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Aceitar precatório com 40% de desconto ou para abater dívidas vale a pena?

Doucefleur/iStock
Imagem: Doucefleur/iStock

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

24/11/2021 04h00

Pessoas físicas e empresas poderão utilizar precatórios federais para quitar dívidas com o próprio governo, em vez de receberem o valor em dinheiro, ou obter os recursos com 40% de desconto, saindo da fila de espera. Estas são duas das inovações trazidas pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios, que já foi aprovada na Câmara e está atualmente em discussão no Senado.

Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.

Defendida pelo governo de Jair Bolsonaro, a PEC altera uma série de regras para o pagamento de precatórios e o controle de gastos. Um dos objetivos é conseguir uma folga de R$ 106,1 bilhões no orçamento de 2022, pelos cálculos mais recentes do Tesouro Nacional, o que viabiliza o Auxílio Brasil, o programa social que substituirá o Bolsa Família.

O governo espera pagar R$ 400 por mês aos beneficiários do auxílio, até o fim de 2022 — ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentará a reeleição. Para atingir esta cifra, a PEC traz duas mudanças principais.

Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 43,8 bilhões.

Em segundo lugar, a PEC muda o teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. Com isso, haverá uma folga de R$ 62,2 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro Nacional.

Como será o adiamento?

O Tesouro Nacional vinha calculando que, em 2022, o governo precisaria pagar R$ 89,1 bilhões em precatórios. O valor diz respeito aos precatórios emitidos até 1º de julho de 2021, data limite para entrar no universo de pagamentos a serem feitos no ano seguinte.

A proposta em discussão no Senado estabelece um teto para o pagamento de precatórios a cada ano. Este teto será calculado com base no que foi pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões), atualizado pela inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

A partir disso, o governo calcula que serão pagos R$ 45,3 bilhões de precatórios federais em 2022 — e não os R$ 89,1 bilhões originalmente previstos. Na prática, seria adiado, para os anos seguintes, o pagamento de R$ 43,8 bilhões de precatórios. Estes títulos estão nas mãos de pessoas físicas e empresas.

Quem vai receber?

A PEC estabelece uma fila de prioridades para o recebimento de precatórios. Dentro dos R$ 45,3 bilhões previstos para 2022, serão pagos em primeiro lugar os precatórios de pequeno valor, de 60 salários mínimos (R$ 66 mil).

Depois disso, entram na lista de prioridades os portadores de doenças graves, pessoas com mais de 60 anos e portadores de deficiência. Na sequência, o governo pagará precatórios relacionados ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Somente após isso o governo pagará os precatórios por ordem de apresentação pela Justiça.

E se o precatório não for pago dentro do limite do ano?

Pessoas físicas e empresas que não receberem os precatórios por ficarem fora dos grupos de pagamento continuarão na fila, podendo receber nos anos seguintes. A PEC estabelece, porém, algumas alternativas para recebimento imediato ou uso dos valores mesmo que a pessoa fique na fila.

A primeira possibilidade é o recebimento com desconto de 40% até o fim do exercício seguinte.

Se uma pessoa com um precatório de R$ 100 mil, por exemplo, ficou fora do limite para recebimento ainda em 2022, ela terá até o fim de 2023 para solicitar ao governo o pagamento do valor com 40% de desconto. Neste caso, ela receberia R$ 60 mil, em parcela única.

Como receber com desconto?

A pessoa física precisará recorrer a um Juízo Auxiliar de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal. O pagamento será feito desde que haja acordo entre a pessoa física e o governo. Esta dinâmica vale também para empresas.

O advogado Guilherme Braidotti Filgueiras, da área de novos negócios da LacLaw Consultoria Tributária, afirma que o andamento de acordos em Juízos de Conciliação leva até seis meses.

