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O que Guedes e Bolsonaro fizeram pela economia até agora? Analistas avaliam

Com Paulo Guedes no Ministério da Economia, governo não fez reformas administrativa e tributária - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Com Paulo Guedes no Ministério da Economia, governo não fez reformas administrativa e tributária Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

27/12/2021 04h00

A reforma da Previdência, aprovada ainda no primeiro ano da presidência de Jair Bolsonaro, é até agora o principal legado da área econômica do atual governo. Essa é a percepção de economistas ouvidos pelo UOL. Para alguns deles, a reforma é, aliás, o único legado positivo deixado até o momento pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Antes mesmo de chegar ao ministério em 2019, Guedes se colocou como o porta-voz das propostas econômicas de Bolsonaro. Apelidado de posto Ipiranga pelo então candidato, numa referência à capacidade de Guedes de concentrar os projetos da área econômica, o ministro trouxe para os debates sua agenda liberal.

Entre os objetivos do novo governo, estavam o controle das contas públicas; as reformas da Previdência, tributária e administrativa; desburocratização e modernização do Estado; e privatização de estatais.

Passados três anos de Guedes no ministério, economistas afirmam que o maior êxito do governo foi a aprovação da reforma da Previdência —ainda em 2019 e antes da pandemia.

Reforma da Previdência

O economista Alexandre Schwartsman, sócio da consultoria Schwartsman & Associados, também destaca como legado positivo do atual governo a Reforma da Previdência. Os cálculos eram de que a reforma proporcionaria economia superior a R$ 800 bilhões em um período de dez anos.
Schwartsman cita ainda a aprovação da autonomia do Banco Central no Congresso -- uma bandeira histórica da instituição, mas que levou décadas até finalmente ser votada.

Com a autonomia, o BC em tese terá maior liberdade para atuar no controle da inflação, sem interferências do Planalto. O controle da inflação é um dos principais desafios para o Brasil em 2022.

O economista Otto Nogami, professor do Insper em São Paulo, também fala da Previdência mas chega a relativizar o sucesso da reforma.

A reforma da Previdência é um legado, sem dúvida, mas totalmente desidratado. O que se pretendia era uma economia de R$ 1,3 trilhão. Ficaram R$ 800 bilhões. E agora, com essas medidas populistas do governo, a situação vai se agravar. Tudo o que foi feito em matéria de reforma da Previdência está indo ralo abaixo.
Otto Nogami, economista

Entre as medidas populistas, Nogami cita o pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) em 2022, quando Bolsonaro tentará a reeleição.

Gás e saneamento

Para Schwartsman, os novos marcos legais nas áreas de gás e saneamento também merecem destaque.

Em abril do ano passado, já em meio à pandemia, Bolsonaro sancionou o novo marco regulatório do gás natural, que encerrou o monopólio da Petrobras e buscou elevar a concorrência na área. Esta é a semente para o que Guedes vinha chamando de "choque de energia barata".

O novo marco legal do saneamento básico foi sancionado por Bolsonaro em julho do ano passado. A intenção da lei é abrir o mercado para a iniciativa privada.

Ferrovias

Economistas do mercado financeiro também citam o novo marco legal das ferrovias, aprovado na Câmara neste mês e que promete estimular os investimentos no setor.

Covid-19 atrapalhou

Para Ricardo Leite, líder da área de Renda Variável da Diagrama Investimentos, o impacto da pandemia de covid-19, a partir de março de 2020, impediu que o governo impulsionasse outras reformas estruturais no Congresso.

No primeiro ano do governo, foi concretizada a reforma da Previdência. E havia privatizações em linha, o que havia ajudado Guedes a convencer o mercado financeiro durante a campanha. Só que veio a pandemia e foi preciso fazer um ajuste de norte. Algumas ideias acabaram se perdendo, como a reforma administrativa e a reforma tributária.
Ricardo Leite, da Diagrama Investimentos

Controle de gastos do governo desaponta

Economistas ouvidos pelo UOL citaram, entre os legados negativos do governo Bolsonaro até agora, o enfraquecimento da confiança no controle de gastos do governo.

Alguns lembraram que, logo após a eleição de 2018, Guedes chegou a falar sobre a possibilidade de zerar o déficit primário do governo ainda em 2019.

O resultado primário reflete as receitas menos as despesas do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central).

