Câmara deve votar hoje PEC dos Precatórios e definir futuro do novo auxílio
A Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (9) o segundo turno da PEC dos Precatórios, que adia e parcela o pagamento de dívidas do governo e dribla a regra do teto de gastos. A PEC é a aposta do governo para conseguir gastar mais R$ 91,6 bilhões no ano que vem e aumentar para R$ 400 o valor do Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família, até o final de 2022, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta a reeleição.
Se passar na Câmara, o texto ainda deverá ser votado duas vezes no Senado.
Os reflexos da votação de hoje e o ambiente político de Brasília, abalado por uma decisão judicial que suspendeu as emendas anônimas do chamado "orçamento paralelo", ajudam a definir o futuro eleitoral de Bolsonaro.
Na semana passada, a Câmara aprovou a PEC em primeiro turno por uma margem estreita, de apenas quatro votos. O governo contou com votos de partidos da oposição, como o PDT.
Nas vésperas da votação, o governo liberou quase R$ 1 bilhão em emendas a deputados, conforme levantamento da ONG Contas Abertas.
Parte das emendas constituem as chamadas "emendas de relator", instrumento que têm gerado polêmica dentro e fora do Congresso. Por meio delas, o relator do Orçamento consegue direcionar recursos a parlamentares que apoiam propostas do governo. O deputado que recebe a emenda fica anônimo, já que ela aparece nos portais de transparência carimbadas apenas com a rubrica "RP-9", como se fosse do relator do Orçamento da União. Na semana passada, o deputado Celso Maldaner disse que havia ofertas de R$ 15 milhões em emendas a quem votasse a favor da PEC.
A liberação dos recursos depende do Executivo, daí o instrumento ser utilizado às vésperas de votações importantes.
STF suspendeu emendas do relator
Depois da primeira votação, a ministra do STF Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas anônimas. Na decisão, Weber diz que é "inequívoco" o dano aos "princípios republicanos, à publicidade e à impessoalidade dos atos da administração pública e ao regime de transparência na aplicação de recursos financeiros do Estado".
Para o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, as emendas do relator são "o mais promíscuo instrumento de barganha política entre o Legislativo e o Executivo das últimas décadas, Trata-se de um mensalão oficial".
Até quarta-feira (10), o plenário do STF vai julgar se mantém ou não a suspensão das emendas.
Ontem, o líder do governo, Ricardo Barros, disse que a PEC será votada hoje mesmo com a decisão do STF.
A PEC vai ser votada independentemente do Supremo. Para nós, isso [a suspensão] é indiferente.
Ricardo Barros, líder do governo
Segundo ele, "as emendas não têm nada a ver com isso [a PEC]".
Dinheiro para o Auxílio Brasil
Bolsonaro conta com a PEC para turbinar o novo programa social e tentar aumentar sua popularidade, em um contexto de disparada dos combustíveis e da inflação, em geral, e de aumento da pobreza.
A cerca de um ano das eleições, a popularidade do presidente registrou queda recorde em setembro. Se a disputa fosse hoje, seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estaria à frente na votação, indicam os principais institutos de pesquisa do país.
Via Medida Provisória, o governo Bolsonaro extinguiu o Bolsa Família, marca dos governo do PT, após 18 anos de programa. No seu lugar, foi criado o Auxílio Brasil, com regras diferentes. Bolsonaro tenta obter recursos pagar um benefício maior, de R$ 400.
Adiamento de precatórios
Para isso, Bolsonaro quer atrasar o pagamento dos precatórios - um "calote", segundo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.
O texto aprovado na Câmara traz duas mudanças principais. Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 44,6 bilhões.
Defensor de mudanças nas regras para pagamento de precatórios, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha qualificando como um "meteoro" sobre a economia a necessidade de pagar R$ 89 bilhões em precatórios no próximo ano. Conforme o ministério, não há espaço no orçamento. Em comparação, o orçamento de 2021 prevê a quitação de R$ 54,7 bilhões em precatórios.
Drible no teto de gastos
Em segundo lugar, a PEC dos precatórios muda regras do teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. Na prática, a mudança é vista como permissão para furar o teto.
O texto prevê que o limite seja determinado não mais pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas pela taxa apurada nos 12 meses até dezembro do ano anterior. Com essa mudança técnica, haverá uma folga de R$ 47 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro Nacional.
Vinculações e espaço para gastos
Considerando o espaço total de R$ 91,6 bilhões calculado pelo Tesouro, R$ 50 bilhões iriam para o pagamento do Auxílio Brasil - o programa que substituirá o Bolsa Família. O programa já conta com R$ 34 bilhões.
Outros R$ 24 bilhões seriam gastos com reajuste do salário mínimo e de benefícios previdenciários pela inflação.
Conforme o Tesouro, a PEC mantém as vinculações de alguns grupos de despesas ao teto de gastos, o que faz com que parte do espaço já seja parcialmente consumida.
Desse modo, haverá um aumento de R$ 3,9 bilhões para a área de saúde, de R$ 1,8 bilhão para a área de educação e de R$ 300 milhões para emendas individuais. Ao se eliminar as vinculações, os custos com o Auxílio Brasil e a recomposição inflacionária, há uma sobra de R$ 10 bilhões, sem destinação ainda.
Parlamentares da oposição afirmam que parte dos recursos pode acabar justamente nas chamadas emendas de relator.
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