Os economistas têm chamado isso de 'banca de leilão de precatórios'. A grande questão é que, para que seja realizado, é necessário um acordo em Juízo de Conciliação. Não é simplesmente o credor chegar e dizer que quer renunciar aos 40%. Se a União não quiser, não vai ter acordo
Guilherme Braidotti Filgueiras, da LacLaw Consultoria Tributária

Possibilidade de receber de outras formas

A PEC permite que quem ficou de fora do grupo que receberá o pagamento em dinheiro já em 2022 também possa, por exemplo, quitar débitos parcelados com o governo ou débitos inscritos na dívida ativa da União.

De acordo com a advogada Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, isso valerá tanto para pessoas físicas quanto para empresas.

Até hoje, todo precatório federal expedido até 1º de julho era pago no ano seguinte. Mas a PEC quer estabelecer um limite para isso. Quando o precatório entrar neste limite, ele será pago em dinheiro e o credor terá acesso a este valor. Só que a lei traz a possibilidade de quitação de débitos parcelados e inscritos na dívida ativa. Nunca houve uma lei que autorizasse isso
Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados

Em sua maioria, as dívidas de pessoas físicas e empresas com o governo são tributárias. Uma pessoa pode ter deixado de pagar o Imposto de Renda, por exemplo, e isso acabar sendo inscrito na dívida ativa.

A PEC permite ainda que os precatórios sejam utilizados em outras quatro situações:

  • Compra de imóveis públicos federais: isso já é possível pelas regras atuais. Os precatórios podem ser usados na aquisição de qualquer tipo de imóvel colocado à venda pelo governo.
  • Pagamento de outorgas: se uma empresa conquistar a concessão de uma rodovia ou de um parque federal, por exemplo, ela poderá usar os precatórios em sua posse para pagar valores devidos ao governo. Neste caso, a possibilidade está aberta apenas para empresas.
  • Aquisição de participação societária: será possível utilizar precatórios para comprar participação em companhias que, eventualmente, sejam colocadas à venda pelo governo federal. Em tese, se a privatização dos Correios avançar, por exemplo, seria possível usar os precatórios para adquirir parte da empresa.
  • Compra de direitos: caso a União queira negociar um direito - como uma dívida a ser recebida -, pessoas físicas e empresas poderão utilizar os precatórios para adquiri-lo. Caso o direito seja a antecipação de valores a serem recebidos em contratos de partilha de petróleo, o uso de precatórios será possível por empresas.

Haverá procura?

Conforme Guilherme Braidotti Filgueiras, da LacLaw, a dívida de famílias e empresas com a União gira hoje em torno de R$ 3 trilhões. Ainda que o valor dos precatórios já emitidos e que não serão pagos em 2022, num total de R$ 45,3 bilhões, seja bem menor, isso não significa que eles serão usados para abater dívidas.

No caso das pessoas físicas, Filgueiras enxerga uma barreira natural: a falta de informação. "Acho difícil que a grande massa tenha conhecimento ou mesmo dinheiro para procurar e fazer essas transações com precatórios", diz.

Filgueiras afirma que a possibilidade de recebimento com desconto de 40% também vai esbarrar na falta de informação jurídica. "Entre as pessoas físicas, mesmo estando fora do teto, os precatórios não devem ter valores muito altos", diz. "Uma pessoa com precatório de R$ 100 mil pode fazer uso do desconto para receber. Ela vai fazer isso? Provavelmente não."

Títulos também podem ser negociados no mercado

Quem possui um precatório na fila pode ainda negociá-lo com terceiros, com deságio (desconto). Filgueiras afirma, no entanto, que a possibilidade de recebimento do valor com desconto de 40%, via governo, pode estabelecer um "teto" para o deságio aplicado no mercado.

"Atualmente, o deságio para precatórios federais chega a superar os 50%", diz o especialista. "Com a PEC, os escritórios que compram precatórios vão ser mais procurados, mas eles terão que se submeter aos 40%. Não fará sentido um deságio de 50%, porque a pessoa poderá optar pelo governo."