Na conta, não entra o pagamento dos juros da dívida pública. Quando ele é deficitário, isso significa que o governo está gastando mais do que arrecada.

Em função da crise de orçamento iniciada no governo de Dilma Rousseff, o governo chegou a registrar déficit de 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2016.

Guedes e sua equipe não conseguiram zerar essa conta em 2019 e precisaram elevar fortemente os gastos em 2020, em função da pandemia.

Em 2021 e 2022, passado o período crítico da crise, as projeções do ministério são de déficits menores:

Resultado primário em relação ao PIB

  • 2014: -0,4%
  • 2015: -2%
  • 2016: -2,6%
  • 2017: -1,9%
  • 2018: -1,7%
  • 2019: -1,3%
  • 2020: -10%
  • 2021: -1,1% (projeção)
  • 2022: -0,4% (projeção)

Teto de gastos enfraquecido

Na visão dos analistas, o problema é que o governo, para pagar R$ 400 de Auxílio Brasil em 2022 e cumprir outras promessas de gasto do presidente Bolsonaro, precisou aprovar no Congresso a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios.

A avaliação é que, com a PEC, o teto de gastos foi enfraquecido. O teto é a regra constitucional que limita as despesas públicas ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação.

Estamos devendo na reforma administrativa e perdemos a chance de fazer a reforma tributária. Poderia ser um gol de placa do governo, mas não se levou a agenda adiante. Além disso, houve destruição institucional com a PEC dos Precatórios. Permitir o aumento de gastos em 2022 compromete a credibilidade do teto.
Alexandre Schwartsman, economista da Schwartsman & Associados

Promulgada pelo Congresso, a PEC trouxe duas mudanças principais. Em primeiro lugar, ela muda o teto de gastos. Em segundo lugar, permite o adiamento do pagamento de parcela dos precatórios devidos pela União em 2022.

Precatórios são títulos que representam dívidas do governo com pessoas e empresas. Quando há uma decisão judicial definitiva, o precatório é emitido, e o governo é obrigado a pagar.

Com as mudanças, o espaço para mais gastos será de R$ 113,1 bilhões, conforme as estimativas mais recentes.

Guedes faz defesa do governo

Em entrevista coletiva na sexta-feira (17), o ministro Paulo Guedes defendeu a atuação do governo nos últimos três anos.

Segundo ele, a crise provocada pela pandemia de covid-19 acabou dificultando a tramitação no Congresso das reformas econômicas.

Entregamos a reforma administrativa em 2019 para a classe política, entregamos a PEC do Pacto Federativo em 2019 e entregamos a reforma da Previdência em 2019. A covid chegou e não processou nossas reformas. E nós somos culpados? Está entregue. Tem coisa que está entregue há dois anos, três anos
Paulo Guedes, ministro da Economia

Privatizações de estatais

Guedes também procurou se defender das críticas de que o governo não colocou em prática o programa de privatizações prometido durante a campanha eleitoral de 2018.

Na época, ele falou em arrecadar entre R$ 800 bilhões e R$ 1 trilhão em quatro anos com a venda de estatais e participações.

Na sexta-feira, ele afirmou que a conta está em R$ 200 bilhões. "Neste ano agora [2021] e mais o ano anterior [2020], em dois anos efetivos, nós conseguimos vender R$ 100 bilhões de estatais por ano", afirmou o ministro.

Ao mesmo tempo, ele deixou claro que a intenção é privatizar pelo menos a Eletrobras e os Correios no último ano do governo Bolsonaro, em 2022.

"Esperamos que, em quatro anos, seja possível vender duas empresas estatais. [Somos] um governo que foi democraticamente eleito dizendo que vai vender empresas estatais. É inadmissível que não se consiga vender", afirmou.

Segundo Guedes, Bolsonaro se comprometeu na campanha com o programa de privatizações. "Agora, outros Poderes vão impedir a privatização? Isso cria precedentes desagradáveis", acrescentou, em referência às dificuldades encontradas tanto no Congresso quanto no STF (Supremo Tribunal Federal) nas questões ligadas à venda de estatais.

O ministro afirmou ainda que a reforma tributária foi encaminhada pelo governo ao Congresso. Segundo ele, porém, o Senado "não deixou" que ela avançasse. No início de dezembro, o relator do projeto que alterava o Imposto de Renda —um dos pontos da Reforma Tributária—, senador Angelo Coronel PSD-BA), anunciou que a proposta seria arquivada.