", recomenda Da Rosa.
- As empresas devem ficar ao lado da vítima e garantir suporte a ela --tanto jurídico quanto psicológico.
Se as ofensas forem nas redes sociais
Há duas possibilidades, segundo o representante da Ben & Jerry's:
- Quando ocorre um comentário de ódio, a recomendação é não responder, já que não há "possibilidade de diálogo", destaca Santini. Ele diz que a marca é alvo de ataques nas redes por se posicionar contra o racismo, a violência contra a população LGBTQIA+ e em defesa da população periférica. "Recebo nas redes sociais mensagens dizendo que eu devo morrer e mandando que eu só 'faça sorvetes' e não entre nessas questões", conta.
- Quando há dúvidas sobre o posicionamento da marca, a empresa deve adotar a política de explicar por que aquele tema é importante de ser abordado por ela.
Se o funcionário agir mal, a culpa é da empresa?
Não há consenso em relação a esse ponto. Da Rosa entende que é preciso analisar caso a caso. Já a diretora executiva do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil) considera que a "responsabilidade é sempre da empresa".
Seguindo essa linha, o diretor do Ceert diz que as empresas têm responsabilidade sobre os atos de seus prepostos (representantes), como os funcionários, segundo aponta o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.
Os especialistas ouvidos pelo UOL dizem que os empregados precisam receber treinamento para saber como agir nessas situações. "A primeira linha de defesa é o próprio funcionário. Ele deve saber claramente qual é a política da empresa na questão racial. Se não, vai ficar quieto ou agir de maneira desproporcional. Se está treinado, terá calma para agir e chamar superior", diz Da Rosa.
Génot afirma que muitas empresas deixam apenas no papel o combate ao racismo e o fomento à diversidade. Além disso, colocam diferentes questões dentro dos mesmos treinamentos.
"Sugerimos treinamentos específicos para cada temática. O que não dá para fazer é passar só meia hora em treinamento, explicando de forma muito rasa. A gente sabe que não dá para parar um lojista por 10 horas, mas é possível parar por uma hora a cada dois meses", diz.
Génot percebe ausência de postura propositiva das empresas em relação à educação racial. "Entendemos que o combate ao racismo é transversal e perene. Hoje não existe campanha massiva para além do 'diga não ao racismo'. Você não vê varejistas, por exemplo, dizendo 'querido cliente, não use expressões racistas'."
Funcionário agredido pode solicitar reparação à empresa na Justiça?
Sim, o funcionário pode processar o patrão na Justiça trabalhista. A empresa é responsável pela saúde e integridade física dos funcionários durante o período de trabalho, diz Teixeira. Por outro lado, o estabelecimento pode pedir a reversão da condenação e cobrar o ressarcimento do agressor, explica o diretor da Ceert.
Da Rosa afirma que é preciso analisar cada situação individualmente, mas concorda que o funcionário pode conseguir reparação. "Se ficar comprovado que não havia segurança, que o gestor da empresa foi omisso, ou que não havia equipamentos de proteção, por exemplo, pode haver reparação por dano moral", diz.
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